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domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Comuna Che Guevara (antigo Muxito)


Ligação Cidade-Campo no Bairro da Quinta da Calçada. Setembro de 1976.
Foto copiada do jornal página um


Andei por lá algumas vezes e até dormi lá (poucas), enquanto durou as chamadas ligações Cidade-Campo. Estas ligações, organizadas pelos GARA (Grupo de apoio à Reforma Agrária), eram a tentativa de venda directa dos produtos dos agricultores, eliminando os vários intermediários que existiam e existem no caminho até ao consumidor final. A Comuna Che Guevara fazia de posto abastecedor; recebia os carregamentos dos produtores e os vários bairros de Lisboa e outros locais iam lá abastecer-se e depois vendiam os produtos nos seus bairros a um preço incrivelmente baixo. Depois de vender os produtos íamos lá pagar e não antes. A Comuna Che Guevara, tinha imensas actividades paralelas, mas eu, só lá ia por causa desta. Estas ligações Cidade-Campo, davam muito trabalho. Íamos para lá aos sábados de madrugada: às 5 ou 6 da manhã ou então dormíamos lá de sexta para sábado e ajudávamos a descarregar os produtos dos agricultores. Depois, carregávamos os nossos produtos, para levar para os nossos bairros e chegados lá vendíamos os produtos aos moradores. As ligações Cidade-Campo no meu Bairro só duraram algumas semanas, porque tudo isto, assentava na carolice de alguns, outros iam só quando podiam ou lhes apetecia. No fundo foi como em todo o PREC, a maioria das pessoas estavam só a ver a “banda passar”. Das vezes que lá fui (creio que foi só em 1976), naquela altura já tinham cortado a luz e de noite tínhamos de ir às apalpadelas até aos quartos. Uma das vezes no corredor de acesso aos quartos, que fazia um V invertido, fui de encontro à parede (estava tudo ás escuras) e julguei que tinha partido todos os dentes da frente, porque só sentia o sangue a correr a jorros e não sentia os dentes, tudo por causa de um cão "serra da estrela", que por lá andava e passava a vida a rosnar e por isso, tropecei e fui de cara directa à parede. Logo de seguida deu-me tal fúria que fui direito ao cão disposto a dar cabo dele e ele percebeu e fugiu. Afinal só tinha rebentado com o lábio inferior e fiquei até hoje com uma cicatriz. Recordo ainda que o mobiliário era de boa qualidade e que ainda se podia nadar na piscina. Nessa altura não havia qualquer vandalismo, tentava-se fazer um trabalho em prol das populações e (como tudo na vida) foi bom enquanto durou. 


Sede da Comissão de Moradores do Rego em Lisboa. 1976.

A chegada dos produtos para venda à sede da Comissão de Moradores do Rego em Lisboa. 1976.

A chegada dos produtos para venda à sede da Comissão de Moradores do Rego em Lisboa. 1976.

Venda dos produtos na sede da Comissão de Moradores do Rego em Lisboa. 1976.


«No dia 7 de Março de 1975, um grupo de elementos da FSP e da LUAR, acompanhado por dezenas de populares, decidiu ocupar o hotel Muxito, no Seixal, para aí instalar serviços de apoio social. 25 anos depois, Vítor Brito, elemento da LUAR que encabeçou a ocupação, fala em obra social feita mas também no acolhimento, naquelas instalações, de forças da extrema esquerda que se precaviam contra as movimentações da direita. Durante algum tempo, o Muxito foi considerado a base das forças esquerdistas e era lá que se treinavam os tiros e o uso das armas. Até que, segundo conta Vítor Brito, o armamento desviado, caiu em mãos menos próprias e o caso deu para o torto. Dos objectivos que o moviam então, restam apenas os sonhos de um país melhor.» 
Muxito virou base da extrema esquerda. Entrevista de Pedro Brinca a Vítor Brito em www.setubalnarede.pt - 13-03-2000.


Noticia no jornal página um em Setembro de1976.

Auto-colante do 1º aniversário da Comuna Che Guevara.
Foto encontrada em ephemerajpp.com

O principio do fim: guerras entre a extrema-esquerda e o PC. Clique para ler.
jornal página um 30 Setembro 1976.


