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quinta-feira, 25 de abril de 2013

Portugal Abril de 1974


ENVIADO A PORTUGAL
Fotos de Henri Bureau
Texto de Luiz Carvalho
Expresso 24-04-2004


Um suposto membro da PIDE, sendo preso por soldados no Largo do Carmo.
Foto copiada do Expresso

Quando naquela manhã, pela fresquinha, os blindados do capitão Maia desceram de Santarém a Lisboa para mudarem a História, muita gente foi apanhada adormir. A música na rádio era outra, apesar de a senha para o início das hostilidades ter sido uma canção festivaleira, «E Depois do Adeus». A PIDE dormia, o regime ressonava, o reviralho tinha-se deitado tarde entre cervejas e policopiados de propaganda, mas a imprensa estrangeira já estava nas ruas de Lisboa testemunhando para o Mundo a mais pacífica das revoluções, chamada dos Cravos. Muitos dos fotojornalistas, a maioria franceses, que hoje trabalham em agências tão prestigiadas como a Magnum, a Sygma ou a Gamma e que são publicados nas mais destacadas revistas e jornais internacionais, estavam em Portugal no 25 de Abril, iniciando carreiras fulgurantes. O tempo de «quando o povo mais Ordenava»,como se uma bebedeira de liberdade tivesse transformado uma terra de fado numa nave De loucos, foi documentado por Salgado, Le Querrec, Gilles Peress ou Jean Gaumy. Eram muito jovens, ansiavam registar guerras e confusão, depararam com uma grande aventura jornalística a duas horas de casa. Um desses enviados foi Henri Bureau, co-fundador da agência Sygma, cujas fotos publicamos.
Henri Bureau ganhou um prémio World Press Photo com a fotografia de um pide cercado no Largo do Carmo. Por ironia, o homem de gabardina era tão-só um cromo de Setúbal que gostava de se fazer passar por agente da alta autoridade bufa. Michel Puech, fotojornalista, então com 26 anos e a trabalhar para odiário francês «Libération», comenta esta semana na Internet a sua experiência no 25 de Abril e refere, com especial amargura, o facto de ter estado ao lado de Henri Bureau e nem ter visto esta cena. Diz andar há 20 anos a lamentar-se por tal falhanço!

Rossio, em Lisboa. Uma multidão em fúria ataca um suspeito de pertencer à PIDE/DGS.
 Foto copiada do Expresso

O movimento dos capitães foi noticiado em França, na primeira hora, como um golpe militar, o que induziu muitas jornalistas a pensar em tratar-se de mais uma pinochetada, agora na Europa. Henri Bureau foi dos fotojornalistas mais marcantes dos anos 70 e Portugal foi um dos seus feitos.«Não dou tréguas em trabalho, mas em Portugal beijei um colega da Gamma por termos sido os únicos a fotografar a tempo a revolução».
Praça do Rossio, em Lisboa. Uma multidão em fúria ataca um suspeito de pertencer à PIDE/DGS. Os soldados tentam protegê-lo. O homem é arrastado até aos Restauradores, sempre injuriado. Henri Bureau segue de perto a aventura do refém da justiça popular. Ao lado de Bureau, um outro fotógrafo da Magnum, Gilles Peress, acabaria também por fotografar a cena. A «caça ao pide» era um dos passatempos preferidos daqueles dias de brasa. Muitas vezes, no meio de uma multidão concentrada em qualquer esquina para discutir acaloradamente um ponto revolucionário, ouvia-se: «Pide! O gajo é da pide!», e logo todos gritavam, avançando para o suspeito:«Morte à PIDE, o povo vencerá!» Seguia-se uma forte malha na vítima, com os soldados a tentarem acalmar os ânimos e os punhos. Cometeram-se injustiças e humilhações, e muitos verdadeiros pides acabaram por se safar pelas traseiras do exaltado povo. Menos os que foram apanhados com as calças na mão...

