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domingo, 25 de novembro de 2012

Graham Greene - Na mansão do prazer


por
Manuel S. Fonseca
Expresso 13-04-1991



Coisas boas em jornais

The Pleasure Dome: Colectânea de críticas de cinema de Graham Greene,1935-1940.


FUGIR, escreveu ele. Graham Greene fugia muito. Cada fuga, hora e meia, e o abrigo era sempre o mesmo. Mansão de prazer, chamava-lhe; todos os cinemas de Londres, acrescentamos nós. Em quatro anos e meio, entre 1935 e 1940, ficaram registadas cerca de 400 fugas.
O «registo» é, preferencialmente, o «The Spectator», a revista onde Graham Greene publicou as recensões desses filmes para onde fugia dos tormentos infernais por que passava quando tinha que dar vida ao personagem secundário de um romance, ou quando queria chegar à boa construção de um capítulo. Era, como escreveu no prefácio de Pleasure Dome, livro que reúne esses seus textos, «a fuga por hora e meia à melancolia que inexoravelmente tomba à volta do romancista quando ele viveu meses demais no seu mundo privado».



A Revolução Cubana tinha começado em Janeiro de 1959. A foto é de Abril e alguns casinos ainda funcionavam. Em pé, Noel Coward e Graham Greene. Sentados da esquerda para a direita: Carol Reed, Alec Guinness, Maureen O'Hara, Ernie Kovacs e Jo Morrow. Foto de Peter Stackpole em Havana, Cuba, 1959, durante as filmagens de O Nosso Homem em Havana (Our Man in Havana, 1959) de Carol Reed.


Graham Greene descobriu-se crítico de cinema quase por acaso. «Depois do perigoso terceiro Martini», se quisermos acreditar na sua versão. Nessa altura, Greene achou-se capaz de preencher o que considerava uma lacuna do «Spectator», a falta de tratamento do cinema.
Mas Greene já tinha culpas anteriores no cartório. Em Oxford, constituíra-se crítico de cinema do «Oxford Outlook», uma revista literária de que ele mesmo era o editor. A essa conspícua actividade deve somar-se a sua veneração por uma publicação tão elitista quanto fascinante, a saber, a revista «Close Up», que Kenneth Macpherson editava a partir do seu «château» na Suíça. (Dessa revista rara, a Cinemateca possui uma colecção preciosa na sua Biblioteca; e de Kenneth Macpherson foi já exibido, também na Cinemateca, Borderline, um filme singular na sua relação com as vanguardas artísticas do final dos anos 20).
Era exactamente aos anos 20 que Greene devia a formação do seu gosto cinematográfico. Não admira, por isso, que os seus textos tenham começado por reflectir um vincado preconceito contra a utilização do som, a que sucedeu, mais tarde, o preconceito contra a cor — esta mesma «reacção humanista», à introdução de novas tecnologias no campo artístico, pode hoje observar-se nas terríveis batalhas contra o audiovisual propostas pelas Vestais de um pretenso cinema puro.


Graham Greene conversando com Alec Guinness em plena Revolução Cubana que tinha começado em Janeiro de 1959. Foto de Peter Stackpole em Havana, Cuba, Abril, 1959, durante as filmagens de O Nosso Homem em Havana (Our Man in Havana, 1959) de Carol Reed.