MEMÓRIA 30 ANOS DE PREC

CAMARADA “CHE”

«O complexo turístico do Muxito, em Vale de Gatos, Amora, concelho do Seixal, chama-se agora Comuna “Che” Guevara. A primeira existente em Portugal, dizem os fundadores, que lhe puseram aquele nome, em homenagem “a um grande amigo da liberdade dos povos, um camarada nosso, portanto”.
O Século deslocou-se ao local, que abrange uma área de 35 hectares, “entre os quais existe um pinhal com cerca de 10 mil pinheiros que nunca foram desbastados ou explorados”. São já 30 os participantes “na vida comunal” (nem todos a auferirem, por agora, vencimento), mas o “comité orientador” espera que esse número ultrapasse os 700, “logo que as instalações atingidas pela atitude reaccionária da ex-proprietária se encontrem recuperadas”.
Entre os projectos dos trabalhadores (que têm contado com “brigadas enviadas por empresas vizinhas, como sejam a Plessey, Gáslimpo, Lisnave, Siderurgia, Construtora Moderna, e até, do Arsenal do Alfeite”), o repórter salienta a criação de “creches, parques infantis, centros de apoio à 3ª idade, sector de repouso para a classe trabalhadora, centro cultural e ocupação dos tempos livres das crianças em idade escolar”.

Adelino Gomes
Público
22 Maio 2005

Ligação Cidade-Campo no Bairro da Quinta da Calçada. Setembro de 1976.


"foi um sonho lindo que acabou, houve aqui alguém que se enganou"
José Mário Branco




domingo, 6 de janeiro de 2013

Largada de touros nocturna - 1972


Tinha 18 anos quando isto aconteceu. Foi numa sexta-feira e creio que por volta das 23/24h, talvez, até mais tarde, porque o Clube, já devia ter fechado. Muitas vezes no verão, costumávamos ficar à conversa no largo do Bairro da Quinta da Calçada, até às tantas, porque no outro dia não íamos trabalhar e uma vez, ouvimos um barulho, primeiro ao longe e depois aproximando-se. Ouvimos uns "cascos" como os dos cavalos e até pensamos que fosse um cavalo fugido do Hipódromo. Depois, foi tudo muito rápido, vindo da rua do campo da bola, por detrás da minha casa, aparece-nos uma vaca enorme a toda a velocidade. Parou uns segundos, olhou para o largo e creio que para nós e desatou a correr passando por trás da escola primária, e indo pela rua da árvores acima. A memória que ficou, foi de uns olhos enormes, de terror?, o tamanho enorme da vaca e uma cor esbranquiçada. Nós ficamos espantados (se calhar de boca aberta) até porque quando a vaca parou, estávamos a uns trinta metros dela, mas logo de seguida começamos a correr atrás da vaca, mas ela corria muito mais que nós. Quando chegamos ao Largo das Fonsecas, já não havia rasto da vaca. Continuamos a conversar por ali a ver se acontecia mais alguma coisa mas só no dia seguinte, soubemos da largada de touros e das "touradas" que houve. Falou-se na altura de muitas mortes, de assaltos, etc. Até que (40 anos depois) encontrei esta reportagem nas minhas buscas a jornais antigos. Leiam que tem graça.

É pena a foto ser péssima mas, à direita dá para ver 
touro a investir contras as pessoas e o carro.
Foto copiada do Jornal A Capital


LISBOETAS VIRAM BICHO NAS RUAS DA CIDADE - 1972
(excerto)

«Andaram touros  à  solta pela  via  Pública. A excitação lia-se nos  rostos da pequena multidão que, a noite passada, fugia a sete pés o mais à frente possível dos doze gordos touros que corriam à desfilada pelo Campo Grande e Avenida  da República. As forças da ordem sorriam no centro do borborinho. A Câmara Municipal de Lisboa não só aprovou o acontecimento, como o  promoveu. Era tudo a brincar. É festa. Festas da Cidade. De Lisboa..