Soldados tomando posições nas ruas de Lisboa, dois dias depois do 25 de Abril.
 Foto copiada do Expresso

De Santarém a Lisboa, o caminho era longo para os blindados do capitão Salgueiro Maia. Só havia auto-estrada a partir do Carregado, as máquinas aqueciam, pouco habituadas a aventuras revolucionárias. Os soldados, acordados a meio da noite, viajaram meio estremunhados. A hora de ponta na altura, em Lisboa, era bem mais tranquila do que hoje. Ainda havia carroças a chegar com hortaliças à Praça da Ribeira, mesmo ao lado do cenário onde se desenrolou o encontro do oficial fiel ao regime caduco com o herói Maia. O semáforo caiu para vermelho no Marquês de Pombal e o soldado que conduzia o blindado da frente travou a fundo. O resto da coluna parou para deixar passar a tranquilidade cinzenta que ainda atravessava o país. A revolução começou por respeitar a prioridade e acabou por virar nos mais diversos sentidos, conforme os interesses, a força dos grupos, a vontade popular também. A calma do soldado que lê o jornal no Chaimite ou a alegria dos lisboetas, vestidos de calças largueironas e mini-saias atrevidas e gritando à democracia, são grandes momentos de glória.

 Soldado lendo o jornal dentro de uma Chaimite e populares 
no Marquês de Pombal, três dias depois do 25 de Abril.
Fotos copiadas do Expresso

Depois dos heróis, os protagonistas. Cunhal chega ao aeroporto da Portela e salta para um Chaimite, aclamado por camaradas e curiosos. Deverá ter sido dos poucos abraços que deu a Mário Soares, chegado na véspera a Lisboa, no comboio de Paris. Ao volante do Renault 16, que agora repousa na casa-museu de Cortes, João Soares conduz o pai Mário que salta da janela do carro, acenando aos populares. Os primeiros dias de festa estavam a chegar ao fim. Passado o mar de fé e gente que foi o 1º de Maio, tudo mudou. Os carros de Maia, e os seus homens, voltaram à caserna. Outros militares vieram para a ribalta fazendo de heróis. Cunhal e Soares viraram-se de costas. Foram meses de novas lutas até à implantação de uma democracia à europeia. Portugal voltou a ficar no seu canto, só, enquanto testemunhas como Henri Bureau partiam, levando fotografias que continuam a ser únicas.

Fotografias de Henri Bureau/Sygma/Corbis
Texto de Luiz Carvalho
24 Abril 2004
Expresso

«Cunhal chega ao aeroporto da Portela e salta para um Chaimite, aclamado por camaradas e curiosos.»
 Foto copiada do Expresso

 «João Soares conduz o pai Mário que salta da janela do carro, acenando aos populares.»
 Foto copiada do Expresso


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A ‘IDA’ AO POVO


AS CAMPANHAS DE DINAMIZAÇÃO CULTURAL (1974-75)



Por
Cláudia Lobo
Revista Visão História 01-07-2010

Coisas boas em jornais

«ALDEIA DE MÓS, CASTRO DAIRE, MAIO DE 1975 - A Operação Beira-Alta seria a mais longa e mais completa de todas as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA. Em Mós os militares procederiam à vacinação de bovinos com a ajuda de uma equipa de veterinários dirigida pelo tenente-coronel Ribeiro (ao centro) e pelo capitão-veterinário Sá Dantas.» 1975. Guy Le Querrec. Foto copiada da revista Visão História.


Quando, a 30 de maio de 1975, foi finalmente publicado o decreto-lei que criava o Serviço Cívico Estudantil, Fernando Negreira estava a acabar o 7º ano no Liceu Gil Vicente, em Lisboa. Queria entrar em Engenharia, mas os caminhos da Revolução levá-lo-iam à «universidade da vida»: quem quisesse ingressar na faculdade devia prestar voluntariamente, durante um curto período de tempo, aquilo a que hoje se chamaria serviço à comunidade.
A ideia do Serviço Cívico Estudantil germinara em outubro de 1974, mês em que o capitão Ramiro Correia e o diretor-geral de Cultura e Espetáculos apresentaram em conferência de imprensa as linhas de orientação das Campanhas de Dinamização Cultural e Ação Cívica do MFA, tuteladas pela Comissão Dinamizadora Central (CODICE) da 5ª Divisão do Estado-Maior General das Forças Armadas. O espírito que presidia às duas iniciativas — tal como o que norteou outros projetos, nomeadamente o SAAL — era semelhante. «Pretendia-se não só conhecer a ‘verdadeira vida do povo’, diagnosticando a sua situação, como também agir e contribuir para a sua ação na construção de uma nova sociedade que vencesse a questão da desigualdade social», escreve a socióloga e professora do ISCTE Luísa Tiago de Oliveira, na tese de doutoramento Estudantes e o Povo na Revolução — O Serviço Cívico Estudantil (Celta Editores). É sua a expressão ‘ida ao povo’.


«SERVIÇO CÍVICO - No Cachão, ensinando adultos a aprenderem a ler, em agosto.» 1975.
Foto Fernando Negreira copiada da revista Visão História.


