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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Hollywood na época da caça

Texto de
António Cabrita
Expresso, 14 Junho 1991



«Quem eram os Dez de Hollywood?. Este documentário de 1950 dá uma visão dos 10 escritores e diretores de cinema da lista negra, que desafiaram o governo ao se recusar a depor durante a "caça às bruxas". John Berry, que dirigiu o documentário, foi posto na lista negra após a sua realização.» (Films Ironweed). Carregado no youtube por mattnhormann em 09/01/2011.


Coisas boas em jornais


Joseph McCarthy e o escritor Dashiell Hammett, fazendo o juramento na Comissão Permanente do Senado de Investigação sobre o comunismo. Washington, DC, USA. 1953, Hank Walker. E, Dashiell Hammett respondendo às perguntas do "caçador de bruxas", Joseph McCarthy. Washington, DC, USA. 1953, Hank Walker.


«A SENHORA tem a certeza?» O Comité estava desconcertado. J.Parnell Thomas não queria crer na obstinação de Ayn Rand, uma obscura argumentista que fora convocada para, na sua qualidade de natural da URSS; confirmar que Song of Russia, com Robert Taylor no principal papel (um maestro americano que viaja pela Rússia e se apaixona por uma autóctone), tresandava a propaganda comunista. Mas a exçêntrica senhora, de inabaláveis convicções direitistas; assinale-se, trocava-lhe as voltas: «Eu não sei onde é que o estúdio fez as filmagens mas nunca vi nada daquilo na Rússia. Em primeiro lugar vêem-se os supostos edifícios de Moscovo - grandes, com uma aparência próspera e limpa – com algo ao fundo que me parecem cisnes ou barcos á vela. Depois vê-se um restaurante de Moscovo que simplesmente nunca existiu (...) E onde é que já se viu – os camponeses felizes, a saudarem o herói, na estação, com belas blusas e sapatos como nunca ali houve? Ou vedetas de unhas arranjadas a dirigirem: tractores:..»
«Mas a senhora não vê aí elementos de propaganda?»
«Não, vejo mentiras.»
«Minha senhora, estamos aqui para julgar o grau de influência comunista na elaboração daquela história...»
«E eu asseguro-lhe que nada é assim na Rússia. Pois se o rapaz e a rapariga se encontram num restaurante que nem sequer existe em Moscovo(...)»
«A senhora», interroga agora John McDowell, um republicano da Pensilvânia, «pinta um retrato muito sombrio da Rússia. A senhora insiste muito na tristeza das crianças. Ninguém ri na Rússia?»
«Bem, se me pergunta literalmente: não. Não muito.»
«Eles não sorriem?», o incrédulo McDowell.
«Não, não muito.»
É Otto Friedrich em A Cidade Das Redes, Hollywood nos Anos 40, Companhia das Letras, quem conta, bem como os outros episódios que a seguir se narram. Esta cena passou-se em 1947. Luis B. Mayer, da MGM, era a segunda figura de Hollywood a testemunhar perante o Comité de Actividades Anti-Americanas (HUAC) - o primeiro a ser «honrado» fora Jack Warner - e enfrentava a suspeita levantada por Robert Taylor, ao declarar que por pressões dos «auxiliares de Roosevelt» (um aliado natural dos «vermelhos», segundo a delirante presciência de MacCarthy) fora obrigado a, terminar o filme, adiando com isso a sua incorporação na Marinha (em período de guerra). Ainda para mais o argumento era assinado por Richard Collins e Paul Jerrico, dois escritores assumidamente hostis às actividades do Comité. O inesperado depoimento de Ayn Rand lançava o ridículo no seio dos inquisidores.


«Joseph McCarthy: o medo num país que se considerava a maior democracia do mundo». O senador Joseph McCarthy e o seu assessor Roy Cohn durante as audiências Exército-McCarthy: nesta altura as coisas já estavam a correr mal para o caçador de bruxas. Washington, DC, USA, Abril, 1954, Hank Walker.


Bertold Brecht fumando um charuto, e respondendo às perguntas do Comité de Investigação de Actividades Anti-Americanas. Washington, DC, USA. Novembro, 1947, Martha Holmes. E, o compositor Hanns Eisler prestando depoimento ao Comité de Investigação de Actividades Anti-Americanas. Washington, DC, USA. Setembro, 1947, Francis Miller.