O homem parecia de gesso, tal a cor esbranquiçada, doentia;  respirava ainda a custo quando disse, sem conseguir acertar com a  chama do isqueiro na ponta do cigarro:     
— Um susto como este só me lembro de ter tido quando, há anos, me  caiu o candeeiro aos pés da cama... Mas adiante: ontem à noite, ia eu muito bem a tomar o fresco, na Rua de Entrecampos (eu moro no Bairro de S. Miguel), quando, chegado a uma esquina, oiço uma vozearia infernal e uma multidão a correr, vinda do Campo Grande. Naquele segundo pensei um milhão de coisas! Palavra! Eu comecei também a correr, mas pela Rua de Entrecampos, claro... Quando cheguei ao pé do novo Viaduto para  o caminho de ferro ouvi vozes vindas de cima. O que havia de me vir à cabeça? Só isto: que era o Apocalipse: Depois serenei, e reparei que eram pessoas como eu, que estavam encarrapitadas lá em cima. Continuei a serenar e verifiquei  que aquela gente estava ali para assistir a alguma coisa. Subitamente,  foi como se tivesse visto bicho. E vi! Vi um toiro a correr desenfreadamente pela Avenida da República! Estava eu muito bem a  vê-lo, quando vejo outro a correr mas em direcção a  mim!
Pausa para respirar
— Depois, não sei porquê, não me lembro de quase mais nada, até ao momento em que dei comigo já perto da praça ajardinada do Campo Pequeno. Não sei em quanto tempo percorri aquele quarteirão!... Mas notei que estava com a respiração ofegante. Devo, portanto, ter  corrido muito! Sempre acontece cada coisa a um homem! O meu nome não; não interessa o meu nome. Sou um lisboeta. Isso sou, olá  se sou.»
Sábado, 29 de Julho de 1972
A CAPITAL



sábado, 8 de dezembro de 2012

A Comunal de Árgea em 1975


"A luta do Homem contra o poder é a luta 
da memória contra o esquecimento"
Milan Kundera

A Comunal de Árgea em 1974 ou 75.

Já não me recordo em que época estive na Comunal de Árgea, mas deve  sido em Agosto ou Setembro de 1975. Não sei quem teve a ideia mas talvez alguém ligado a um partido de extrema esquerda, que eram com quem me dava mais nessa época. Lembro que chegámos lá a meio de uma tarde (de um dia da semana) e fomos logo apanhar figos secos, que estavam por baixo das figueiras e colocar as passas em esteiras ao sol para secarem melhor. Andámos umas três horas nisto e quando acabámos por volta da 19/20h estávamos estoirados. Éramos 3 ou quatro (talvez mais) do Bairro da Quinta da Calçada, mas só me lembro do David, houve uns que só aguentaram uns dias e havia mais gente doutros locais, que tinham vindo connosco de Lisboa numa carrinha (?).

A Comunal de Árgea em 1974 ou 75.

Ao jantar disseram-nos onde íamos dormir. Era no antigo posto da GNR, que estava abandonado, havia por lá uns colchões e foi aí que dormimos durante o tempo (15 dias?, um mês?) que estivemos na Comunal de Árgea.  Logo nessa noite em conversa com os mais antigos, fiquei a saber que a cooperativa tinha uma serralharia, mas não havia ninguém para trabalhar nela. Assim, no dia seguinte, comecei a trabalhar lá sozinho, já que tinha sido serralheiro aos 12 e aos 14 anos em Lisboa e esse tipo de trabalhos não se esquece. Fiz vários trabalhos que eram necessários mas o que me recordo mais, foi de ter feito um portão em ferro, que era preciso já não me recordo para onde. Não me lembro bem, mas creio que trabalhava todos os dias menos ao domingo e recordo ainda desse tempo, ter ajudado (a segurar) numa matança de porco, que foi a única a que assisti na vida. 

 A Comunal de Árgea: Auto-colante e mapa da zona de Árgea.