Da actividade crítica de Graham Greene o que apetece guardar, antes de mais, é a sua feroz ironia — que lhe valeria, de resto, pesada pena fiduciária no «caso Shirley Temple», que adiante se relata. Digna de registo é, também, a tendência para as digressões na primeira pessoa, digressões que, por vezes, ganhavam um carácter autónomo relativamente ao filme comentado. Uma das mais saborosas, por se ligar às convicções religiosas de Greene, talvez seja a que subscreveu na crítica a The Garden of Allah, filme em que o renegado monge trapista que é Charles Boyer renúncia ao amor de Marlene Dietrich para regressar ao mosteiro.
A cena de despedida suscitou-lhe este comentário: «Alas! minha pobre Igreja, tão pitoresca, tão nobre, tão sobre-humanamente piedosa, tão intensamente dramática. De facto, prefiro a versão do ‘News Statesman', padres mesquinhos a contar pesetas pelos dedos, em cafés encardidos, antes da acção de graças».
Da sua feroz ironia, o melhor testemunho é o caso Shirley Temple. Em Agosto de 1936, Greene, comentando Captain January, de David Butler, espetara a primeira farpa. Primeiro começava por reconhecer à pequenina menina-prodígio um imenso vigor e segurança, tanto na representação como na dança. Acrescentava a seguir que, no entanto, a «sua popularidade parecia residir numa coqueterie tão madura como a de Claudette Colbert e num corpo, peculiarmente precoce, tão voluptuoso nas suas calças de flanela cinzenta como o de Marlene Dietrich». Um ano depois, e desta vez na revista «Night and Day», Greene escreveu sobre Wee Willie Winkie, um filme de Ford protagonizado pela mesma Shirley. Semeou ventos e colheu a tempestade que uma legião de advogados, da 20th Century Fox e da própria Shirley Temple, lhe fizeram cair em cima. Na opinião dos juízes que julgaram o caso, a crítica de Greene era «um dos mais horrendos libelos que alguém poderia imaginar». Por causa dessa «beastly publication» (a opinião é ainda dos juízes e dá em português a colorida expressão «texto animalesco»), Greene e a «Night and Day» tiveram que pagar pesadas multas à companhia e à actriz. O texto foi interdito e, por essa razão, não consta da recolha das críticas do escritor, nem pode ser citado na Imprensa inglesa.


Graham Greene engraxando os sapatos em Havana, no inicio da revolução cubana. Foto de Peter Stackpole em Havana, Cuba, Abril, 1959, durante as filmagens de O Nosso Homem em Havana (Our Man in Havana, 1959) de Carol Reed.


Do conjunto das críticas que publicou entre 1935 e 1940, podem compulsar-se algumas ideias recorrentes sobre o que Greene entendia dever ser o cinema. E, segundo ele, devia antes de mais ser uma arte de massas, dando às pessoas o mesmo que o teatro isabelino lhes dera no passado, «as tragédias violentas e universais que elas compreendem».
Defensor de um «cinema poético», Greene sempre entendeu o realismo como premissa indispensável desse cinema. Na crítica aos Tempos Modernos, de Charlie Chaplin, pode inferir-se claramente o alcance que atribuía aos conceitos de «poesia» e de «realidade»: «Chaplin tem, como Conrad, algumas `pequeninas ideias simples' que podem ser expressas pelos mesmos termos — coragem, lealdade, trabalho — contra o mesmo fundo niilista de sofrimento sem finalidade. `Mistah Kurtz — he dead'. Essas ideias não são suficientes para um reformador, mas provaram ser amplamente suficientes para um artista».
Raramente reconheceu a Hollywood aquilo que reconheceu a Chaplin, quase sempre se queixando que o cinema americano tinha tendência para envolver a realidade em celofane, sem esse «sentido adulto» da arte que dizia entrever na Kermesse Héroique do francês Jacques Feyder. Mesmo assim, soube pôr em evidência as qualidades de John Ford (chamando-lhe «um dos melhores realizadores deste tempo», logo que viu Stagecoach e Young Mr. Lincoln), de Frank Capra (não sem separar o trigo de Mr. Deeds Goes to Town e Mr. Smith Goes to Washington do joio que o desiludia em Lost Horizon). Como soube ver e sublinhar que alguns dos génios alemães, convidados para Hollywood nos anos 30, tinham afinal beneficiado com as condições que os grandes estúdios colocaram à sua disposição, caso de Ernst Lubitsch e de Fritz Lang, cujo Fury saudou, em 1936, afirmando ser «o único filme ao qual quereria associar o epíteto `grande'».



