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quinta-feira, 25 de abril de 2013

Portugal Abril de 1974


ENVIADO A PORTUGAL
Fotos de Henri Bureau
Texto de Luiz Carvalho
Expresso 24-04-2004


Um suposto membro da PIDE, sendo preso por soldados no Largo do Carmo.
Foto copiada do Expresso

Quando naquela manhã, pela fresquinha, os blindados do capitão Maia desceram de Santarém a Lisboa para mudarem a História, muita gente foi apanhada adormir. A música na rádio era outra, apesar de a senha para o início das hostilidades ter sido uma canção festivaleira, «E Depois do Adeus». A PIDE dormia, o regime ressonava, o reviralho tinha-se deitado tarde entre cervejas e policopiados de propaganda, mas a imprensa estrangeira já estava nas ruas de Lisboa testemunhando para o Mundo a mais pacífica das revoluções, chamada dos Cravos. Muitos dos fotojornalistas, a maioria franceses, que hoje trabalham em agências tão prestigiadas como a Magnum, a Sygma ou a Gamma e que são publicados nas mais destacadas revistas e jornais internacionais, estavam em Portugal no 25 de Abril, iniciando carreiras fulgurantes. O tempo de «quando o povo mais Ordenava»,como se uma bebedeira de liberdade tivesse transformado uma terra de fado numa nave De loucos, foi documentado por Salgado, Le Querrec, Gilles Peress ou Jean Gaumy. Eram muito jovens, ansiavam registar guerras e confusão, depararam com uma grande aventura jornalística a duas horas de casa. Um desses enviados foi Henri Bureau, co-fundador da agência Sygma, cujas fotos publicamos.
Henri Bureau ganhou um prémio World Press Photo com a fotografia de um pide cercado no Largo do Carmo. Por ironia, o homem de gabardina era tão-só um cromo de Setúbal que gostava de se fazer passar por agente da alta autoridade bufa. Michel Puech, fotojornalista, então com 26 anos e a trabalhar para odiário francês «Libération», comenta esta semana na Internet a sua experiência no 25 de Abril e refere, com especial amargura, o facto de ter estado ao lado de Henri Bureau e nem ter visto esta cena. Diz andar há 20 anos a lamentar-se por tal falhanço!

Rossio, em Lisboa. Uma multidão em fúria ataca um suspeito de pertencer à PIDE/DGS.
 Foto copiada do Expresso

O movimento dos capitães foi noticiado em França, na primeira hora, como um golpe militar, o que induziu muitas jornalistas a pensar em tratar-se de mais uma pinochetada, agora na Europa. Henri Bureau foi dos fotojornalistas mais marcantes dos anos 70 e Portugal foi um dos seus feitos.«Não dou tréguas em trabalho, mas em Portugal beijei um colega da Gamma por termos sido os únicos a fotografar a tempo a revolução».
Praça do Rossio, em Lisboa. Uma multidão em fúria ataca um suspeito de pertencer à PIDE/DGS. Os soldados tentam protegê-lo. O homem é arrastado até aos Restauradores, sempre injuriado. Henri Bureau segue de perto a aventura do refém da justiça popular. Ao lado de Bureau, um outro fotógrafo da Magnum, Gilles Peress, acabaria também por fotografar a cena. A «caça ao pide» era um dos passatempos preferidos daqueles dias de brasa. Muitas vezes, no meio de uma multidão concentrada em qualquer esquina para discutir acaloradamente um ponto revolucionário, ouvia-se: «Pide! O gajo é da pide!», e logo todos gritavam, avançando para o suspeito:«Morte à PIDE, o povo vencerá!» Seguia-se uma forte malha na vítima, com os soldados a tentarem acalmar os ânimos e os punhos. Cometeram-se injustiças e humilhações, e muitos verdadeiros pides acabaram por se safar pelas traseiras do exaltado povo. Menos os que foram apanhados com as calças na mão...

Soldados tomando posições nas ruas de Lisboa, dois dias depois do 25 de Abril.
 Foto copiada do Expresso

De Santarém a Lisboa, o caminho era longo para os blindados do capitão Salgueiro Maia. Só havia auto-estrada a partir do Carregado, as máquinas aqueciam, pouco habituadas a aventuras revolucionárias. Os soldados, acordados a meio da noite, viajaram meio estremunhados. A hora de ponta na altura, em Lisboa, era bem mais tranquila do que hoje. Ainda havia carroças a chegar com hortaliças à Praça da Ribeira, mesmo ao lado do cenário onde se desenrolou o encontro do oficial fiel ao regime caduco com o herói Maia. O semáforo caiu para vermelho no Marquês de Pombal e o soldado que conduzia o blindado da frente travou a fundo. O resto da coluna parou para deixar passar a tranquilidade cinzenta que ainda atravessava o país. A revolução começou por respeitar a prioridade e acabou por virar nos mais diversos sentidos, conforme os interesses, a força dos grupos, a vontade popular também. A calma do soldado que lê o jornal no Chaimite ou a alegria dos lisboetas, vestidos de calças largueironas e mini-saias atrevidas e gritando à democracia, são grandes momentos de glória.