SEDE DE APRENDER

Visão História
Cabia ao Ministério da Educação e Cultura a responsabilidade do Serviço Cívico, no qual se inscreveriam em 1975, na contabilidade de Luísa Tiago de Oliveira, 11 814 alunos. Os estudantes seriam colocados segundo a sua lista de preferências — e Fernando foi parar à sua segunda opção, a campanha de alfabetização. «A minha primeira escolha tinham sido as Brigadas Giacometti.»
Com um passe da CP fornecido pelo Serviço Cívico, parte para Trás-os-Montes. Durante agosto, dormindo no chão da sala da Junta de Freguesia, dá aulas a adultos na escola primária do Cachão, aldeia do concelho de Mirandela onde se situava um importante Complexo Agro-Industrial. Consigo estavam mais nove ‘professores’, chegados de Coimbra e do Porto, e um orientador, esse já universitário. Os filhos dos transmontanos a quem Fernando dava aulas haviam emigrado; restavam avós e netos. «As pessoas queriam muito aprender», recorda. «Dávamos aulas duas vezes por dia, ao final da tarde e ao princípio da noite — a partir das 10 horas faltava muitas vezes a luz.» 
Era troca por troca — letras por pão. «As pessoas traziam-nos tachos, e era dali que comíamos.» A fome de aprender era grande — Portugal tinha mais de 30% de analfabetos quando a Revolução chegou.


«MICHEL GIACOMETTI - O pai do Plano de Trabalho e Cultura, que funcionou nesse verão.» 1975.
Foto Arquivo A Capital copiada da revista Visão História.


Visão História
O SONHO DE TRÁS-OS-MONTES

Enquanto esteve em Trás-os-Montes, o nosso jovem futuro engenheiro que nunca chegaria a sê-lo não se cruzou com militares. Mas os homens das brigadas do MFA andavam por terras quentes: decorria a campanha Maio-Nordeste, sob o lema «Trabalhar com o Povo — Construir a Revolução»
«Trás-os-Montes, o país real, é uma ferida aberta no País», escrevia o jornalista Mário Contumélias no Diário de Notícias de 3 de junho. O repórter estava em Faílde, uma aldeia sem água canalizada, posto médico ou Casa do Povo. «Começamos a perder o entusiasmo e as ilusões: vai demorar ainda muito tempo antes que as coisas melhorem tanto quanto queremos e é necessário.»



«POVO MFA - João Abel Manta desenhou os autocolantes das campanhas de dinamização.»  Pintura (cartazes); “MFA-Povo-MFA” e “Sentinela do Povo”. Dinamização Cultural, Lisboa 1974. Foto de arte-factoheregesperversoes.blogspot.pt


Duas semanas mais tarde, as brigadas do MFA chegariam a Paio-Torto, concelho de Mirandela, onde na escola só não se tiritiva de frio graças ao calor dos animais, colocados no andar de baixo do edifício, a chamada «loja». Aulas com cheiro a bosta, casa de banho ao lado das manjedouras das vacas. A população elegera uma Comissão de Aldeia sob a orientação do MFA, que reunira já 130 contos para resolver o problema da escola.
«O povo não é facilmente mobilizado por ideologias, mas sim por objetivos concretos, mostrando as populações grande interesse e preocupação em ver alguns dos seus problemas resolvidos», lê-se num documento do MFA de balanço da Maio-Nordeste, citado em Camponeses, Cultura e Revolução, tese de doutoramento da antropóloga Sónia Vespeira de Almeida, sobre as Campanhas de Dinamização Cultural do MFA (Edições Colibri). 
«É verdadeiramente através da solução de problemas concretos que o MFA se transforma em imaginário social de libertação, no centro de um universo simbólico de luta contra a miséria e a injustiça», defende o sociólogo Boaventura Sousa Santos na comunicação Crise do Estado e a Aliança Povo/MFA em 1974-1975, escrita dez anos depois do 25 de Abril.


Campanha de ação cultural e cívica, realizada por uma equipa veterinária do Movimento das Forças Armadas (MFA). Visita a um agricultor. Beira Alta, Concelho de Castro Daire. Aldeia de Parada de Ester. Maio 1975. Guy Le Querrec.