 Em 1947 os produtores ainda replicavam num documento comum: «Não seremos intimidados pela histeria ou pela ameaça, venham de onde vierem», mas à cautela do poder politico, já se preparavam para dispensar os Dez de Hollywood (um grupo de irredutíveis, na maioria argumentistas, que tiveram a coragem de levantar a voz contra o HUAC e que acabaram na cadeia, por desacato e desrespeito ao Comité), com a jura de nunca mais voltarem a empregar comunistas.. Os próprios sindicatos estavam divididos e o Screen Writers Guild, considerado até então um feudo de comunistas, recusa-se a ajúdar os Dez de Hollywood, a aliviar-lhes os custos dos seus apelos judiciais.
Foi uma bola de neve de grande aceleração, depois de um período em que a influência dos artistas conseguiu suster as investigações do Congresso. O barulho feito por Dalton Trumbo e Ring Lardner, dois dos Dez, para fazer vingar á Primeira Emenda, segundo a qual o Congresso não tinha o direito de criar nenhuma lei que restringisse a liberdade de pensamento e de reunião, travou por momentos as investigações e criou ilusões acerca do verdadeiro poder de intervenção dos acusados. Há até uma história divertida passada com Lester Cole, outro dos Dez, que ilustra o estado de confiança com que a «esquerda», digamos, enfrentava nos primeiros anos as provocações dos «denunciadores da conspiração». Cole estava a cortar o cabelo na barbearia da MGM quando foi prevenido, pelo telefone, de que chegara ao escritório um Oficial da Justiça com uma convocação para ele. «Quer fugir,_enquanto eu o distraio?»; pergunta-lhe Eddie Mannix, o administrador do estúdio. «Fugir?», retorquiu Cole, «Para onde? Diga-lhe que estou na terceira poltrona da barbearia.»
Entretanto o delírio anticomunista chegava a este estado de coisas: Leo McCarey que ficara rico produzindo e realizando Going my Way, com Bing Crosby, onde um padre católico tocava boogie-woogie, e «The Bells of St. Mary», queixou-se durante o seu testemunho de que os seus filmes não lhe tinham dado qualquer lucro na União Soviética.

Humphrey Bogart, Danny Kaye, Paul Henreid, June Havoc e Lauren Bacall entre outros, em frente ao Capitólio, enquanto se preparam para uma conferencia de imprensa em defesa das liberdades. Washington, DC, USA. 31 de outubro de 1947, Martha Holmes.

Danny Kaye, June Havoc e Humphrey Bogart e Lauren Bacall sentada, ouvindo atentamente no meio da multidão as sessões do  Comité de Investigação de Actividades Anti-Americanas. Washington, DC, USA. 31 de outubro de 1947, Martha Holmes.

     «Qual é o problema?» perguntou Stripling. «Bem, acho que há por ali um personagem de quem os russos não gostam», disse McCarey. «Bing Crosby?», sugeriu o inquiridor. «Não, Deus», respondeu McCarey.
     Quatro anos depois MacCartismo estava no auge e a paranóia  começou a funcionar como uma espécie de alibi para a denúncia e para o tráfego de pequenas corrupções, alimentando o desnorte e o medo num país que se considerava a maior democracia no mundo. Cada semana trazia o seu lote de decepções, os amigos a entreolharem-se, desconfiados, nos «cocktails». A Lista Negra começara a fazer enormes sangrias e Elia Kazan dera uma, grande machadada na moral dos «homens íntegros» ao alistar-se entre os delatores. Atrás dele, ou caucionados pela sua sombra imensa, as línguas iam-se desatando: Michael Gordon, Lee J. Coob, Silvia  Richards, Roy Huggins, Isobell Lennart, Leo Townsend, Budd Schulberg, Edward Dmytryk, Richard Collins, Jerome Robins, Edward G. Robinson, Gingers Rogers e Robert Taylor cederam à chantagem e denunciaram. Razões várias explicam a fraqueza humana desta gente de inegável talento. Medo de perderem emprego e posição social, o pânico do cerco associado a um constrangimento físico (como desculpar de outra forma a cobardia de Brecht que quando instado a confessar se alguma vez tinha pensado em entrar para o Partido Comunista se apressa em . atraiçoar-se «Não, não, não, não, não, nunca!»?), a própria necessidade de se ser igual e de se pertencer a uma maioria de êxito. Para além das razões ideológicas que poucos, como Reagan, podiam à primeira vista reivindicar para si. O próprio Kazan manteve sobre a sua opção um razoável pudor, nunca tendo sido, em trinta anos, completamente convincente nas razões ideológicas que avançava para a sua «traição» aos amigos e sobretudo a Arthur Miller.