John Ford sentado, dá instruções a Shirley Temple no filme, "Shirley, Soldado da Índia" (Wee Willie Winkie, 1937). Foto de moirasthread.blogspot.com


Entre os seus ódios de estimação conta-se grande parte dos filmes ingleses de Hitchcock — exactamente por causa do seu «inadequado sentido da realidade». Foi, aliás, o seu ataque sistemático a algum cinema inglês, e em particular às produções de Alexander Korda, que esteve na origem da sua passagem de crítico a argumentista. Korda, intrigado com as cerradas críticas, quase sempre insistindo nas fraquezas de construção das personagens ou do argumento, acabou por convidá-lo a fazer o que ele dizia que os outros não faziam. No balanço que fez da sua actividade como crítico cinematográfico, Greene confessou que um dos seus poucos motivos de arrependimento era, justamente, o de não ter considerado, por desconhecimento, quanto é que um realizador e um argumentista podem sofrer nas mãos de um produtor. Mas essa é já uma outra história, a das suas relações menos pacíficas e às vezes tumultuosas com os produtores.
Apesar de mais importante no corpo da sua obra, talvez a actividade de argumentista nunca lhe tenha provocado uma declaração tão nostálgica como esta, que a sua memória de espectador e crítico lhe ditou: «Chorei pelos filmes mudos quando os sonoros apareceram e chorei pelo preto e branco quando o Technicolor veio lavar os ecrãs. Hoje, vendo o último filme sério e socialmente consistente de Monsieur Godard, tenho saudades desses desaparecidos anos 30, tenho saudades de Cecil B. De Mille e dos seus Cruzados, tenho saudades dos dias em que quase tudo podia acontecer».

Manuel S. Fonseca
Expresso 13-04-1991



Graham Greene. Inglaterra. 1951. Larry Burrows.


Graham Greene - Caso encerrado


1904 — Nasce em Berkhamsted. O seu pai dirige a escola local, e Graham passa a infância e parte da adolescência a sofrer as consequências disso: lealdade dividida entre os colegas e o pai, depressões muito fortes, tentativas de suicídio, psicanálise com certo êxito.
1922 — Inicia estudos universitários (História Moderna) em Oxford. Ainda durante o curso, dirigirá o periódico estudantil «Oxford Outlook» e começará igualmente a trabalhar em jornais civis.
1923 — Inscreve-se no Partido Comunista inglês durante cerca de três semanas. Explicaria mais tarde porquê esse acto: havia a esperança de ganhar uma viagem à Rússia. Uma explicação que é quase impossível não aceitar, conhecendo-se a vocação viajante de Graham. Muito mais tarde, porém, essa remota filiação vermelha impedi-lo-á de entrar nos EUA.
1925 — Fim dos estudos. Publica Babbling April, um livro de poesia.
1926 — Por influência da futura mulher, converte-se à fé católica. Entra no «Times» como secretário de redacção.
1927 — Casa com Vivien Dayrell-Browning, que lhe dará um filho e uma filha.
1929 — Publica The Man Within,  o seu primeiro romance. Seguir-se-ão mais de trinta.
1932 — Começa a fazer crítica literária no «Spectator». Publica Combóio de Istambul, o primeiro de uma longa série de romances «ligeiros» aos quais, por não poder assiná-los com pseudónimo, ele chamou divertimentos.
1934 — Visita a África pela primeira vez: Libéria e Serra Leoa.
1935 — Começa uma coluna regular de cinema no «Spectator».