ALIANÇA POVO-MFA

Nesta altura, as campanhas de Dinamização Cultural já tinham efetuado centenas de sessões de esclarecimento, ajudado a traçar estradas e a rasgar caminhos, levando eletricidade e água potável a aldeias, transportado médicos e veterinários a lugarejos escondidos. As brigadas centraram-se sobretudo no Minho, Trás-os-Montes, Beira Alta e Beira Baixa, segundo Sónia Vespeira de Almeida.
Para trás ficara uma primeira fase, terminada em março, centrada na ideia da revolução cultural e que agregou à volta dos militares centenas de artistas. Para citar apenas alguns exemplos: no teatro, a Cornucópia e a Comuna; nas Artes Plásticas, João Abel Manta e Vespeira ; na música, José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Carlos Paredes; cinema, bailado e circo também estavam presentes.
O Documento Guia da Aliança Povo-MFA, de julho de 1975, conhecido como «Documento do Copcon», marca uma nova etapa no rumo do Verão Quente, institucionalizando «os órgãos do poder popular ancorados em organismos de base como as comissões de moradores, as comissões de trabalhadores, os conselhos de aldeia». A segunda diretiva do CODICE, que estipula a colaboração com o Copcon, é clara: um dos objetivos fundamentais passa a ser «incrementar a reunião de Assembleias Populares». Daí a Comissão de Aldeia em Paio-Torto.


Campanha de ação cultural e cívica, realizada por uma equipa veterinária do Movimento das Forças Armadas (MFA). Vacinação de suínos. Beira Alta, Concelho de Castro Daire. Aldeia de Parada de Ester. Maio 1975. Guy Le Querrec.


ESPÓLIO DO VERÃO QUENTE

Constantim, Cicouro e S. Martinho da Angueira, concelho de Miranda do Douro, talvez não tivessem comissões de aldeia — mas a Revolução também lá se fez sentir. Pelas três passou Luísa Tiago de Oliveira cumprindo o Serviço Cívico, com uma das brigadas de Giacometti, as tais onde Fernando Negreira não foi colocado.
Visão História
O nome correto destes grupos era, na verdade, brigadas do Plano de Trabalho e Cultura. Mas ficariam conhecidas pelo nome do homem da ideia, 
Michel Giacometti, etnólogo corso apaixonado pelo nosso folclore que percorrera Portugal durante os 17 anos anteriores. Integrado no Serviço Cívico, e com o apoio do INATEL e da Gulbenkian, o Plano de Trabalho e Cultura foi organizado em três meses. Antes de partirem para o terreno, os 124 jovens escolhidos frequentaram um curso de formação em áreas tão diferentes como higiene pública, cooperativismo ou literatura popular. Gravador e máquina fotográfica viajavam na bagagem das 32 equipas que em julho, agosto e setembro percorreram os caminhos traçados por Giacometti. 
A herança desse Verão Quente é impressionante: recolha de 1 200 instrumentos de trabalho agrícola, registo sonoro de 3 mil trechos de literatura oral (contos, lendas, provérbios, rezas, etc.), compilação de fórmulas medicinais populares. 
Luísa Tiago de Oliveira viria a fazer do Serviço Cívico Estudantil o tema do seu doutoramento em Sociologia. Quanto a Fernando Negreira, que se tornou fotógrafo, decidiu nesse verão partir para outra aldeia, Arcozelo, com uma equipa de filmagens que rodava uma película sobre as campanhas de alfabetização. A liberdade estava mesmo a passar por ali.

Cláudia Lobo, Revista Visão História 01-07-2010


Campanha de ação cultural e cívica, realizada por uma equipa veterinária do Movimento das Forças Armadas (MFA). Vacinação de animais. Beira Alta, Concelho de Castro Daire. Vila de Laboncinho. Maio 1975. Guy Le Querrec.


Campanha de ação cultural e cívica, realizada por uma equipa veterinária do Movimento das Forças Armadas (MFA). Vacinação de Animais. Beira Alta, Concelho de Castro Daire. Aldeia de Mós e Termas do Carvalhal. Maio 1975. Guy Le Querrec.


Campanha de ação cultural e cívica, realizada por uma equipa veterinária do Movimento das Forças Armadas (MFA). Bebendo um copo oferecido por um habitante depois da vacinação de animais. Beira Alta, Concelho de Castro Daire. Aldeia de Parada de Ester. Maio 1975. Guy Le Querrec.