Era uma época em que estávamos completamente tesos. Havia dinheiro para o tabaco e pouco mais. À noite íamos até uma taberna que tinha um jogo de matraquilhos (sem estar trancado, uma moeda dava para vários jogos) e convivíamos com outros cooperantes e com pessoal da terra. Recordo ter jogado “à sueca” à cerveja, muitas vezes sem dinheiro no bolso para pagar se perdesse. Num fim de semana fomos até ao Entroncamento (beber uns copos) numa carrinha que lá existia, que também servia para carregar ferro e recordo que um dia fomos comprar ferro para a serralharia ali para os lados de Fátima.
Havia também uma ambulância Mercedes de matricula alemã, que uns amigos alemães tinham oferecido à Comunal. Aqui talvez a memória me esteja a atraiçoar e se calhar só havia a ambulância  As memórias não são muitas, mas recordo o bom ambiente que por lá se vivia e tenho pena de os nomes e as caras se terem esfumado. Mais tarde, já depois do 25 de Novembro, ainda cheguei a saber (por quem?) que a GNR tinha aparecido em Árgea para fazer “merda”, como era costume e amedrontar o povo. Queriam levar coisas da Comunal (procuravam armas e só encontraram colchões), mas as mulheres de Árgea opuseram-se e não levaram nada. São boas memórias daqueles tempos (bem dito PREC), seja em Árgea  ou noutros locais por onde andei e que serviram para mim de grandes experiencias para (crescer como pessoa) e depois fazer trabalho cultural e politico com mais pessoas, no Bairro da Quinta da Calçada, e indo aos poucos ficando sozinho (1982) a trabalhar. Como costumo dizer com alguma graça: já a revolução tinha acabado e alguém se tinha esquecido de me avisar.

O jornal Combate, era um jornal quinzenal independente (não estava ligado a nenhum partido) que existiu desde Junho de 1974 a Fevereiro de 1978. Nesta edição Nº 23 de Maio de 1975, traz uma extensa entrevista com integrantes da Comunal de Árgea. Jornal encontrado em www.marxists.org

Na entrevista com integrantes da Cooperativa Comunal da Árgea, diz um trabalhador  ao Jornal Combate: 
«Bem, depois de um dia de trabalho, vou dar umas lições para a 4ª classe, isto é um aspecto muito pequenino e muito concreto, mas para a cooperativa é extremamente importante. É esse enorme desnível de cultura entre as pessoas que tem de ser vencido, a pouco e pouco, e uma maneira de o vencer é na prática, é fazer com que aquelas pessoas que sabem muito menos passam a saber muito mais e, sobretudo, a saber coisas úteis e não coisas estúpidas que muitas vezes as pessoas lhes ensinavam.» (Combate: Nº23, Maio 1975).
O jornal Combate e as lutas sociais autonomistas em Portugal durante a Revolução dos Cravos (1974 - 1978)
Danúbia Mendes Abadia, Tese de Mestrado - Universidade Federal de Goiás 
Goiânia Maio de 2010

Jornal Combate, entrevista de Maio 1975, com membros da Comunal de Árgea. CLIQUE PARA PODER LER.


 Mais coisas encontradas na net sobre A Comunal de Árgea


Referencia no jornal "página um" em 1976, a uma curta-metragem realizada em 1974 pela CINEQUANON: "COMUNAL UMA EXPERIENCIA REVOLUCIONARIA", com a sinopse.


«Tomemos o exemplo de uma das cooperativas – a Cinequanon, cuja fundação é legalizada em Junho de 1974. Apesar de no início ser intenção dos sócios “dedicar-se a produzir apenas filmes de fundo de ficção”, pouco tempo depois reconsideram o seu papel: É neste contexto que produzem mais de uma centena de filmes no intervalo de dois anos. Os títulos e o teor das sinopses são revelatórios da urgência dessa intervenção política e social. Por exemplo... Comunal, uma experiência revolucionária (24’), de realização colectiva, trata da existência de uma cooperativa agrícola constituída tanto por moradores de Árgea, localidade próxima de Torres Novas, como de membros (arquitectos, professores) provenientes de Lisboa.»
ARQUIVOS DA MEMORIA - Antropologia, Arte e Imagem | Nºs. 5-6 (Nova Série) | 2009
Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa, encontrado em www.ceep.fcsh.unl.pt.


