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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Hollywood na época da caça

Texto de
António Cabrita
Expresso, 14 Junho 1991



«Quem eram os Dez de Hollywood?. Este documentário de 1950 dá uma visão dos 10 escritores e diretores de cinema da lista negra, que desafiaram o governo ao se recusar a depor durante a "caça às bruxas". John Berry, que dirigiu o documentário, foi posto na lista negra após a sua realização.» (Films Ironweed). Carregado no youtube por mattnhormann em 09/01/2011.


Coisas boas em jornais


Joseph McCarthy e o escritor Dashiell Hammett, fazendo o juramento na Comissão Permanente do Senado de Investigação sobre o comunismo. Washington, DC, USA. 1953, Hank Walker. E, Dashiell Hammett respondendo às perguntas do "caçador de bruxas", Joseph McCarthy. Washington, DC, USA. 1953, Hank Walker.


«A SENHORA tem a certeza?» O Comité estava desconcertado. J.Parnell Thomas não queria crer na obstinação de Ayn Rand, uma obscura argumentista que fora convocada para, na sua qualidade de natural da URSS; confirmar que Song of Russia, com Robert Taylor no principal papel (um maestro americano que viaja pela Rússia e se apaixona por uma autóctone), tresandava a propaganda comunista. Mas a exçêntrica senhora, de inabaláveis convicções direitistas; assinale-se, trocava-lhe as voltas: «Eu não sei onde é que o estúdio fez as filmagens mas nunca vi nada daquilo na Rússia. Em primeiro lugar vêem-se os supostos edifícios de Moscovo - grandes, com uma aparência próspera e limpa – com algo ao fundo que me parecem cisnes ou barcos á vela. Depois vê-se um restaurante de Moscovo que simplesmente nunca existiu (...) E onde é que já se viu – os camponeses felizes, a saudarem o herói, na estação, com belas blusas e sapatos como nunca ali houve? Ou vedetas de unhas arranjadas a dirigirem: tractores:..»
«Mas a senhora não vê aí elementos de propaganda?»
«Não, vejo mentiras.»
«Minha senhora, estamos aqui para julgar o grau de influência comunista na elaboração daquela história...»
«E eu asseguro-lhe que nada é assim na Rússia. Pois se o rapaz e a rapariga se encontram num restaurante que nem sequer existe em Moscovo(...)»
«A senhora», interroga agora John McDowell, um republicano da Pensilvânia, «pinta um retrato muito sombrio da Rússia. A senhora insiste muito na tristeza das crianças. Ninguém ri na Rússia?»
«Bem, se me pergunta literalmente: não. Não muito.»
«Eles não sorriem?», o incrédulo McDowell.
«Não, não muito.»
É Otto Friedrich em A Cidade Das Redes, Hollywood nos Anos 40, Companhia das Letras, quem conta, bem como os outros episódios que a seguir se narram. Esta cena passou-se em 1947. Luis B. Mayer, da MGM, era a segunda figura de Hollywood a testemunhar perante o Comité de Actividades Anti-Americanas (HUAC) - o primeiro a ser «honrado» fora Jack Warner - e enfrentava a suspeita levantada por Robert Taylor, ao declarar que por pressões dos «auxiliares de Roosevelt» (um aliado natural dos «vermelhos», segundo a delirante presciência de MacCarthy) fora obrigado a, terminar o filme, adiando com isso a sua incorporação na Marinha (em período de guerra). Ainda para mais o argumento era assinado por Richard Collins e Paul Jerrico, dois escritores assumidamente hostis às actividades do Comité. O inesperado depoimento de Ayn Rand lançava o ridículo no seio dos inquisidores.


«Joseph McCarthy: o medo num país que se considerava a maior democracia do mundo». O senador Joseph McCarthy e o seu assessor Roy Cohn durante as audiências Exército-McCarthy: nesta altura as coisas já estavam a correr mal para o caçador de bruxas. Washington, DC, USA, Abril, 1954, Hank Walker.


Bertold Brecht fumando um charuto, e respondendo às perguntas do Comité de Investigação de Actividades Anti-Americanas. Washington, DC, USA. Novembro, 1947, Martha Holmes. E, o compositor Hanns Eisler prestando depoimento ao Comité de Investigação de Actividades Anti-Americanas. Washington, DC, USA. Setembro, 1947, Francis Miller.