(Fotos de Guy Le Querrec/Magnum Photos)

GUY LE QUERREC - Nascido em Paris em 1941 em uma família modesta da Bretanha, Guy Le Querrec fez as suas primeiras imagens com músicos de jazz de Londres na década de 1950, fazendo a sua estréia profissional em 1967. Dois anos mais tarde, ele foi contratado pela revista Afrique Jeune como editor de imagem e fotógrafo, e fez as suas primeiras histórias na África francófona, incluindo o Chade, Camarões e Níger. Em 1971, ele confiou os seus arquivos à Vu, recentemente fundada por Peter Fenoyl, e em 1972 co-fundou a cooperativa agência Viva, que deixou três anos depois. Guy Le Querrec juntou-se à Magnum em 1976. No final de 1970, ele co-dirigiu dois filmes, e em 1974 e 1975 esteve em Portugal e fotografou a "revolução", principalmente as campanhas de dinamização cultural, cujas fotos podem ser vistas no site da Magnum. Em 1979 publicou um livro: Portugal 1974-1975 : Regards sur une tentative de pouvoir populaire.


João Abel Manta, “Muito prazer em conhecer vocelências”. 1975?


Um testemunho das campanhas LER AQUI




terça-feira, 24 de abril de 2012

Garcia dos Santos sem papas na lingua


Comemorando o 25 de Abril

aí estão os militares a dizerem o que tem de ser dito


No dia 24 de Abril de 1974, andou a montar as transmissões no Quartel da Pontinha. Esperou pelo fim da tarde, levava consigo os rádios que tinha roubado no depósito do material de transmissões. Garcia dos Santos tinha, na altura, 38 anos – era mais velho que o comum dos capitães do MFA. Depois, foi secretário de Estado, chefe da Casa Militar do Presidente da República (Ramalho Eanes) e o seu último cargo público foi o de presidente da Junta Autónoma das Estradas, no tempo do governo Guterres, onde denunciou uma teia de corrupção. Hoje, acha que não há uma classe política capaz, que vivemos ainda com a pesada herança do passado, quando o “paizinho” (Salazar) “tratava de tudo”. Nenhuma geração ainda “aprendeu” a viver em democracia. “O meu pai não aprendeu, eu não aprendi, eu não sei nada, não vou ensinar nada aos meus filhos”. E “são três gerações” 
(In, Jornal i)

 General Garcia dos Santos: fotos jornal i e jornal de Negócios.

«E como vê a democracia hoje?

Ainda convivemos com a pesada herança do passado. Nós tínhamos antigamente o paizinho que tratava de tudo...

Quem era o paizinho?

Era o Salazar! O antigo regime era o Salazar que tratava de tudo, que concentrava tudo na sua pessoa e na sua elite. E ninguém fazia nada. Isso dá como consequência o quê? Primeiro, não há preparação nenhuma, não há uma classe política capaz. Antigamente, havia os velhinhos da oposição ao regime que de facto eram pessoas intelectualmente e culturalmente capazes. Essa geração desapareceu. E o que é que nós temos hoje? Zero! A minha geração não aprendeu, a geração dos meus pais não aprendeu, eu não sei nada, não vou ensinar aos meus filhos. Isso são três gerações...

Não aprendeu o quê? Não aprendeu a democracia?

Nada! Não aprendi a democracia, não aprendi a gerir nada, não aprendi a consciência política que é das coisas essenciais para um cidadão. Nada disso existe.

Não havia consciência política no anterior regime e continua a não haver?

A pouco e pouco vai-se criando essa consciência política. Por necessidade, alguns vão trazendo lá de fora alguns conhecimentos... Mas até que se tape esse buraco vai demorar um certo tempo. São três gerações, pelo menos. Por isso, os nossos políticos, a nossa classe política são uns garotos, nunca fizeram nada na vida...

Está a falar de Pedro Passos Coelho, António José Seguro?

Todos eles, todos eles! Responda-me só a isto: quem é que vê, no nosso horizonte politico, capaz de deitar a mão a isto e pôr isto a funcionar como deve ser Não há! Eu não vejo Ninguém. Tenho perguntado isto a dezenas de pessoas e ninguém me diz "o salvador da pátria é...". Salvador com as devidas cautelas, não estou a falar em ditaduras, não é essa de forma nenhuma a minha ideia. Agora, uma democracia exige disciplina, rigor, planeamento e nós não temos nada disso!

Mas o actual presidente da republica...

Não me fale desse gajo! Não me fale desse gajo!

Mas houve uma altura em que houve pessoas que acreditaram que ele podia ser esse salvador...