«O caso da cooperativa Comunal é singular. Nasceu não de uma ocupação de terras mas do seu contrário: a junção voluntária de parcelas para ganhar viabilidade, surgindo uma queijaria, uma carpintaria e uma loja. A produção era vendida às cadeias de supermercados de Lisboa. «Era um projecto de revitalização do mundo rural, semelhante aos que hoje se poderiam fazer com fundos da União Europeia», explica o arquitecto Pedro Lobo Antunes, um dos mentores da Comunal. O coração da cooperativa era Árgea, «uma aldeia especial, com tradição republicana e associativa». Ainda hoje lá está a antiga loja da Comunal, agora um supermercado. Quando foram pedir apoios financeiros, os cooperativistas foram postos pelo Ministério da Agricultura numa situação surrealista: só havia subsídio se houvesse ocupação de terras... A 25 de Novembro, a aldeia foi cercada pelo Exército, à procura de armas. «A única coisa militar que encontraram foram uns colchões, mas nem isso o povo da aldeia os deixou levar», conta Lobo Antunes, agora vereador da Câmara pelo PS, já no segundo mandato. Com o 25 de Novembro, os apoios desapareceram, e a cooperativa foi-se desagregando. (Sobre este tema retenham-se, ainda, os documentários Torrebela, de Thomas Harlan, exibido há dois anos, Outro País, de Sérgio Treffaut, 1998, e o recente As Operações SAAL, de João Dias).» 
Rui Cardoso. Jornal Expresso, Revista Única · 22/11/2008


«...Fui para Árgea, para a Comunal (no Alto Ribatejo, Torres Novas), uma cooperativa formada por ex-exilados em França, alguns operários, outros intelectuais, outros militantes políticos activos que estiveram presos até ao 25 de Abril. Encontrei lá uma vida comunitária, um espaço colectivo e uma afirmação democrática de base que, apesar de todas as dificuldades, era genuína e criativa. Estavam lá pessoas como o Joaquim Alberto, o Carlos Cardoso, o Pedro Lobo Antunes, a Manuela Fazenda, a Edeltrauth (já não me lembro se era assim que se escrevia), o Pedro Fazenda, a Silvéria, o Quintas, entre muitos outros, a que se juntava  muita gente da terra, que partilhou este projecto de uma comunidade autêntica. 
Ali conheci pessoas, ideias e muito mundo. Estive na Comunal um ano e tal. Valeu por uma década de experiência. Não saí dali o mesmo. Conheci o mundo das cooperativas e das UCPs por dentro.  O mundo do trabalho também. Um mundo de solidariedades múltiplas e de repulsa por tudo o que era hierarquias. 
Isso ao 25 de Novembro o devo. E, por isso, ao 25 de Novembro de 1975 estou grato: levou-me a viver, mãos no barro, um dos mais importantes períodos da história recente de Portugal. E da Europa.»
Publicada por Carlos Júlio em acincotons.blogspot.pt


 André Guedes, Nova Árgea, 2012. Foto Vera Keel encontrada em www.lesateliersderennes.fr


Trabalho de André Guedes, que é baseado em extensa literatura de pesquisa e é sustentado por uma reflexão antropológica sobre as atividades humanas no projeto de espaço. Convidado pelo Phakt Centre Culturel du Colombier no Ateliers de Rennes em 2012. A instalação inclui uma apresentação de slides Nova Árgea de fotografias encenadas mostrando - no presente - os membros de uma comunidade em situação ficcional. É inspirada na história de uma cooperativa agrícola denominada A Comunal", em Árgea durante o PREC em Portugal. (Texto encontrado na net)


Nova Árgea by André Guedes (making of). Fotos encontradas em www.missdove.org


"Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é o que fica. Quando as pessoas param há como um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo politico como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciência e os alibis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta."
José Afonso

domingo, 28 de outubro de 2012

Mais fotos da Quinta da Calçada

Fotos (8) do Bairro da Quinta da Calçada e uma da Lagoa do Lima,  em Palma de Cima, encontradas no Arquivo da Torre do Tombo.


Não sei muito bem onde era esta lagoa, creio que ficava perto da Fábrica de Tijolo de Palma de Cima. Talvez ficasse perto do campo do Palmense, mas não tenho a certeza. Segundo o meu cunhado Carlos, na Quinta das Fonsecas, havia duas lagoas; a lagoa do Padeiro e a lagoa do Carvalho. Das minhas memórias só me recordo de uma lagoa (não sei o nome), mas era possível haver várias até porque, naquelas zonas havia várias Fábrica de Tijolo (olarias)  que vinham já desde 1900/1910.