 Em 1947 os produtores ainda replicavam num documento comum: «Não seremos intimidados pela histeria ou pela ameaça, venham de onde vierem», mas à cautela do poder politico, já se preparavam para dispensar os Dez de Hollywood (um grupo de irredutíveis, na maioria argumentistas, que tiveram a coragem de levantar a voz contra o HUAC e que acabaram na cadeia, por desacato e desrespeito ao Comité), com a jura de nunca mais voltarem a empregar comunistas.. Os próprios sindicatos estavam divididos e o Screen Writers Guild, considerado até então um feudo de comunistas, recusa-se a ajúdar os Dez de Hollywood, a aliviar-lhes os custos dos seus apelos judiciais.
Foi uma bola de neve de grande aceleração, depois de um período em que a influência dos artistas conseguiu suster as investigações do Congresso. O barulho feito por Dalton Trumbo e Ring Lardner, dois dos Dez, para fazer vingar á Primeira Emenda, segundo a qual o Congresso não tinha o direito de criar nenhuma lei que restringisse a liberdade de pensamento e de reunião, travou por momentos as investigações e criou ilusões acerca do verdadeiro poder de intervenção dos acusados. Há até uma história divertida passada com Lester Cole, outro dos Dez, que ilustra o estado de confiança com que a «esquerda», digamos, enfrentava nos primeiros anos as provocações dos «denunciadores da conspiração». Cole estava a cortar o cabelo na barbearia da MGM quando foi prevenido, pelo telefone, de que chegara ao escritório um Oficial da Justiça com uma convocação para ele. «Quer fugir,_enquanto eu o distraio?»; pergunta-lhe Eddie Mannix, o administrador do estúdio. «Fugir?», retorquiu Cole, «Para onde? Diga-lhe que estou na terceira poltrona da barbearia.»
Entretanto o delírio anticomunista chegava a este estado de coisas: Leo McCarey que ficara rico produzindo e realizando Going my Way, com Bing Crosby, onde um padre católico tocava boogie-woogie, e «The Bells of St. Mary», queixou-se durante o seu testemunho de que os seus filmes não lhe tinham dado qualquer lucro na União Soviética.

Humphrey Bogart, Danny Kaye, Paul Henreid, June Havoc e Lauren Bacall entre outros, em frente ao Capitólio, enquanto se preparam para uma conferencia de imprensa em defesa das liberdades. Washington, DC, USA. 31 de outubro de 1947, Martha Holmes.

Danny Kaye, June Havoc e Humphrey Bogart e Lauren Bacall sentada, ouvindo atentamente no meio da multidão as sessões do  Comité de Investigação de Actividades Anti-Americanas. Washington, DC, USA. 31 de outubro de 1947, Martha Holmes.

     «Qual é o problema?» perguntou Stripling. «Bem, acho que há por ali um personagem de quem os russos não gostam», disse McCarey. «Bing Crosby?», sugeriu o inquiridor. «Não, Deus», respondeu McCarey.
     Quatro anos depois MacCartismo estava no auge e a paranóia  começou a funcionar como uma espécie de alibi para a denúncia e para o tráfego de pequenas corrupções, alimentando o desnorte e o medo num país que se considerava a maior democracia no mundo. Cada semana trazia o seu lote de decepções, os amigos a entreolharem-se, desconfiados, nos «cocktails». A Lista Negra começara a fazer enormes sangrias e Elia Kazan dera uma, grande machadada na moral dos «homens íntegros» ao alistar-se entre os delatores. Atrás dele, ou caucionados pela sua sombra imensa, as línguas iam-se desatando: Michael Gordon, Lee J. Coob, Silvia  Richards, Roy Huggins, Isobell Lennart, Leo Townsend, Budd Schulberg, Edward Dmytryk, Richard Collins, Jerome Robins, Edward G. Robinson, Gingers Rogers e Robert Taylor cederam à chantagem e denunciaram. Razões várias explicam a fraqueza humana desta gente de inegável talento. Medo de perderem emprego e posição social, o pânico do cerco associado a um constrangimento físico (como desculpar de outra forma a cobardia de Brecht que quando instado a confessar se alguma vez tinha pensado em entrar para o Partido Comunista se apressa em . atraiçoar-se «Não, não, não, não, não, nunca!»?), a própria necessidade de se ser igual e de se pertencer a uma maioria de êxito. Para além das razões ideológicas que poucos, como Reagan, podiam à primeira vista reivindicar para si. O próprio Kazan manteve sobre a sua opção um razoável pudor, nunca tendo sido, em trinta anos, completamente convincente nas razões ideológicas que avançava para a sua «traição» aos amigos e sobretudo a Arthur Miller.


