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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Paul Newman - O doce pássaro

por
João Bénard da Costa
A Casa Encantada
Público, Domingo 5 Outubro 2008


Post reformulado, retirei o recorte do jornal Público 
e coloquei apenas o texto de João Bénard da Costa.

Geraldine Page como Ariadne Del Lago e Paul Newman como seu amante, Chance Wayne, fumando haxixe juntos 
em uma cena da produção da Broadway "Sweet Bird of Youth" de Tennessee Williams. NY. 1959. Gordon Parks.


1. A gente nunca imagina o que a vida nos reserva. Nos anos 40 e 50, nunca imaginei que havia de chegar o dia em que Alportuche deixasse de ser a minha praia na Arrábida e no mundo. Nos anos 60 e 70, nunca imaginei que fosse desaparecer a Praia dos Pescadores, quando, depois de carregado luto pela praia da infância e da adolescência, a ela me costumava a habituar. Já nesses anos a entremeava com o Quereiro, a duna meigamente opulenta que fica no fim do Portinho. Nos anos 80 e 90, ela tornou-se quase um exclusivo como exclusivas eram as idas e vindas no yellow boat, dos restaurantes do Portinho (Galeão, primeiro, Beira Mar, depois) até esse areal relativamente longínquo – que alguns, menos preguiçosos, percorriam a pé, em coisa de vinte minutos. Mas o século XX acabou e, no actual, a opulência do Quereiro foi-se, como se foi a meiguice. Este ano, a devastação completouse. Duna de areia? Digam antes cova com areia, que tudo que era convexo côncavo se tornou, com a mesma mágoa sem remédio com que assistimos a semelhantes esvaziamentos nos humanos. “Também morre o florir de mil pomares / e se quebram as ondas no oceano”, como escreveu Sophia há muitos, muitos anos.
Assim, de praias na Arrábida o que resta? Uma língua de areia a meio do Portinho, cheia de barracas e palhotas de colmo, onde me dizem que em Julho e Agosto (que eu nesses meses não apareço por lá, senão quando estou muito distraído) se juntam carcavélicas multidões. E eis que chegado a esta idade, eu, crescido embora (Nuno, direitos de autor) em praias quase privativas, me vejo obrigado a palhotas dessas, após uma caminhada de um quarto de hora por um caminho infecto, povoado de dejectos, acotovelando-me com turistas de meia-tigela ou famílias barrigudas, alimentadas a doritos.

Paul Newman falando com Tennessee Williams, depois da estreia da 
peça "Sweet Bird of Youth" na Broadway.  NY. 1959. Gordon Parks.

2. Sábado 27 de Setembro. Sozinho, percorro eu esse melancólico carreiro, quando, numa volta dele, o telemóvel desata a tocar. O número nada me dizia, mas atendi. Do outro lado, uma voz feminina pedia desculpa pelo “incómodo”, mas não sabia se eu sabia que tinha morrido “o actor Paul Newman”. Eu não sabia. Então perguntou-me se eu não queria dar um depoimento (era de uma rádio) sobre “como me situava face à morte do actor Paul Newman”. “Como me situava?”, respondi e perguntei algo atónito. Apeteceu-me dizer-lhe que me situava numa curva de caminho escabroso, mas, como nos vamos habituando a tudo, aceitei o tal comentário, debitando meia dúzia de lugares-comuns ou de clichés feitos. Acho que até cheguei aos jeans e aos olhos azuis. No fim, a senhora, menina ou lá o que fosse saiu-se com esta: “Mas lamenta ou não lamenta a morte do actor?” Só nessa altura desliguei.
Apesar de saber Paul Newman moribundo e de saber até que deixara o hospital onde fora vencido pelo cancro, para poder morrer em casa dele e na cama dele, a notícia não me deixou igual ao litro. Quase cinquenta anos da minha vida os vivi com Paul Newman e passei mais horas com ele, em salas escuras, do que com quase todos os mortais que conheço.
O céu, num dia glorioso, tinha a cor dos olhos de Newman. Mas, quando olhei para o mar, não me consegui lembrar, do pé para a mão, de nenhum filme com Newman à beira dele. Não tardei a lembrar-me. Até do meu favorito (tudo bem pesado) que é a adaptação de Richard Brooks da peça de Tennessee Williams Sweet Bird of Youth (1962) que em Portugal se chamou – vá-se lá saber porquê – Corações na Penumbra. Mas se, nesse filme, como em tantos outros (quase todos os dos anos 60 e 70) são recorrentes os planos do torso nu do actor – esse torso de estátua grega, quando a pedra parece carne e apetece mordê-la –, esses planos não têm que ver com praias ou banhos de mar. Depois, pensei que o mesmo se passa com quase todos os filmes de Marlon Brando, nos anos da sua juventude, e se passa com todos, todos mesmo, de James Dean. Essa trindade de actores, que impôs definitivamente o Método de Strasberg e Kazan em Hollywood, depois de o ter imposto nos palcos, e que vivia tanto dos formidáveis ou atrevidos rostos como da beleza dos corpos, despiu-se largamente da cintura para cima (da cintura para baixo, nesses tempos, nenhum homem se despia em filme que se visse), mas, se a nudez era tão perturbante, tal se devia a estar mais associada a casas e camas do que a espaços livres. Talvez porque, nestes, a seminudez masculina fosse e seja visão habitual que, nos melhores casos, se pode admirar mas não cobiçar, enquanto nos outros já havia o acréscimo da transgressão em que o homem sem camisa levava a pensar no homem sem calças. Quem diz homem diz mulher? Talvez, mas já não estou tão certo e não é para digressões dessas que estou aqui hoje, regressado de férias. 