Legenda da foto: A Lagoa do Lima em Palma de Cima, onde se deu mais um caso fatal, quando nela tomava banho o servente de pedreiro José Alberto. 1938.


As legendas da fotos abaixo dizem: «Aspecto dos trabalhos do Bairro Económico na Quinta da Calçada, em Telheiras, que a Câmara mandou construir para os habitantes do Bairro das Minhocas». Tratava-se do inicio da construção do Bairro da Quinta da Calçada, que começou junto do Largo das Fonsecas. Esta parte do Bairro que se vê nas fotos, seria mandada abaixo anos depois, para construção da pista de atletismo do Estádio Universitário. O Bairro da Quinta da Calçada, começava no local onde hoje está o pavilhão do Estádio Universitário, mais coisa menos coisa.


Inicio da construção do Bairro da Quinta da Calçada. Marcação do terreno. Agosto de 1938.

Inicio da construção do Bairro da Quinta da Calçada. Marcação do terreno. Agosto de 1938.

Bairro da Quinta da Calçada. Construção das bases e do "esqueleto" em madeira. Agosto de 1938.

Bairro da Quinta da Calçada. Construção das bases e do "esqueleto" em madeira. Agosto de 1938.

Bairro da Quinta da Calçada. Construção do "esqueleto" em madeira. Agosto de 1938.

Existe uma foto igual à anterior no Arquivo Fotográfico da CML, que está atribuída a Eduardo Portugal, portanto, é possível que também as outras sejam da sua autoria. 

Bairro da Quinta da Calçada. Construção do "esqueleto" em madeira. Agosto de 1938.

Bairro da Quinta da Calçada. Colocação das paredes e telhado em madeira. Agosto de 1938 .

Bairro da Quinta da Calçada. Colocação de paredes, janelas e portas. Agosto de 1938


Em 1940, o Bairro da Quinta da Calçada era assim, ainda não estavam prontas; as Escolas, a Igreja, o Centro Social, o Mercado etc. Anos depois (não consegui saber a data certa mas, deve ter sido no inicio dos anos 60), toda a zona marcada a vermelho foi deitada abaixo (que é a mesma das fotos anteriores), para construção da pista de atletismo do Estádio Universitário. A maioria dessas famílias foram alojadas no Bairro Padre Cruz e foi nesta deslocação de pessoas que o Clube que existia no Bairro da Quinta da Calçada: O Clube Futebol Os Unidos, acompanhou também essas pessoas. Não consegui saber as razões, mas deve ter tido a ver com o facto de os seus dirigentes na altura, fazerem parte dessa leva de pessoas que foi para Bairro Padre Cruz. 




(fotos do Arquivo da Torre do Tombo - digitarq.dgarq.gov.pt)



domingo, 24 de junho de 2012

A Vida na Quinta da Calçada


A Infância da minha irmã Isaura




«Naquele tempo não sabíamos o que nos faltava porque 
não tínhamos conhecimento do que existia.»



Isaura com 3 anos.
Com 4 anos mais o Avô.
Nasci em Lisboa (Pote d’Agua), a 7 de Dezembro do ano de 1947 (mas fui registada na freguesia da Charneca do Lumiar como tendo nascido no dia 10), era Domingo. Sou a segunda filha de seis irmãos: a Emília mais velha cinco anos, a Lena mais nova dezassete meses, o João (já falecido) mais novo cinco anos, o Francisco mais novo sete anos e o Carlos, mais novo nove anos - o mais novo de todos. Ajudei a minha mãe junto com as minhas irmãs a criar os mais novos, pois ela trabalhava como doméstica o dia todo, só saía quando tudo estivesse pronto, muitas vezes eu e as minhas irmãs tínhamos de fazer o jantar e tratar dos mais novos. Quando eu tinha quatro anos (1951) fomos morar para um Bairro Social da Câmara Municipal de Lisboa, que ficava situado entre o Hospital de Santa Maria e a actual 2ª circular, chamava-se Bairro da Quinta da Calçada e pertencia à freguesia do Campo Grande.





 Bairro da Feiteira ao Pote de Água em 1940; hoje é o parque José Gomes Ferreira, no fim da Avenida do Brasil à direita.

 Bairro da Quinta da Calçada em 1939.