Os Dez de Hollywood. As vítimas da lista negra de Hollywood, com dois de seus advogados (Novembro de 1947). Fila da frente: Herbert Biberman, advogados Martin Popper e Robert W. Kenny, Albert Maltz, Lester Cole. Fila do meio: Dalton Trumbo, John Howard Lawson, Alvah Bessie, Samuel Ornitz. Fila de trás: Ring Lardner Jr., Edward Dmytryk, Adrian Scott. Foto encontrada em wikipedia.com

Num livro, de Victor Navasky sobre os delatores (Les Délateurs, 1980, Balland), estes, em discurso directo, descriminam os motivos da sua delacção. Quase todos acusam uma certa vergonha e um sentimento de terem sido «falhos» de carácter (Richard Collins admite mesmo ter-se comportado como um «crapulazinho») Mas a posição mais interessante chega-nos de Budd Schulberg, o escritor de O Que Faz Correr Sammy?. Fundador, com Arthur Koestler, de um Fundo Para A Liberdade Intelectual (FIF), Schulberg sempre acusou, mesmo antes de depor, os escritores liberais ou comunistas americanos, de Lillian Hellman a Dalton e Miller, de hipócritas prontos tanto a darem-se como mártires na sua terra como a silenciarem sobre a censura e a repressão que os escritores do mundo comunista sofriam na sua terra. «Tenho remorsos por causa do que se fez aos checos e não do que se fez a Ring Lardner (...) todos eles, anestesiados pela doutrina comunista, concorreram para o estabelecimento de um sistema de listas negras, para a organização de um verdadeiro jogo de massacre (...) Eles contestam os nossos depoimentos, eu contesto-lhes o seu silêncio». Schulberg escolheu entre dois males e esta curiosa posição é sustentada pela regularidade com que o escritor dava ferroadas no macarthismo com que colaborara.
E o que uma nação inteira que viveu largos anos para a denúncia e a auto-recriminação não se lembrou de pensar é o que nos dizem a frieza dos números: em1952 o relatório anual da HUAC incluia uma lista alfabética de 324 pessoas dadas como comunistas inquestionáveis, em Hollywood. 324 reles bruxas entre 30.000 serviçais do cinema. É pouco para tanto barulho.

António Cabrita
Expresso 
15 Junho 1991


Membros dos "Dez de Hollywood" e suas famílias, em 1950, protestando contra a sua prisão iminente. Foto encontrada em filmfoodie.blogspot



(Fotos LIFE Archive, excepto as assinaladas)



terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Ingrid Bergman

"Felicidade é ter uma boa 

saúde e uma péssima memória"


“Existem apenas uns sete astros de cinema, cujo nome, sozinho, faz com que banqueiros americanos emprestem dinheiro para a produção de filmes, e a única mulher na lista é Ingrid Bergman”. (Cary Grant, anos 40)


Ingrid Bergman durante as filmagens de Elena et les hommes (Helena e os Homens, 1956) de Jean Renoir. 1956. Thomas D. Mcavoy.

«Ingrid Bergman (1915-1982) foi uma grande actriz sueca, senhora de uma beleza extraordinária, que na época em que o cinema de Hollywood ainda criava e se alimentava de mitos e de divas, ela — mesmo contra todas as evidências iniciais — tornou-se uma das maiores de sempre. Mas a carreira de Ingrid Bergman em Hollywood está pontilhada de atitudes firmes e paixões tórridas.


Ingrid Bergman olhando para o que tinha de vestir no filme Joana d'Arc (Joana d'Arc, 1948) de Victor Fleming. 1947. Allan Grant.