1936 — Publica Jornada sem Mapas, sobre a viagem de 1934 a Africa.
1937 — Com Evelyn Waugh e Elizabeth Bowen, tenta lançar «Night  and Day», um equivalente britânico da famosa revista «New  Yorker».  Mas um processo judicial movido pela actriz Shirley Temple e pela 20th Century Fox obriga «Night And Day» a fechar.
1938 — Enviado ao México para investigar as perseguições a padres, recolhe elementos para O Poder e a Glória, para muitos o seu melhor livro. Entretanto, publica outro ao mesmo nível, Brighton Rock.
1939 — Escreve o seu primeiro argumento para cinema. Publica O Agente Secreto.
1940 — É nomeado editor literário do «Spectator». Entra para o Ministério da Informação. Mais tarde é transferido para o Foreign Office, onde o encarregarão de diversas tarefas, uma das quais em Africa, para os serviços secretos.
1941 — Recebe o Prémio Hawthornden. Outros prémios importantes (Legião de Honra e Prémio Shakespeare, entre outros), bem como doutoramentos «honoris causa», seguir-se-ão ao longo dos anos.
1944 — Torna-se director literário das Edições Eyre e Spottis-wode.
1945 — Volta à crítica literária, agora no «Evening Standard».
1948 — Com François Mauriac, vai à Bélgica participar numa conferência católica. Parte depois para a Checoslováquia e para Viena.
1950 — Publica romances extraídos de dois argumentos cinematográficos seus, entre os quais O Terceiro Homem.
1951-1955 — Faz inúmeras viagens — à Malásia, à Indochina, ao Quénia, ao Haiti, a Cuba, à Polónia — enviado por publicações como a «Life», o «Paris-Match» e o «Sunday Times».
1953 — Publica Ensaios Católicos, que muitos consideram o seu livro menos interessante. Escreve a sua primeira peça de teatro:  The Living Room.
1957 — Vai a Cuba, à China e à Rússia.
1858 — Após uma nova visita a Cuba, regressa a Londres para assumir a direcção das edições Bodley Head, cargo que manterá dez anos. Publica O Nosso Agente em Havana.
1959-1960 — Vai uma vez mais a Cuba, e depois ao Congo Belga, à Rússia e ao Brasil.
1961— Publica Um Caso Arrumado.
1962-1971 — Vai à Roménia, a Cuba, ao Taiti, a Goa, a Berlim, à RDA, a São Domingo, a Israel, à Serra Leoa, a Istambul, ao Paraguai, à Argentina, à Checoslováquia, ao Chile. Entretanto, publica A Sense of Reality (1963), Os Comediantes (1966), Empresta-nos o seu Marido? (1967), Collected Essays (1969) e Viagens com a Minha Tia (1969). Em 1966, vai viver para Antibes.
1971— Publica A Sort of Life (primeiro volume de autobiografia).
1973 — Publica O Cônsul Honorário.
1977 — Integra a delegação panamiana que vai a Washington assinar o tratado sobre o Grande Canal.
1978 — Publica O Factor Humano.
1982 - Publica J’Accuse, um panfleto em que denuncia a corrupção das autoridades de Nice e as ligações delas ao crime organizado. Os problemas daí resultantes acabarão por obrigá-lo a partir. Em 1990, o «maire» de Nice fugirá para a América Latina, dando assim razão às acusações de Greene.
1983 — Arthur Lundkvist, jurado do Prémio Nobel, garante que Greene só receberá essa distinção «por cima do meu cadáver».
1984 — Publica Getting to Know the General.
1987 — Vai a Santiago do Chile participar num encontro internacional de intelectuais pela democracia.
1989 — Publica O Capitão e o Inimigo.
1990 — Muda-se de França para a Suíça.
1991— Morre em Vevey, nas margens do lago Genebra.