As falhas! As falhas! Ele acabou com as pescas, acabou com o mar, acabou com a agricultura! E agora é o defensor dessas coisas todas. Veja a contradição da pessoa! É licenciado em economia, foi ministro, foi primeiro-ministro. E o que é que ele fez? Destruiu tudo isto! Toda a situação em que estamos hoje nasce com ele. E ele nesta altura em que devia ter uma atitude firme, dar dois murros na mesa, dizer "o país está primeiro que tudo o resto, acabaram as querelas partidárias, vamos pôr o país a funcionar". Que é que ele fez? Zero! Julgo que ninguém tem argumentos para contrapor a isto que eu estou a dizer. O Presidente da Republica é o primeiro responsável por isto tudo e não faz nada para que isto se corrija.

Mas o presidente não tem muitos poderes...

Tem todo os poderes! Tem a bomba atómica, que é a dissolução da Assembleia da Republica, mas não é preciso ir aí. Fui cinco anos chefe da Casa Militar do Presidente da Republica, sei muito bem como era o ambiente naquela casa e como se viviam estas coisas todas. Se fosse preciso dar dois murros em cima da mesa o Eanes dava, E punha o dedo no nariz daquela gente! Este gajo não põe, de certeza absoluta! E ainda por cima é um pateta que tem medo de tudo.

Mas estamos melhor do que há 38 anos...

Claro que sim! Mas vamos pagá-lo muito caro. Nós estamos a viver do dinheiro que vamos buscar lá fora. E depois como é que é? Como é que a gente o vai pagar? O que é a gente está a fazer para preparar o futuro? É que a gente não pode viver só do dinheiro que vai buscar lá fora. Temos que pensar o que vamos fazer, como é que está a nossa economia. Há alguma coisa que esteja a ser preparada no sentido de pôr a nossa economia a funcionar? Zero! Quer outro exemplo? As auto-estradas, as Scuts. Eu tive uma conversa com o engenheiro Cravinho em que ele me disse que ia pôr a funcionar as Scuts. Eu disse: "Ó senhor ministro isso é um tremendíssimo disparate!". A Scut é uma invenção inglesa, ao fim de pouco tempo os ingleses puseram aquilo completamente de parte, por causa do buraco que era previsível. Mas disse-me que o assunto estava exaustivamente estudado sob todos os aspectos, técnico, financeiro. Está à vista o buraco que são as Scuts.

E as PPP?

É a mesma coisa.

Quando saiu da JAE denunciou uma situação generalizada de corrupção. Acha que as PPP também se integram nessa situação? O Tribunal de Contas diz que houve contratos que lesaram o interesse público...

Tem que se admitir a possibilidade de haver ali corrupção, e da forte. Como é que se atribui a uma determinada entidade certos privilégios que não seriam naturais? É porque se calhar há alguém que se locuptou com alguma coisa. Infelizmente, outra coisa que funciona mal no nosso país é a justiça. Nunca chega até ao fim.

Foi colega do eng. João Cravinho no Técnico...

Foi por isso que ele me chamou para ir para a Junta. Sabe o meu feitio e quis que eu limpasse a casa.

Mas o que é que aconteceu? O eng. João Cravinho chama-o para limpar a casa, o senhor limpa, e depois zangam se. O que se passou?

Fomos colegas no Instituto Superior Técnico. Houve um jantar de curso e nesse jantar o Cravinho a certa altura chama-me de parte e diz: "Tens algum tempo livre?". E eu disse: "Tenho, mas porquê?"; "Eu precisava de ti para uma empresa"; "Que empresa?"; "Agora não interessa, a gente daqui a uns tempos fala". Passado uns tempos chamou-me e disse-me: "Eu quero que vás para a Junta Autónoma das Estradas, mas não digas a ninguém que o gajo que lá está [Maranha das Neves] nem sonha". O Cravinho deu-me os 10 mandamentos do que eu precisava de fazer na Junta, limpar a casa, obras que era preciso fazer, etc. Entretanto, comecei a conhecer a casa, dei a volta ao país todo e um dia disse-lhe: "Há aqui uma série de coisas que é preciso fazer e há 11 fulanos que é preciso pôr na rua". Ele retorceu-se, chamou-me daí a dois dias, disse que era muito complicado. O problema é que era através de uma das pessoas que eu queria pôr na rua que passava o dinheiro para o PS

(extracto da entrevista a Garcia dos Santos Por Ana Sá Lopes e Luís Rosa, no Jornal i em 24-04-2012, os sublinhados são meus)




terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

As Campanhas de Dinamização Cultural

 (1974-75)

Há muitas ideias feitas, espalhadas e arreigadas sobre estas campanhas. 
A quem as viveu, cabe tão só testemunhar o que se passou. 
Por Manuela de Freitas


Nem tudo o que luz é oiro. Mas só com luz se pode distinguir.