Um exemplo é a forma como ela se transferiu do cinema sueco para o de Hollywood. Otto Friedrich conta, em "Hollywood nos Anos 40", que David Selznick tomou conhecimento da existência de Ingrid por um ascensorista sueco que trabalhava no prédio onde funcionavam os escritórios de Kay Brown, representante do produtor em Nova York. O ascensorista contara à mulher de Brown que seus pais tinham ficado comovidos com um novo filme sueco, Intermezzo, e em especial com a heroína, uma jovem de 21. Kay Brown foi ver o filme e relatou ao patrão que a jovem actriz era "tudo o que havia de melhor". Selznick estava acostumado com os entusiasmos dela (foi a senhorita Brown quem insistiu em vão para que ele comprasse os direitos de Gone with the Wind (E Tudo o Vento Levou)). Disse-lhe que comprasse a história, não a moça. Ela comprou as duas, conta Friedrich. 


 Ingrid Bergman e Gary Cooper durante a rodagem do filme Saratoga Trunk (1945) de Sam Wood. 1943. John Florea.

Ingrid Bergman com Fernandel durante as filmagens de Elena et les hommes (1956) de Jean Renoir. 1956. Thomas D. Mcavoy.

Quando recebeu Ingrid pela primeira vez, Selznick iniciou um desfiar de insatisfações. Primeiro, implicou com a altura da actriz. "Meu Deus! Tire os sapatos!", lamentou-se ele, ao que ela retrucou que não iria adiantar nada, já que, com ou sem sapatos, media 1,73 metro. Depois, Selznick não gostou do nome e do sobrenome da nova contratada. Ingrid era uma coisa muito sueca, ou, pior ainda, com sabor muito germânico para uma época pré-guerra. Sugeriu que "Berriman" talvez fosse um bom nome. Ou que, embora seu nome de casada, Lindstrom, não servisse, talvez "Lindbergh" fosse uma boa escolha. A senhorita Bergman resistiu a tudo isso. Disse que o nome dela era Ingrid Bergman, e quem não soubesse pronunciá-lo que aprendesse. Selznick não se deu por vencido "Bem, discutiremos isso pela manhã. Mas, quanto a essa maquilhagem, as sobrancelhas estão muito grossas, os dentes não são bons e há muitas outras coisas para eu ver. Levarei você amanhã ao departamento de maquilhagem e veremos o que podemos fazer..." A resposta da senhorita Bergman foi exemplar. "Prefiro não fazer o filme", disse a Selznick, enquanto este ponderava. "Não vamos falar mais do assunto. Não há nenhum problema. Tomo o próximo trem e volto para casa." Selznick ficou impressionado, achou graça ou qualquer outra coisa. O fato é que decidiu transformar a intransigência da senhorita Bergman em promoção dele próprio. "Você será a primeira actriz "natural", disse a ela. "Nada vai ser modificado em você. Nenhuma alteração", conta Friedrich.


 Ingrid Bergman como Maria no filme For Whom the Bell Tolls (Por Quem os Sinos Dobram, 1943) de Sam Wood. 1944. John Florea. E, como Karin em Stromboli (Stromboli, 1950) de Roberto Rosselini. 1949. Gordon Parks.


Ingrid Bergman nasceu no dia 29 de agosto de 1915 na capital sueca, Estocolmo. Classificada por muitos como a maior estrela do cinema americano, tem sua marca na Calçada da Fama, assim como tantos outros artistas da época. Aos dois anos de idade perdeu sua mãe, e passou a viver somente com o pai, o qual lhe inspirou o gosto pela arte por ser fotógrafo. Infelizmente, quando Ingrid estava com 13 anos sofreu a perda do pai. Após esse marcante episódio, viu-se obrigada a morar com a tia , e como se não bastasse as tragédias anteriores, viu a tia falecer por complicações cardíacas. Em seguida, mudou-se para casa de outra tia com a qual viveu algum tempo. Depois de entrar numa escola de Arte Dramática, estreou no cinema participando de nove filmes suecos. A partir daí, Ingrid sabia que seu futuro poderia ser muito promissor. Em 1939 foi para Hollywood e alcançou o auge participando do filme "Intermezzo", que já tinha feito na Suécia. Seu talento recebeu o reconhecimento do público e dos críticos que a contemplaram com o Óscar. 