Luís Coelho
Expresso 13-04-1991



Graham Greene (1904-1991)
Foto copiada do Expresso





(Fotos Peter Stackpole e Larry Burrows. LIFE Archive, excepto as assinaladas)


sexta-feira, 20 de julho de 2012

A rainha do technicolor

Maureen O'Hara
por
Manuel Cintra Ferreira

Coisas boas em jornais


Maureen O'Hara. Foto sem data encontrada em www.tumblr.com.

Segundo Howard Hawks, inspirando-se em Anita Loos, Os Homens Preferem as Loiras. Passava-se isto em 1953 e a loira era mesmo uma inspiração, Marilyn Monroe. Dois anos depois, Richard Sale, pondo a tónica em Jane Russell, acrescentava, também segundo a mesma escritora que, sim senhor, é verdade, mas... de facto... os Gentlemen Marry Brunettes, que a distribuição portuguesa, sem fazer a ligação (e tirar a «moral» de Loos) e querendo aproveitar-se do sucesso do filme anterior, baptizou, muito prosaicamente de Os Homens Preferem as Morenas. Aí estavam, portanto, nos títulos originais, as «casadoiras» e as «outras» (as tais «loiras»). Então, e as ruivas? Pois, as ruivas! Da fama de perigosas e ariscas não se livravam.
   Em termos cinéfilos, a fama tinha a sua razão de ser nalgumas ruivas que perturbavam a libido masculina nas salas escuras, destacando-se uma, de pêlo na venta, mangas arregaçadas e pronta para uma boa luta em pé de igualdade com qualquer macho: Maureen O’Hara. E geralmente esse macho era nem mais nem menos do que John Wayne. O par andou a medir forças ao longo de três filmes sob a batuta de mestre John Ford (Rio Grande, O Homem Tranquilo e A Águia Voa ao Sol), e mais dois de um mau discípulo, Andrew V. McLaglen (McLintock, que até é o melhor que o filho de Victor McLaglen realizou, e um breve encontro do par já «maduro» em Eu Julgava-o Morto Mr Jake!), com altos e baixos, passou pela separação e reconciliação em Rio Grande, onde os Sons of the Pionneers lhe fazem uma das mais belas serenatas que se ouviram na tela com a canção popular «Kathleen» (Oh Kathleen, My Kathleen!), e enfrentou-se no maior «corpo-a-corpo» da história do cinema, em OHomem Tranquilo («homérico!», como diria Barry Fitzgerald no filme, e quem o viu sabe ao que ele se refere), uma daquelas histórias que nos põem em estado de euforia, e que nos mostra o mais belo beijo cinematográfico que o próprio «Extra-Terrestre» (no filme de Spielberg) não resistiu a imitar. John Ford dirigiu a sua actriz favorita em mais dois filmes, dando-lhe galãs mais maleáveis e destinados à faceta «maternal» que as suas «fúrias» escondiam: Walter Pidgeon em O Vale Era Verde e Tyrone Power em Uma Vida Inteira.


Maureen O'Hara. Foto sem data encontrada em farm2.staticflickr.com.

Pois foi Maureen O’Hara a minha primeira paixão infanto-juvenil. Na altura eu estava naturalmente a leste das implicações do que atrás referi. Mais do que qualquer manifestação edipiana ou reflexo para a passividade, talvez se tenha tratado de um mero acaso: foi a primeira que se me fixou na retina e nas meninges, e logo num filme que salientava já aquelas características: O Terror dos Sete Mares. Feliz acaso, proporcionado por um costume dos velhos cinemas de bairro de Lisboa: o de por vezes exibirem em complemento (eram os tempos das sessões duplas), filmes «a pedido de várias famílias». O filme de Frank Borzage, já velhinho naquele tempo, e em cópia que deixava a desejar lá surgiu em complemento do filme que me levava ao cinema: A Gata Borralheira de Disney. O Terror dos Sete Mares fez-me nascer duas paixões: a referida ruiva e os filmes de piratas. Só mais tarde percebi que, afinal, as duas estavam ligadas. Pois os «sete mares» eram um segundo «habitat» para Maureen O’Hara, que já andara pelas mesmas andanças no magnífico O Pirata Negro e seria uma perfeita rainha de piratas em No Reino dos Corsários, enfrentando, de espada na mão, o campeão masculino Errol Flynn. Nestas andanças, de espada (Os Filhos dos 3 Mosqueteiros) ou pistola (No País dos Comanches, A Última Avançada) na mão, pelas planícies do Oeste, sobre o mar, ou envolvida nos véus transparentes das fantasias orientais (Sinbad, o Marinheiro, Bagdad, Chama da Arábia), surgia-nos pintada com a paleta mágica do Technicolor, num tempo em que cor rimava com esplendor, fazendo parte de um friso que ficou conhecido como as «rainhas do Technicolor», formado por ela, Yvonne De Carlo, Maria Montez, Virgínia Mayo, e outras. Mas rainha, rainha mesmo, só uma: Maureen O’Hara.
   E é assim que a recordo.

Manuel Cintra Ferreira em Expresso, 15 de Julho de 2006



Maureen O'Hara em Lady Godiva (1955) de Arthur Lubin. 
Foto encontrada em fx.worth1000.com.




 Maureen O'Hara, em cinco filmes de John Ford.


Maureen O'Hara, também fez este filme de Ray Milland (1956) e muitos mais claro.