Os Dez de Hollywood. As vítimas da lista negra de Hollywood, com dois de seus advogados (Novembro de 1947). Fila da frente: Herbert Biberman, advogados Martin Popper e Robert W. Kenny, Albert Maltz, Lester Cole. Fila do meio: Dalton Trumbo, John Howard Lawson, Alvah Bessie, Samuel Ornitz. Fila de trás: Ring Lardner Jr., Edward Dmytryk, Adrian Scott. Foto encontrada em wikipedia.com

Num livro, de Victor Navasky sobre os delatores (Les Délateurs, 1980, Balland), estes, em discurso directo, descriminam os motivos da sua delacção. Quase todos acusam uma certa vergonha e um sentimento de terem sido «falhos» de carácter (Richard Collins admite mesmo ter-se comportado como um «crapulazinho») Mas a posição mais interessante chega-nos de Budd Schulberg, o escritor de O Que Faz Correr Sammy?. Fundador, com Arthur Koestler, de um Fundo Para A Liberdade Intelectual (FIF), Schulberg sempre acusou, mesmo antes de depor, os escritores liberais ou comunistas americanos, de Lillian Hellman a Dalton e Miller, de hipócritas prontos tanto a darem-se como mártires na sua terra como a silenciarem sobre a censura e a repressão que os escritores do mundo comunista sofriam na sua terra. «Tenho remorsos por causa do que se fez aos checos e não do que se fez a Ring Lardner (...) todos eles, anestesiados pela doutrina comunista, concorreram para o estabelecimento de um sistema de listas negras, para a organização de um verdadeiro jogo de massacre (...) Eles contestam os nossos depoimentos, eu contesto-lhes o seu silêncio». Schulberg escolheu entre dois males e esta curiosa posição é sustentada pela regularidade com que o escritor dava ferroadas no macarthismo com que colaborara.
E o que uma nação inteira que viveu largos anos para a denúncia e a auto-recriminação não se lembrou de pensar é o que nos dizem a frieza dos números: em1952 o relatório anual da HUAC incluia uma lista alfabética de 324 pessoas dadas como comunistas inquestionáveis, em Hollywood. 324 reles bruxas entre 30.000 serviçais do cinema. É pouco para tanto barulho.

António Cabrita
Expresso 
15 Junho 1991


Membros dos "Dez de Hollywood" e suas famílias, em 1950, protestando contra a sua prisão iminente. Foto encontrada em filmfoodie.blogspot



(Fotos LIFE Archive, excepto as assinaladas)



terça-feira, 18 de outubro de 2011

A Caça às Bruxas na América

Dashiell Hammett jurando na Comissão Permanente de Investigação 
frente ao senador Joseph McCarthy. 1953. Hank Walker. 


No final da Segunda Guerra, a sociedade norte-americana foi abalada por uma onda de obscurantismo que ficou conhecida como "caça às bruxas". A "ameaça vermelha" tornou-se a expressão mágica para fundamentar um estado de quase histeria colectiva, alimentado pelos meios de comunicação e que teve no senador Joseph McCarthy, o seu mais notório manipulador. A "caça às bruxas" envenenou o dia-a-dia dos americanos, semeou suspeitas fabricou listas negras, encenou rituais de purificação e santificou a figura do delator
(Sinopse do livro: Caça Às Bruxas - Macartismo: Uma Tragédia Americana de Argemiro Ferreira, Edição L&PM Brasil 1989)


 Bertold Brecht e Hanns Eisler durante as audições do comité de 
actividades anti-Americanas. 1947. Martha Holmes e Francis Miller.


Danny Kaye, June Havoc e Humphrey Bogart mais sua esposa, a actriz Lauren Bacall sentada ao lado dele, ouvindo atentamente no meio da multidão que assistia às audições do comité de actividades anti-Americanas. 1947. Martha Holmes.


"Na América conservadora do pós-guerra, a desconfiança e o ódio face ao comunismo cresceram. Em Outubro de 1947, o Comité das Actividades Anti-Americanas listou um grupo de trabalhadores de Hollywood sobre os quais recaíam suspeitas de fazerem subrepticiamente propaganda pró-comunista nos filmes em que participavam. Destes, onze foram chamados perante o comité, por recusarem prestar declarações. Um deles - Bertold Brecht, então emigrado nos EUA - acabou por responder às questões. Os outros 10 invocaram a 1ª Emenda da constituição americana (direito à liberdade de expressão e associação) e recusaram falar. Foram esses 10 os nomeados na primeira "lista negra"." Leia Mais Aqui


Os "10 de Hollywood" na primeira lista negra da indústria: na primeira fila (a partir da esquerda): Herbert Biberman, os advogados Martin Popper e Robert W. Kenny, Albert Maltz, Lester Cole. Fila do meio: Dalton Trumbo, John Howard Lawson, Alvah Bessie, Samuel Ornitz. Fila de trás: Ring Lardner Jr., Edward Dmytryk, Adrian Scott. (foto noticias.sapo.pt) 



(fotos LIFE Archive, excepto a última)