No meu bairro havia uma escola para rapazes e outra para raparigas; um centro social, onde tínhamos actividades (ATL) depois das aulas e onde aprendíamos a fazer renda, croché, tricô, bordar, etc., a monitora era a assistente social D. Elisa; uma creche; um jardim infantil; um posto médico; uma capela e o edifício da Praça (onde estavam situados: o talho, a padaria, a mercearia, o lugar da fruta e legumes, a peixaria e até capelista e retrosaria). Não era quase necessário sair do bairro, a não ser para ir trabalhar ou passear. Eu brincava com os meus irmãos e as outras crianças do bairro, fazíamos os jogos da época (cabra-cega, peão, caricas, berlindes, escondidas, saltar à corda, aos pais e às mães, entre outras brincadeiras).


 O Infantário em 1940, com o centro social (ATL) ao fundo e Helena e Isaura no infantário.


Deste tempo lembro-me e tenho saudades das brincadeiras com a minha mãe, que apesar de trabalhar muito e ter seis filhos para tratar ainda tinha paciência para brincar connosco, e dos Domingos, dia em que os meus pais nos levavam muitas vezes para o Jardim Zoológico. A minha mãe fazia comida que pudéssemos comer na mata que existia nesse tempo no Jardim e lá passávamos o dia a brincar e a ver os animais. Também nos levavam à praia (Algés), mas era mais complicado porque éramos muitos e os transportes caros, porque era longe. Íamos também algumas vezes ao aeroporto de Lisboa, ver os aviões a chegar e a partir, era muito divertido, ficávamos na varanda e assim passava o dia de domingo. 


Helena, Emília e Isaura brincando ao Carnaval em 1957 ou 1958.

Porque faço anos em Dezembro, entrei para a escola primária (Escola Primária nº 121) ainda com seis anos. A minha primeira professora, D. Possidónia, era uma mulher azeda, todas tínhamos medo dela porque ela batia nos alunos com a régua e a cana, a mim nunca me bateu. Eu gostava muito de andar na escola, tínhamos um refeitório, onde almoçávamos sopa, um prato de qualquer coisa e uma colher de óleo de fígado de bacalhau (vitaminas). A segunda professora, D. Constança, lembro-me de ser uma mulher alta, loura e bem vestida, mas não estava para se preocupar muito em nos ensinar e então mandava as que estavam mais adiantadas ensinar as mais atrasadas com trabalhos que ela escrevia no quadro. 


Foto de parte da escola das raparigas em 1977.

A mim uma vez coube-me corrigir o ditado da minha melhor amiga da altura (Arlete) que tinha dado catorze erros no ditado e eu tinha de lhe dar catorze reguadas, eu não tive coragem de lhe dar as reguadas e então a professora deu-me as catorze reguadas a mim, fiquei vários dias com bolhas nas mãos (o perfil dela era este), até hoje eu tenho falado várias vezes sobre este episódio. Entretanto com tantas queixas das mães foi-se embora e veio a minha última professora da escola primária, a D. Fausta, eu gostava muito desta professora, era uma senhora já com idade para ser nossa avó e tinha muita paciência, dizia muitas vezes à minha mãe que era uma pena eu não poder continuar a estudar, mas na altura não podia ser porque só os meus pais e a minha irmã mais velha ganhavam dinheiro para o nosso sustento.


Isaura com 4 anos a fazer de anjo e com 6 anos na colónia balnear.


Durante o tempo em que andei na escola as aulas eram só de manhã, almoçávamos na escola e depois íamos para o Centro Social (ATL), onde ficávamos (as que queriam) até mais ou menos às cinco horas da tarde a fazer trabalhos manuais ou a ensaiar qualquer peça de teatro para apresentarmos na escola. No ATL aprendíamos a fazer croché, a bordar, a fazer malha, a representar. O teatro fazia-me sonhar, as personagens encantavam-me. Participei em várias peças de Teatro da escola, numa lembro-me de fazer de flor num jardim, era o “Goivo”; numa outra de Nossa Senhora no Presépio e ainda numa outra em que cantava (ainda hoje me lembro da letra). Nas férias íamos para a colónia de Santo Amaro de Oeiras durante um mês, mas eu não gostava muito porque nos obrigavam a tomar banho de mar e eu tinha medo das ondas (até hoje não consegui nadar, pois tenho pavor das ondas) mas gostava de ter aprendido.