(Cartazes dos filmes encontrados na net)



domingo, 8 de abril de 2012

O Beijo no Cinema


por 

Alves Costa

publicado no jornal  A Capital em 17-04-1971


Coisas boas em jornais

Esta é a primeira imagem sempre em movimento de um beijo. Foi seleccionado para preservação no National Film Registry. Cena de uma comédia de palco, "A viúva Jones", interpretado por May Irwin e John C. Rice. De acordo com o historiador de cinema Edison C. Musser, os actores encenaram o beijo para a câmara, a pedido do jornal New York World, e o filme resultante foi o mais popular filme Vitascope Edison em 1896. Filmado Abril de 1896, no Edison's Black Maria Studio. Embora Alves Costa no texto diga que foi em 1895. Foto encontrada em museucine.wordpress.com.


ENQUANTO os irmãos Lumière se preparavam para apresentar o seu cinematógrafo, já nos kinetoscópios de Edison podiam ver-se imagens reais em movimento. Edison não tinha conseguido encontrar um processo de projectar convenientemente os seus filmes sobre um grande écran. Nos kinetoscópios, o espectador espreitava por uma luneta para ver pequenos filmes de um minuto. A imagem exibida era muito pequena e mal iluminada, E os assuntos pouco variados: uma luta greco-romana, uma mulher a atirar ao alvo, um acrobata, uma dança de selvagens, habilidades de um malabarista, um fumador de ópio ou o revoltear de uma bailarina envolta em véus transparentes. Os kinetoscópios funcionavam como uma slot machine e eram postos, em número variável, à disposição do público, com outros aparelhos de diversão ou de jogo, em vastos recintos conhecidos pelo nome de Penny Arcades. Isto passava-se no fim do século XIX. Na mesma altura, fazia grande sucesso, num dos teatros da Broadway, um momento da comédia "A viúva Jones" em que os artistas May Irvin e John C. Rice davam um beijo em cena. Para renovar os assuntos habituais dos filmezinhos dos kinetoscópios, Raff e Gammon tiveram a ideia de filmar esse momento em grande plano. Os dois artistas foram fotografados a meio busto. Encostavam os rostos e Rice aflorava os seus grandes bigodes a um lado da boca de Mary Irvin. E era tudo. Nem um nem outro eram já muito novos. O penteado, o rosto gorducho e a opulência do busto de Mary; a bigodaça e os altos colarinhos engomados de John dão a esta cena — vista hoje — um misto de ridículo e de encanto na sua enternecedora ingenuidade. 

Greta Garbo e John Gilbert em O Demónio e a Carne (Flesh and the Devil, 1926) de Clarence Brown. Foto encontrada em mythicalmonkey.blogspot.pt. / Clark Gable e Vivian Leigh em E Tudo o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) de Victor Fleming. Foto encontrada em weheartit.com.


O beijo de Mary Irvin e John Rice (0 primeiro beijo do cinema) foi filmado em 1895. Enquanto vista nos kinetoscópios, a imagem três vezes repetida desse beijo era tão pequena e tão pouco nítida que não despertou um interesse por aí além. Mas quando, um ano mais tarde, o filme pode ser projectado num écran, onde as figuras apareciam com o triplo do tamanho natural, foi um escândalo! E uma revista de Chicago, The Chap Book, de 15 de junho de 1896, referia-se-lhe indignadamente nestes termos : «Devem lembrar-se de que, numa peça recente, A viuva Jones, «miss» Mary Irvin e um certo John C. Rice trocavam beijos em cena. Nenhum deles era fisicamente atraente e o espectáculo dessa pastagem (sic) recíproca nos lábios um do outro já era difícil de suportar. Ao natural era grosseiro. Mas nada de comparável com o efeito que produz esta cena ampliada para proporções gigantescas e repetida três vezes de seguida. É absolutamente repugnante. Tudo o que resta do encanto de «miss» Irvin desvanece-se. A sua actuação torna-se indecente e de uma desmedida grosseria. Tais factos pedem a intervenção da polícia.» 


Burt Lancaster e Deborah Kerr em Até à Eternidade (From Here to Eternity, 1953) de Fred Zinnemann. Foto encontrada em wonderrland.blogspot.pt. / Marilyn Monroe e Tommy Noonan em Os homens Preferem as Loiras (Gentlemen Prefer Blondes, 1953) de Howard Hawks. Foto encontrada em www.thisismarilyn.com.