 Ingrid Bergman em foto de estúdio e com dois dos filhos (fotos sem data ou local). Gordon Parks.


Porém , o que poucos sabiam é que, apesar de não lhe render o Óscar, seu papel mais marcante nas telas seria viver a personagem Ilsa no filme Casablanca em 1942 ao lado de Humphrey Bogart. Posteriormente apaixonou-se por Roberto Rossellini, o que na época caiu como uma bomba em Hollywood, pois ambos eram casados. Como consequência do escândalo Ingrid ficou anos sem aparecer no cinema americano. De seu casamento com Rossellini teve três filhas. Depois de 8 anos casada, divorciou-se novamente e casou-se com Lars Schimidt, porém não demorou muito para que tudo acabasse como os outros casamentos. Sua saúde já demonstrava sinais de debilitações devido a sua luta contra o cancro de mama, porém Ingrid mesmo em tratamento recusava-se a abandonar as bebidas e o cigarro, consequentemente no dia de seu 67º aniversário a doença foi mais forte do que a sua vontade de viver.»


Casablanca (1942)





«(...) Todo mundo em Casablanca estava profundamente infeliz. Humphrey Bogart, além de irritado por estar sendo obrigado a uma vez mais substituir George Raft em um papel que este havia recusado, enfrentava a ira de sua mulher na época, que o acusava de estar cortejando Ingrid Bergman e ameaçava matá-lo (comenta-se que foi essa a raiva mal contida que conferiu aquela mordacidade à sua interpretação, que proporcionou o desprezo sarcástico de algumas das falas do filme que ele tornou famosas). Já Ingrid Bergman preocupava-se com o fato de que ninguém parecia saber como o filme iria terminar. Afinal, ela ficaria com Rick ou viajaria com Lazlo? Se ninguém dizia isso a ela, como ia saber por quem estava realmente apaixonada?" Apenas interprete, bem... um meio termo", disse Curtiz. Anos mais tarde, Ingrid desabafou. "Era ridículo, horrível. (...) Todos os dias filmávamos de improviso. Todo dia nos entregavam diálogos e tentávamos pôr algum sentido naquilo. Ninguém sabia o rumo do filme." O curioso é que essa hesitação dos produtores, em relação ao destino da heroína do filme, num paradoxo, ajudou a interpretação da actriz, como ela reconheceu 30 anos depois: 
— Durante as filmagens, cheguei a me irritar. Queria saber com qual dos dois homens (Bogart ou Paul Henreid) eu ficaria. Um dia, pressionei o Curtiz: afinal, com quem vou ficar no fim do filme? Preciso passar isso à plateia. Mas ele também não sabia, e pediu que eu fosse levando a coisa de forma ambígua. Hoje percebo que o fato de eu estar indefinida em relação ao rumo da interpretação, reflectia a realidade da personagem que, na história, também está confusa sobre o seu destino. A minha dúvida de actriz, assim, se reflectiu de forma muito verdadeira no carácter da personagem.
Numa festa, no British Film Institute (que promovia uma sessão especial com trezentos convidados especiais do mundo inteiro, para comemorar o 30º aniversário de Casablanca), Ingrid Bergmann estava presente como convidada de honra. Logo depois do avião para Lisboa levantar voo, as luzes da sala se acenderam, Ingrid Bergmann subiu ao palco e, diante do microfone, ainda emocionada, ficou alguns segundos em silêncio. Por fim deixou escapar: 
— Vocês viram? Que filme bom! Risos comovidos da plateia e uma estrondosa salva de palmas pela frase espontânea e verdadeira. 
— Fazia mais de 25 anos que eu não assistia ao filme inteiro, como um espectador, que senta e presta atenção do princípio ao fim — explicou ela. — Assim, foi emocionante. E, tantos anos depois, percebi como o filme foi bem feito. A acção é intensa, o espectador não se distrai nunca. Esta, na minha opinião, é a razão principal do sucesso perene do filme. Pode ser que a infelicidade de todo o elenco tenha sido o que fez de Casablanca um sucesso. É Otto Friedrich que conta : "A incerteza de Ingrid Bergman em relação a qual dos dois heróis devia amar não era um problema, como pensava, mas sim o aspecto essencial da personagem que interpretava. E sua ansiedade quanto à possibilidade de fazer Maria em For Whom the Bell Tolls — para o qual tinham destinado, logo quem, Vera Zorina, a ajudou a retratar Ilsa com aquele ar maravilhosamente nostálgico. Quanto a Paul Henreid, que se queixava de que nenhum líder da Resistência desfilaria na Casablanca de Vichy de terno branco, saiu-se bem exactamente em função da espiritualidade ligeiramente pretensiosa implícita no tal terno branco. Até Max Steiner, encarregado de compor a música do filme, estava infeliz. Odiava As time goes by." Por sinal (talvez felizmente), Casablanca chegou ao final mais ou menos dentro do mesmo espírito. Era tanta a indecisão em relação ao final que os produtores decidiram filmar as duas possibilidades. "Iam filmar dois finais" — conta Ingrid — "porque não conseguiam decidir se eu ia viajar com meu marido ou ficar com Humphrey Bogart. Então, a primeira versão que filmamos foi aquela em que me despeço de Humphrey Bogart e sigo com Paul Henreid. E todos disseram: 'Pronto! É isso aí! Não precisamos do outro final'." 
— Tudo foi tão improvisado que acabou sendo uma surpresa para todos quando ganhamos o Óscar de melhor filme. Nunca se sabia exactamente o que seria filmado no dia seguinte — contou Ingrid Bergmann na noite do 30º aniversário do filme, em 1972, em Londres. — Havia só um esqueleto, um plano geral da película. O roteiro era refeito quase todos os dias. O diretor Michael Curtiz tinha discussões frequentes com os produtores, pois até ele tinha dúvidas sobre o que seria o filme exactamente. Pelo menos uma das dúvidas da filmagem cruzaria as décadas seguintes e ainda hoje persiste: Ilsa Lund (Ingrid Bergman) deveria ficar no final com Rick (Bogart) ou com Laszlo (Paul Henreid)? 
— Só na ultima semana de filmagens ficou decidido que eu viajaria com Laszlo, deixando Rick em Casablanca — revelou Ingrid Bergmann. — Chegamos até a filmar um final em que Laszlo viajava sozinho e eu ficava com o Rick... Não teria sido um final melhor? — perguntamos todos nós até hoje. — Não creio. Acho que elegeram o melhor. Se Laszlo tivesse embarcado sozinho, seria decepcionante. — respondeu Ingrid Bergmann, convicta. Mas nós outros sabemos que Ilsa Lund não tinha essa certeza toda, e embarcou de coração partido. 
(textos: allclassics.blogspot.com e www.ocaixote.com.br)