Saíam de Lisboa, em carros do exército, os militares do MFA [Movimento das Forças Armadas] e os actores. Chegavam à cidade e instalavam-se todos no quartel, onde ficavam durante uma a duas semanas. Dali partiam diariamente para as várias vilas e aldeias da zona onde se realizavam as sessões. Montavam o palco e preparavam a sala. Depois iam pelo povoado, chamando as pessoas, com quem, no café, nas ruas, conversavam e as convidavam para o encontro dessa noite. Não se sabia quais as vedetas que mais atraíam a atenção das populações: se os protagonistas do teatro, se os protagonistas da Revolução dos Cravos.


João Abel Manta, “Muito prazer em conhecer vocelências”. M.F.A. Campanha de dinamização cultural, 1974

Quando a peça acabava, estabelecia-se o debate. O público começava por falar com os actores sobre o espectáculo e, a propósito dele, os militares explicavam quem eram e o que estavam ali a fazer: depois de terem libertado Portugal do fascismo, queriam saber o que era preciso fazer para reconstruir o país e melhorar a vida das pessoas. E ali ficavam a responder a perguntas, a tomar notas, a ouvir as queixas, as esperanças, as dúvidas, os medos: “Construam-nos um cemitério porque o mais perto é a 20 quilómetros e, no inverno, quando levamos um de nós a enterrar, morrem mais dois ou três pelo caminho”. “Precisamos de uma ponte”. “Uma estrada dava muito jeito”. “Façam escolas para podermos aprender a ler”. “O que é que vão fazer aos patrões?”. “Limparam mesmo os fascistas todos?”. “E vocês, que ainda por cima têm armas, como é que nos garantem que não vão fazer pior?”.

Cartaz do MFA.
Altas horas voltavam, actores e militares, para o quartel. E, no dia seguinte, iam fazer o mesmo noutra vila ou aldeia próxima.
Assim foi na primeira campanha (Beira Alta), na segunda (Douro) e na terceira (Trás-os-Montes) ao longo de 1974 e nos princípios de 1975.
Os MFAs fizeram o cemitério, a estrada, a ponte. Mas, a pouco e pouco - confrontados com a pesada herança de 48 anos de fascismo, com o atraso, as carências, a situação social, o caciquismo – esvaía-se-lhes o ânimo voluntarista e emergia uma frustrante consciência da sua total ausência de preparação política. A generosa energia dos “salvadores” dava lugar à apreensão e ao pessimismo dos “responsáveis pelo cumprimento das promessas de Abril”. Confessavam começar a perceber que só com espingardas não conseguiriam levar a bom termo a difícil tarefa – que o povo deles esperava porque a ela se tinham comprometido – de construir um país novo. Seria, por isso, necessário apoiarem-se em quem tinha competência e experiência dessas coisas. Embora com algumas reservas, só o PCP [Partido Comunista Português] lhes parecia estar em condições de os ajudar, porque era a única força de esquerda com uma poderosa organização e uma sólida formação política.
E assim, progressivamente, se assistiu à invasão e ao controle, pelo PCP, da 5ª Divisão (instância das Forças Armadas encarregue das Campanhas de Dinamização Cultural).
Aquele grupo de actores começou a tornar-se incómodo e desajustado às circunstâncias. Porque não aceitou que lhe censurassem os textos do programa; porque se recusou a fazer o espectáculo em condições que considerava atentatórias da qualidade e da boa recepção por parte do público; porque, nos debates, assumiu posições contrárias aos agora mentores do povo e porque, obviamente, não simpatizava com o PCP… voltou para Lisboa a meio da quarta campanha (Minho). E nunca mais foi solicitado para participar em nenhuma, se é que as houve.

Beira Alta. Conselho de Castro Daire. Vila de Parada de Ester. Vacinação de animais. Campanha de Dinamização Cultural , Maio 1975. Fotos de Guy Le Querrec da Magnum Photos.


Seguiu-se uma afincada e habilmente programada descredibilização, política e cultural, do que tinham sido as Campanhas de Dinamização: “os militares do MFA andaram pelo país a catequizar o povo, a colonizá-lo politicamente, acolitados por um grupelho de Lisboa que, em total desrespeito pela identidade cultural própria das comunidades, lhes impingia produtos artisticos que elas recusavam porque lhes eram totalmente alheios”. Esta versão dos acontecimentos foi sendo repetida ao longo dos anos pelos militantes do PCP, em toda a parte e por todas as formas, ora com argumentos culturais ora com argumentos políticos, conforme a quem se dirigiam. E assim - encontrando na má-fé, no sectarismo, na inveja ou na simples ignorância, o terreno propício para criar raízes - esta foi a verdade sobre as campanhas que ficou para a história.