Passaram os anos... e o beijo voltou  a aparecer, uma vez por outra, no écran. Mas, ainda durante muito tempo, o beijo, no cinema, foi casto, tímido, fugaz e quase sempre no  rosto, antes de se tornar fim obrigatório e indispensável dos filmes de Hollywood. Hoje, é coisa tão natural, tão vista e tão vulgar que já mal se lhe presta atenção. Mas sessenta anos atrás perturbava seriamente os impressionáveis espectadores de cinema... Quando, em 1910, apareceram os primeiros filmes que mostravam dois apaixonados beijando-se na boca, o escândalo que causaram não fói menor do que havia causado, na América, o cândido Beijo de Mary Irvin e John Rice destinado aos espectadores solitários dos kinetoscópios quinze anos antes! O crítico do International Film Zeitung, Félix Holden, escreveria, amarguradamente chocado : «O beijo transformou-se totalmente. Os heróis do cinema já não se contentam com beijar-se rapidamente como nos bons velhos tempos. Agora unem os lábios demoradamente, com volúpia, e a mulher reclina a cabeça para trás em pleno êxtase.»... Referia-se aos filmes dinamarqueses...



Este beijo não pode ser mostrado em foto, tem de se ver toda a cena que está logo no inicio. Ele é, o melhor beijo de todos os filmes que vi e foram muitos. John Wayne e Maureen O'Hara em O Homem Tranquilo (The Quiet Man, 1952) de John Ford.


É que  os dinamarqueses, ao criarem a vamp (e a primeira e mais famosa delas foi a grande artista dramática Asta Nielsen), introduziram, também, nos seus filmes — então com grande expansão na Europa-- os beijos longos e apaixona-dos. Conta Georges Sadoul, em Le cinéma devient un art, que «os beijos à dinamarquesa chegaram a chocar também a Imprensa parisiense na primeira década deste século e que, por causa deles, frequentemente achavam que as fitas da Nordisk eram lascivas ou escabrosas». Então e ali — ao contrário do que iria acontecer no cinema de Hollywood — o beijo não se aliava a um fim feliz. No reino da Dinamarca o fim , trágico era de regra. Um pouco antes dos anos vinte, o cinema italiano atingira o apogeu. Depois da vaga de filmes histéricos que iriam influenciar até o cinema americano (consta que Griffith teria estudado o filme Cabiria antes de se lançar na realização de Intolerância), os italianos voltaram-se para o presente e, por seu turno, trouxeram a diva para os seus dramas passionais. E tão famosas, como Asta Nielsen, foram as mulheres fatais do cinema transalpino. A Lyda Borelli, a Francesca Bertini, a Pina Menichelli, a Hesperia, a Maria Jacobini vieram, então, perturbar os espectadores de todo o mundo, com as suas atitudes coleantes, o ardor do seu olhar, o arrebatamento dos seus beijos. 


Marlon Brando e Anjanette Comer em The Appaloosa (1966) de Sidney J. Furie. Foto encontrada em classicmoviestills.com. / Audrey Hepburn e George Peppard em Boneca de Luxo (Breakfast at Tiffany's, 1961) de Blake Edwards. Foto encontrada em www.foolzfun.com.


Mas, nessa altura, já não causavam escândalo, provocavam uma desmedida admiração. «Depois de 1914 - escreveria Sadoul, na obra citada — o divismo tornou-se loucura no cinema italiano. Enquanto que o star-system especula com o sex-appeal ou a beleza americana, na medida em que o público paga, na Itália os financeiros e os duques arriscavam a sua fortuna pelo amor de uma diva, de uma donna muta, como chamavam, então, ás estrelas italianas. Estes novos barões de Nucingen investiram os seus milhões em sociedades de produção onde as suas amadas eram senhoras absolutas. Produtores e realizadores tornaram-se fiéis escravos do prestígio e da beleza dessas mulheres idolatradas. Um romantismo semifeudal envolvia de latino ardor cada uma dessas donnas mutas que, agitando os seus belos braços e sacudindo a sua luxuriante cabeleira, conduziam, no meio dos paroxismos da paixão, o cinema ita1iano para a decadência e a ruína.» 
Também em Portugal não se escapou ao fascínio das divas. Em 1917, o beijo das divas era igualmente, entre nós, motivo para arrebatamentos inflamados... e publicamente confessados, como se vai ver. Em 1 de Junho de 1917, Leopoldo O'Donnell, empresário-gerente do Cinema Olímpia, de Lisboa, promoveu uma matinée de arte de homenagem a Lyda Borelli, Pina Menichelli e Francesca Bertini, precedida de uma conferência. Deste acontecimento deu conta a «Cine-Revista», no seu n.° 4, nestes termos: «As grandes trágicas do cinema foi o tema escolhido pelo distinto poeta António Ferro para a sua conferência cinematográfica realizada no dia um do corrente, em matinée de arte no Salão Olímpia. Facultado gentilmente pelo seu autor, começamos hoje a publicar esse primoroso trabalho. (...) A iniciativa do sr. António Ferro abre, sem dúvida, um movimento intelectual valiosíssimo em volta do importante papel reservado à cinematografia em todos os ramos da actividade e do saber humanos.»


