quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Contra o "pobrete mas alegrete"


Lisboa, Crónica Anedótica de Leitão de Barros, 1930



"Leitão de Barros recriou, como ninguém, o que mais tarde chamou o lado "pobrete mas alegrete" do "fatalismo sem revolta" do "povo ribeirinho da velha Lisboa". Sob uma aparência desenvolta (o lado "quadro vivo") o que surge nessa "crónica" é o horizonte fechado de uma cidade sem saídas, presa das suas próprias manhas e armadilhas, que não mais deixaria de insinuar-se, em filigrana ou como nota dominante, em quase todos os filmes (comédias ou dramas) que tiveram Lisboa como cenário dominante. Se houvesse que opor um desmentido cabal à lenda da "ville blanche" (cidade branca), emblema fácil e superficial do filme de Tanner dos anos 80, havia que o buscar em todos esses filmes portugueses, em que nunca se pintou cidade mais "escura" e cujo fulgurante marco inicial é o filme de Barros, certamente um dos mais desapiedados olhares de nós próprios sobre nós próprios." 
João Bénard da Costa, Histórias do Cinema, col. Sínteses da Cultura 
Portuguesa, Europália 91, ed. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1991.


Lisboa, Crónica Anedótica (1930), dirigido por Leitão de Barros, foi uma grande realização, contando com uma das melhores 
equipes técnicas até então montadas no país. Este filme é considerado como uma das obras-primas do cinema de Português.


"Não se pode deixar de referir um conjunto de apontamentos ligados a esses actores, velhos e novos, que ainda hoje dão ao filme a sua graça, já que a ficção envelhece menos que o documento: o saloio Estevão Amarante olhando os manequins na montra e replicando ao aviso da empregada Josefina Silva "Não pode ver sem tocar?" com o imediato "Eu até era capaz de tocar sem ver!"; Nascimento Fernandes e as suas mãos maravilhosas seduzindo com boquinhas e piscadelas de olho as bonitas condutoras de automóveis; Vasco Santana e Costinha, no eléctrico do Campo Grande, às voltas com um burro que impede a passagem; o grande Chaby Pinheiro, na sua única aparição cinematográfica, no papel de um vendedor da Feira da Ladra que mostra um corno aos compradores; Alves da Cunha, num momento dramático no Arsenal da Marinha, uma das melhores descrições de ambiente operário do nosso cinema; Teresa Gomes na inenarrável cena de "peixeirada" da Praça da Figueira, com evidentes alusões eróticas de peixes e alhos; Erico Braga, galã convencional, descendo a Avenida da Liberdade no seu carro e declarando-se às bonitas transeuntes; o conto do vigário da bilha quebrada, com Perpétua Santos." 
(Luís de Pina, in História do Cinema Português, ed. Europa-América, col. Saber, 1986.)


Chaby Pinheiro (1873-1933)


Para quem não saiba, Chaby Pinheiro foi um dos maiores actores de teatro, revista e até do cinema mudo em Portugal. Actor de um teatro que alguns críticos classificam como ligeiro, Chaby Pinheiro foi também intérprete de peças que os teatrólogos ortodoxos classificam como mais respeitáveis, da autoria de Henrik Ibsen (1828-1906) e Émile Zola (1840-1902).

 Postal do filme encontrado na net com Chaby Pinheiro e Beatriz Costa.

Postal do filme encontrado na net com Chaby Pinheiro. 

Da sua vida e da sua relação com amigos e actores ficaram registados diversos episódios pitorescos, como este que se transcreve da obra de Beatriz Costa (1907-1996), Eles e Eu (1990):


"O grande actor Chaby Pinheiro tinha uma especial admiração por Ângela Pinto, que foi a maior artista da sua época. Ângela, sempre que se referia a Chaby, chamava-lhe o «cara de cu». Um dia o grande artista chamou-a e fez-lhe sentir a vulgaridade do seu vocabulário: «Ângela, tu és uma artista amada e respeitada pelo povo, não o podes desiludir com as tuas irreverências. Acaba com essa brincadeira de, em pleno Chiado, de um passeio contrário, dares um grito: 'Adeus ó cara de cu...' » Ângela, que era humilde, como o devem ser todos os famosos, ouviu e passou a respeitar o seu mais que ilustre colega. Um dia ao passar no Rossio viu Chaby numa esplanada a chupar uma carapinhada por uma palhinha cor-de-rosa... Olhou e não aguentou aquele espírito extraordinário, que foi só dela, numa gargalhada, para que ele ouvisse, atirou com esta: «... a tomar o seu semicupiosinho!...» Sobre a Ângela Pinto existem centenas de respostas e anedotas. Não creio que tudo seja autêntico..." 
(In, blogdaruanove.blogs.sapo.pt)


Beatriz Costa numa foto "rara", sem a franjinha que depois usou durante toda a sua vida. 
(foto da colecção Gulbenkian) 



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