Francisco Martins Rodrigues

É dificil encontrar quem não a repita ainda hoje. Francisco Martins Rodrigues (um dos mais prestigiados e influentes mentores da esquerda), na pág. 23 do seu livro O Comunismo que aí vem (Abrente Editora, 2004), escreve: «Na realidade, as comissões do “poder popular” que mais tarde vieram a reunir sob a presidência benévola dos oficiais, vinham na linha de continuidade das campanhas de “dinamização cultural”, que tinham percorrido a província, a explicar às populações o que era bom para elas. Eram uma reminiscência sublimada da “acção psico-social” em África.» [artigo que fora antes publicado no nº 1 da revista Política Operária, Setembro-Outubro de 1985].


Se, nos bastidores daquela experência, havia intenções e vontades ocultas e o que se passou no terreno foi afinal um desvio indesejado que escapou ao controle dos seus promotores, espera-se que historiadores credíveis o revelem, documentadamente.


Se, apesar das boas intenções dos intervenientes, aquela não foi a melhor forma político-cultural de fazer as coisas, espera-se que políticos e ideólogos credíveis a critiquem e, analisando-a, tirem conclusões para o futuro.
A quem a viveu, cabe tão-só testemunhar o que se passou.

(Manuela de Freitas, 24 de Abril de 2009, in passapalavra.info)   



(Fotos da Magnum Photos; desenhos de João Abel Manta e foto de Francisco Martins Rodrigues á solta na net)




quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Murais Politicos 1975-1977

Coisas do PREC



"No tempo em que os pincéis e a tinta vingavam sobre os cartazes de papel, as mensagens passavam nas paredes, independentemente dos dotes artísticos dos autores. Era a liberdade de expressão que valia, acima de tudo." 
(In, IOL PortugalDiário)


 Mural com propaganda do MES em Lisboa 1976.


Fachada da sede do PCP em Aljustrel 1976.


Mural com propaganda do PPD em Lisboa 1975. 

Mural com propaganda do PCP em Lisboa 1975.

Mural com propaganda do MPLA no Cacem 1976.

Mural com propaganda da UDP em Condeixa 1976

 Mural com propaganda do MRPP no Lumiar 1976.

Mural com propaganda do MRPP em Portimão 1976.

Mural com propaganda para a Presidência da  República no Instituto Superior Técnico em Lisboa 1976.
  
 Mural com propaganda  do PRP, Partido Revolucionário do Proletariado em Ferragudo 1976.

Mural com propaganda  do PRP, Partido Revolucionário do Proletariado em Ferragudo 1976.


  Mural com publicidade a um jornal em 1976.

 Mural com propaganda do PCP(R) no Cacem 1976.

Mural com propaganda do PCP em Coimbra 1976. 

Mural com propaganda ao MFA, Movimento das Forças Armadas em Lisboa 1977.

Mural com propaganda ao MFA, Movimento das Forças Armadas em Lisboa 1977.

 Mural com propaganda da UDP em Lisboa 1977.

 Mural com propaganda do PCP e do MDP CDE em Lisboa 1977.

Mural num prédio na zona da Marvila em Lisboa por um grupo de artistas afectos ao MRPP 1977.


(Fotos do Arquivo Fotográfico da CML)



Os militares no Rossio

Coisas do PREC


A certa altura do campeonato fomos visitados por uma esquadra naval da NATO, e o MFA entre outras razões (o clima estava já muito quente) decidiu proibir as manifestações. O MRPP decidiu mesmo assim convocar uma manif para o Rossio e antes da manif acontecer os páras, os comandos, os fuzileiros e a PM, comandados por Correia Campos secundado por Jaime Neves, "ocuparam" o Rossio e mandaram embora toda a gente e até o metro deixou de parar lá, seguia directo do Restauradores para o Martim Moniz. Os mrpp's foram para a Praça do Município salientando que aquela tinha sido uma grande vitória do povo.


A ocupação militar do Rossio em 31 Janeiro 1975









 Reportagem no Diário de Lisboa do dia seguinte, 01-02-75


(Fotos Gahetna - Nationaal Archief, Holanda)