Paul Newman e Joanne Woodward em A New Kind of Love (1963) de Melville Shavelson. Foto encontrada em www.acertaincinema.com.


A conferência é muito longa, mas vale a pena. reproduzir os parágrafos finais que António Ferro dedica ao beijo das divas homenageadas «Quero marcar bem, num rápido confronto, o temperamento de cada uma das trágicas de que falei. Para fazer, perdoem-me o arrojo, achei uma solução. Surpreender a sua alma através do seu beijo. O beijo é a melodia da alma, a melhor maneira de ela respirar, como afirma Edmond Rostand... O beijo é a síntese de todos os sentimentos, o sinete do amor. Assim, o beijo de Francesca Bertini é o beijo desvairado, o beijo que soluça, o beijo que se entrega, o beijo que floresce, o beijo doido, virgem, que apenas quer ser beijo. O beijo de Pina Menichelli é o beijo maldoso, o beijo que faz doer, que faz dos seus lábios punhais e dos nossos ferida, o beijo Judas, beijo fatídico que faz da boca taça onde ele é veneno que nos mata. O beijo de Lyda Borelli é, porém, o mais belo de todos, o mais cristão, o mais estilizado, jóia de preço que eu quisera ver nos meus lábios... É um beijo que, pelo burilado da forma, lembra um soneto de Verlaine. Depois deste delírio, António Ferro termina, sem dúvida sob entusiásticos aplausos da selecta assistência, com estas palavras: «Numa última síntese, o beijo de Francesca Bertini é o beijo humano, é o beijo mulher. O beijo de Pina Menichelli é o beijo diabólico, o beijo Satanaz. E, finalmente, o beijo de Lyda Borelli é o beijo divino, o beijo arte, o beijo Deus.» Era assim emocional e impressionável, como o reflectem estas palavras de António Ferro, como o reflectem palavras semelhantes publicadas em revistas da época, o público dos cinemas em 1917. O beijo das mulheres fatais, das grandes amorosas, deixara de ser escândalo. Era motivo de uma geral e alienadora admiração... tão ardente como risível. O tempo voltou a passar. O cinema evoluiu... e o público também. Hoje, já nenhuma vedeta do écran poderá gabar-se de provocar tais arrebatamentos. E o beijo, no cinema, tomado na sua dimensão natural, tornou-se moeda corrente... e desvalorizada.

Texto de Alves Costa, publicado no jornal  A Capital em 17-04-1971


Neve Campbell e Denise Richards em Ligações Selvagens (Wild Things, 1998) de John McNaughton. Foto encontrada em cinemaepoesia-felipe.blogspot.pt. / Javier Beltran e Robert Pattison em Little Ashes (2008) de Paul Morrison. Foto encontrada em cinemaepoesia-felipe.blogspot.pt.


Ewan Mcgregor e Jim Carrey em Eu Amo-te Phillip Morris em (I Love You Phillip Morris, 2009) de Glenn Ficarra e John Requa. Foto encontrada em cinemaepoesia-felipe.blogspot.pt. / Sarah Michelle Geller e Selma Blair em Estranhas Ligações (Cruel Intentions, 1999) de Roger Kumble. Foto encontrada em www.autostraddle.com