 Soldado lendo o jornal dentro de uma Chaimite e populares 
no Marquês de Pombal, três dias depois do 25 de Abril.
Fotos copiadas do Expresso

Depois dos heróis, os protagonistas. Cunhal chega ao aeroporto da Portela e salta para um Chaimite, aclamado por camaradas e curiosos. Deverá ter sido dos poucos abraços que deu a Mário Soares, chegado na véspera a Lisboa, no comboio de Paris. Ao volante do Renault 16, que agora repousa na casa-museu de Cortes, João Soares conduz o pai Mário que salta da janela do carro, acenando aos populares. Os primeiros dias de festa estavam a chegar ao fim. Passado o mar de fé e gente que foi o 1º de Maio, tudo mudou. Os carros de Maia, e os seus homens, voltaram à caserna. Outros militares vieram para a ribalta fazendo de heróis. Cunhal e Soares viraram-se de costas. Foram meses de novas lutas até à implantação de uma democracia à europeia. Portugal voltou a ficar no seu canto, só, enquanto testemunhas como Henri Bureau partiam, levando fotografias que continuam a ser únicas.

Fotografias de Henri Bureau/Sygma/Corbis
Texto de Luiz Carvalho
24 Abril 2004
Expresso

«Cunhal chega ao aeroporto da Portela e salta para um Chaimite, aclamado por camaradas e curiosos.»
 Foto copiada do Expresso

 «João Soares conduz o pai Mário que salta da janela do carro, acenando aos populares.»
 Foto copiada do Expresso


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A Fábrica STEPHENS da Marinha Grande


O último dia
Fotos LUIZ CARVALHO
EXPRESSO, 13 de Junho de 1992


 Coisas boas em jornais



A Stephens fechou e houve quem chorasse por ela.
«A Marinha já não o que era»


ISABEL Constâncio desligou a máquina que há 24 anos — completos naquela derradeira manhã — a acompanhava no seu dedicado trabalho de operária vidreira da Fábrica Stephens. «Não sei como vou poder ficar em casa a ouvir as sirenes de outras fábricas». As lágrimas caem-lhe pelo rosto, como se esta mulher — de aparência tão forte — representasse o papel de heroína de um filme a preto e branco da fase neo-realista italiana.


O último dia da Fábrica Escola Irmãos Stephens começou como qualquer um dos outros milhares de dias que preencheram os mais de duzentos anos da história da Marinha Grande. Cada operário ocupou o seu posto como se fosse cumprir uma missão superior. O fiscal da linha de fabrico continuava a rejeitar, com um X desenhado a tinta vermelha, as peças imperfeitas; o olhar de cada trabalhador seguia, atento, cada uma delas a desfilar rumo ao armazém. 


No final do dia, todos deixaram a fábrica arrumada, pronta para reabrir no dia seguinte, não obstante cada um deles compreender, com precisão, a inutilidade dos seus últimos gestos, o patético da rotina, a impossibilidade de qualquer esperança. O enorme espaço vazio transformou-se numa espécie de catedral — um monumento ao dia findo e aos milhares de dias que o precederam, até ao tempo em que esta e outras fábricas fizeram nascer a cidade, sem preverem tão injusta recompensa. Envolta já no lusco-fusco da tarde, ela parece, agora, eterna, perene, quase tão mágica como o cristal que fabricava.


ANTÓNIO Loureiro guarda num saco o que lhe resta das recordações daquele mundo que o transformou num especialista do cristal: uma cassete de música avulsa, um totoloto falhado, um comunicado sindical e por fim, quando já atravessava o portão de ferro forjado, a sua ficha de operário dedicado, que um colega lhe passou para as mãos. Em poucas palavras a ficha descreve a sua história e a de muitos outros que, sendo outros, são os mesmos. No primeiro dia de Setembro do ano de 1960, foi admitido. 