(fotos LIFE Archive)


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A Rainha Africana

The African Queen, 1951 
de 
John Huston


Rodagem do filme no antigo Congo Belga, hoje Zaire.

Fotos de Eliot Elisofon


The African Queen by Eliot Elisofon. Congo. 1950.
Filmagens de A Rainha Africana no Congo Belga, hoje Zaire. 1950.


«Humphrey Bogart ganhou o Óscar de Melhor Actor pelo papel de Charlie Allnut, o mal-humorado capitão de um barco (o African Queen do título original) que sobe e desce o rio Congo com seu barco entregando o correio e as encomendas e vendendo mantimentos em aldeias do leste da África durante a 1ª Guerra Mundial. Katharine Hepburn é Rose Sayer, uma missionária inglesa que escapou de um massacre e encontra ajuda na embarcação de Allnut. As bebedeiras, os maus modos e a arrogância do capitão a irritam, mas aos poucos se transforma em amor e juntos enfrentarão os perigos das águas e até um barco-patrulha alemão. 

Humphrey Bogart, John Huston,  Lauren Bacall, durante as filmagens de "The African Queen", no Congo Belga, hoje Zaire. Repare-se que John Huston está de espingarda, talvez a preparar-se para uma caçada de que ele gostava mais do que fazer filmes. 1950.

 Katharine Hepburn, arranjando-se em plena selva e Humphrey Bogart fumando um cigarro. 1950.



Grande parte do filme foi rodada no antigo Congo, hoje Zaire, e no lago Alberta, Uganda (Katharine,, chegou a escrever um livro em 1987, The Making of African Queen, a respeito dos perigos, inconveniências, doenças da equipe, desinterias, calor, problemas para todos, menos Bogart (1899-1957) e Huston (1906-1987), segundo contam, porque bebiam uísque e nunca tomavam água).