Isaura e Helena a fazerem de anjos numa procissão.

Do meu tempo de criança lembro-me que no meu bairro uma vez por ano havia a procissão da Nossa Senhora de Fátima, e então os andores das imagens da nossa igreja percorriam as ruas principais do bairro com os homens a pegarem nos andores e as pessoas a acompanharem a procissão, eu e a minha irmã mais nova íamos vestidas de anjo. Nessa altura andava na catequese, todos os domingos tínhamos de ir à missa, fiz a primeira comunhão e o crisma, era um tempo bonito. Lembro-me também de, mais ou menos por 1954/56, nevar em Lisboa, as ruas do meu bairro ficaram todas brancas, eu e as outras crianças fomos escorregar na neve (foi lindo). Foi uma infância feliz apesar das dificuldades que os meus pais tinham para nos criar, pois éramos muitos e com idades muito aproximadas, eles sim passaram muitas necessidades.
A minha adolescência (a história conto mais tarde) desenvolveu-se no mundo do trabalho, para o qual entrei cedo demais, com 11 anos. Fui para aprendiza de modista.
Apesar de me lembrar com carinho desta época, também me vêm as lágrimas aos olhos, por ter sido uma vida dura, começávamos muito cedo a saber o que custava viver (sobreviver). Mesmo assim nos dias em que chegava mais cedo a casa ia brincar com a minha irmã mais nova e a nossa colega de brincadeiras, a Olga, que morava na nossa rua. Brincávamos às mães com três bebés que também moravam na nossa rua, que eram a Zita, a Anita e a Irene (hoje já são avós). Elas eram as nossas filhas e assim ajudávamos as mães delas a tratarem da casa, pois também trabalhavam o dia todo e ficavam todas contentes por nós as entretermos. Naquele tempo não sabíamos o que nos faltava porque não tínhamos conhecimento do que existia



A adolescência vinha aí, mas essa fica para contar noutra altura.



(As fotos não assinaladas são do Arquivo Fotográfico da CML)


domingo, 17 de junho de 2012

Vozes da Quinta da Calçada

Para o Bairro da Quinta da Calçada 19



Tenho esta cassete desde 1977, portanto já lá vão 35 anos e só há pouco tempo é que a mandei a um técnico para melhorar o som, Já coloquei aqui um post com a gravação de A Visita do Carocho, mas no lado B da cassete estão umas entrevistas a moradores feitas por mim e pela Rosário (já lhes falei dela), para um filme de slides que pensávamos fazer sobre o Bairro da Quinta da Calçada, em certa altura por volta de 1977/78. O filme não foi para a frente, já não me recordo a razão, mas devia ter a ver com a falta de dinheiro para estas coisas e da disponiblidade de todos os envolvidos. De qualquer forma ficaram as gravações e as fotos. Os entrevistados que estão na cassete são: A Ti Virginia, a Ti Lurdes e o Ti Virgílio da rua dos lilazes. Depois das fotos volto a colocar a gravação de  A Visita do Carocho, para quem quiser ouvir.


Clique na seta para ouvir a Ti Virginia, a Ti Lurdes e o Ti Virgílio  .



A Ti Virginia, com o filho Alfredo ao lado, assistindo a uma sessão de A Visita do Carocho em 1977.

A Ti Lurdes, mais uma das filhas em frente á sua casa na altura em que lhe fizemos a entrevista. 1977.

O Ti  Virgílio, na sua casa e foto do interior da mesma em 1977.


Foto do exterior da casa  do Ti  Virgílio,  em 1977. Está um bocado escura mas é o que se arranja.


Gravação de um programa de Rádio
A Visita do Carocho - 1977

Já não me recordo de como esta estação de rádio (nem qual era, mas creio que o locutor era o Matos Maia), foi à Quinta da Calçada, o mais certo foi terem lido o Jornal A Capital e terem resolvido também fazer uma reportagem. Carregando na seta podem ouvir as crianças de então que agora já terão 40 e tal anos e também moradores. 


Reportagem sobre A Visita do Carocho e foto do Augusto (O Carocho). Cliquem duas vezes sobre a foto para poderem ler ou ampliar a foto.