Recebia 12 escudos, diariamente. No verso, onde tinham registo as sanções disciplinares, a folha é orgulhosamente branca. António Loureiro é irrepreensível e não foi seguramente por sua culpa que a Fábrica fechou. Olha, uma última vez, para trás. A chaminé ainda fumega, mas já sem o fôlego dos dias felizes. Os fornos começaram a arrefecer há já alguns dias, mas uma morte, nem por ser programada, é menos triste. Nem sequer de eutanásia se trata, que nem todos os que dependiam daquela vida consentiram no seu fim. António caminhou para o largo fronteiro e juntou-se aos seus 200 colegas que, reunidos, se preparavam para prestar uma derradeira homenagem ao «ex-libris» da Vila.





DISCURSOS, flores, lágrimas, e meia dúzia de punhos já erguidos com timidez, quando o orador, sindicalista, ainda grita: «A luta continua.»
Uma operária exclama: «Fomos enganados! Mataram a nossa alma! Esta Marinha Grande já não é o que era». Tem razão — que é feita da vila operária, das tradições da greve geral de 1934? Como pode haver «vanguarda» se as novas fábricas de moldes funcionam com computadores e meia dúzia de operários?


Não foi só a Stephens que morreu, com ela foi-se a alma de muita gente. Ali se formaram gerações daqueles operários que vinham nos livros: com espírito de classe, solidários, firmes como o aço e transparentes como o vidro que fabricavam. Agora restam-lhes as palavras escaldantes que contrastam com o arrefecimento dos fomos que alimentaram a Fábrica e o espírito de luta de quem lá trabalhava. 


Também a luta arrefeceu, dando lugar à resignação. Podem dizer, como disseram, que o encerramento da Stephens é anti cultural, que é uma perda histórica, que é contra os trabalhadores e o povo da Marinha, mas sabem, de antemão, que é impossível voltar atrás. Todos os tempos deixam saudades, mesmo os piores, aqueles de uma jorna de 12 escudos — e todo o presente cria revolta. Pelo passado e pelo presente se gritam, em tom de futuro, as palavras mágicas de quem nada mais pode dizer — «A Luta Continua! A Luta Continua! A Luta Continua!» Uma operária destaca-se do grupo e, de câmara fotográfica em riste, tira o último retrato.
Os tempos mudaram...

EXPRESSO, Sábado, 13 de Junho de 1992



Fotos Luiz Carvalho, copiadas do jornal Expresso




A Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande

Foto da gravura encontrada em marcasdasciencias.fc.ul.pt

(...) Após a morte de Guilherme Sephens a fábrica passou a ser administrada pelo seu irmão, João Diogo, que, apesar de algumas dificuldades, nomeadamente durante as invasões francesas, manteve um extraordinário desenvolvimento e progresso. Em 1826, João Diogo faleceu deixou em testamento a Fábrica à “Nação Portuguesa”. Demoraria cerca de dois anos até que o governo decidisse que, não tendo capacidade para administrar a Fábrica, iria abrir concurso para a sua exploração. Entre 1827 e 1919 a Fábrica conheceu vários arrendatários e tempos de prosperidade, realizando grandes projectos que desenvolveram tecnologicamente a Fábrica, produzindo vidro de grande qualidade, e períodos de grandes dificuldades, chegando mesmo a encerrar e os trabalhadores terem de procurar emprego na construção de estradas ou limpezas do pinhal.
Em 1919 o Governo decide iniciar a sua exploração através de Comissões Administrativas. Destaca-se o período (1928-1966) em que a administração esteve a cargo do Engenheiro Acácio Calazans Duarte. Além do grande desenvolvimento tecnológico que deu à Fábrica, passou a ser obrigatório a formação dos aprendizes dos sectores de decoração, pelo menos em desenho e a frequência da escola nocturna da Fábrica, pelos menores analfabetos que ali trabalhavam. 
 A partir de 1954 um novo regulamento reformula a Fábrica, transformando-a num centro de desenvolvimento da indústria vidreira. Passou a designar-se Fábrica Escola Irmãos Stephens. Fabricava cristalaria de qualidade, desenvolveu a vertente artística do vidro, tendo contado com algumas parcerias, entre elas, com a Escola Nacional de Belas Artes. Em 1957 passou a ser superintendida pelo Instituto Nacional de Investigação e em 1977 passaria a Empresa Pública, conhecendo várias administrações até ao seu encerramento em 1992. Em 1993 foi adquirida pelo dinamarquês Jorgen Mortensen e reactivada. Actualmente já não de encontra em laboração.
(In, iejclubedopatrimonio.blogspot.pt - 29 de Janeiro de 2011Ler tudo aqui