Lauren Bacall, John Huston, Humphrey Bogart e Katharine Hepburn no meio da selva. 1950.

John Huston verificando as espingardas de caça. 1950.



Quando os problemas na África ficaram grandes demais o filme foi transferido para um estúdio londrino onde foram rodadas as cenas com Robert Morley e Peter Bull. E também as cenas onde eles tinham que cair na água, já que África era um poço de doenças e vírus (na cena com as sanguessugas, Bogart recusou usar os verdadeiros, aqueles são falsos). A mulher dele, Lauren Bacall, o acompanhou durante a rodagem, e muitas vezes serviu de enfermeira, ajudando a enfrentar perigos, tais como exércitos de formigas.

 Humphrey Bogar, dormindo durante uma pausa do filme e John Huston a dar lições sobre espingardas a Bogart e Lauren Bacall, que não entrou no filme, só foi acompanhar o seu marido Humphrey Bogart. 1950.

 "O único encontro no cinema de dois monstros sagrados" e logo em África. 1950.


Único encontro no cinema de dois monstros sagrados das telas (que por sinal se deram bem, Kate ficou para o resto da vida amiga da mulher de Bogie, Lauren Bacall). Seus estilos opostos se misturam bem numa fita, que é simplesmente uma boa história, bem contada, que continua a funcionar graças a bem dosada mistura de bom humor, acção, bons personagens e pura aventura. 
(In, noticias.r7.com)












(Fotos de Eliot Elisofon e LIFE Archive)


terça-feira, 18 de outubro de 2011

A Caça às Bruxas na América

Dashiell Hammett jurando na Comissão Permanente de Investigação 
frente ao senador Joseph McCarthy. 1953. Hank Walker. 


No final da Segunda Guerra, a sociedade norte-americana foi abalada por uma onda de obscurantismo que ficou conhecida como "caça às bruxas". A "ameaça vermelha" tornou-se a expressão mágica para fundamentar um estado de quase histeria colectiva, alimentado pelos meios de comunicação e que teve no senador Joseph McCarthy, o seu mais notório manipulador. A "caça às bruxas" envenenou o dia-a-dia dos americanos, semeou suspeitas fabricou listas negras, encenou rituais de purificação e santificou a figura do delator
(Sinopse do livro: Caça Às Bruxas - Macartismo: Uma Tragédia Americana de Argemiro Ferreira, Edição L&PM Brasil 1989)


 Bertold Brecht e Hanns Eisler durante as audições do comité de 
actividades anti-Americanas. 1947. Martha Holmes e Francis Miller.


Danny Kaye, June Havoc e Humphrey Bogart mais sua esposa, a actriz Lauren Bacall sentada ao lado dele, ouvindo atentamente no meio da multidão que assistia às audições do comité de actividades anti-Americanas. 1947. Martha Holmes.


"Na América conservadora do pós-guerra, a desconfiança e o ódio face ao comunismo cresceram. Em Outubro de 1947, o Comité das Actividades Anti-Americanas listou um grupo de trabalhadores de Hollywood sobre os quais recaíam suspeitas de fazerem subrepticiamente propaganda pró-comunista nos filmes em que participavam. Destes, onze foram chamados perante o comité, por recusarem prestar declarações. Um deles - Bertold Brecht, então emigrado nos EUA - acabou por responder às questões. Os outros 10 invocaram a 1ª Emenda da constituição americana (direito à liberdade de expressão e associação) e recusaram falar. Foram esses 10 os nomeados na primeira "lista negra"." Leia Mais Aqui


Os "10 de Hollywood" na primeira lista negra da indústria: na primeira fila (a partir da esquerda): Herbert Biberman, os advogados Martin Popper e Robert W. Kenny, Albert Maltz, Lester Cole. Fila do meio: Dalton Trumbo, John Howard Lawson, Alvah Bessie, Samuel Ornitz. Fila de trás: Ring Lardner Jr., Edward Dmytryk, Adrian Scott. (foto noticias.sapo.pt) 



(fotos LIFE Archive, excepto a última)