Tributo a Paul Newman (1925-2008).


3. Volto ao meu Sweet Bird of Youth. Paul Newman criou o papel no palco em 1959, numa encenação de Kazan, e essa criação, como as que teve no Picnic de William Inge ou em Desperate Hours de Joseph Hayes, foram decisivas não só para o impor como actor, como para os contratos subsequentes com Hollywood.
Mas entre a peça e o filme há modificações de bom tamanho e quase todas motivadas por razões censórias. A peça terminava com a castração de Newman pelo clã Finley, que assim se vingava da relação provocantemente sexual que este tivera com o anjo da família, sintomaticamente chamada Heavenly (e celestial foi Shirley Knight, que criou o papel nas telas, e celestial não sei se o foi Diana Hyland, que o criou nos palcos e nunca vi em vida minha). O love-ticket a que o irmão de Heavenly se refere era o propriamente dito. No filme, não havia nenhuma castração. O que ficava esmagado no final era o belo rosto de Newman, após uma sova bruta. Chamaram a Brooks “the chief castrator of honestly cynical stage art” e a esse nal “the cup-out ending to beat all cup-out endings”.
Nunca concordei. E nunca concordei porque, no filme pelo menos, o “sweet bird of youth” de Paul Newman está muito mais na cara e nos olhos (esses olhos de que a câmara se aproxima cada vez mais, cada vez mais) do que no sexo, ou mesmo na relação com Heavenly. É certo que ele é o gigolo de uma envelhecida ex-star (prodigiosa Geraldine Page, que também fizera o papel nos palcos), é certo que é esta quem, acariciando-lhe o torso (nu), fala de “sure hard gold”. Mas esse ouro, se brilha no corpo, brilha ainda mais no olhar azul e louro de Newman. Ora se esse olhar (“your good look”) é o que fundamentalmente revela a personagem, na sua crucial divisão, é esse olhar que é preciso destruir e é esse olhar que é efectivamente destruído, quando Shirley Knight, vestida de branco, o leva no Cadillac negro, no final. Face à personagem criada por Williams e Brooks (mesmo que de costas viradas um para o outro) esse final é mais coerente do que uma escabrosa cabidela. Não é “Hollywood frou-frou”, como à época se disse, mas é o final inteiramente poético que as personagens pediam e mereciam. Em Sweet Bird of Youth, Richard Brooks apenas levou mais longe e mais dentro o que já fizera, três anos antes, quando adaptou, também com Newman e também de Williams, Cat on a Hot Tin Roof. A homossexualidade ou frigidez da personagem (casado com uma “gata” que era nem mais nem menos Elisabeth Taylor) não é explicitada no filme, mas cada plano do corpo de Newman reenvia à carnalidade abafante dessa família de tragédia grega. 

Paul Newman às compras com sua mulher, Joanne Woodward. NY. 1959. Gordon Parks.


4. Paul Newman foi grande quase até ao fim, pois só em 2005 se retirou. O célebre “good look” era ainda bem visível (talvez “the best look”), quando finalmente lhe deram o Óscar em 1986, pela sua criação em The Color of Money de Scorsese, sintomaticamente um remake do prodigioso The Hustler de Robert Rossen, em que já era esmagado e esmigalhado e em que já era tão sensualmente masculino como joguete de deuses, que uma inusitada fragilidade não lhe permitia dominar.
É talvez por isso – resumindo e simplificando muito – que eu nunca concordei com os que o consideravam uma réplica menor de Brando ou de Dean. Percebo Kazan, quando este disse que ninguém como Newman compreendeu o espírito do Método, representação de contradições. Os braços suplicantes, as mãos que tremem enquanto diz “Listen to me” ou tantas outras marcas da escola nunca são nele cliché fácil, mas o sinal do desacordo entre tão belo exterior e tão convulso interior. Exemplo flagrante e quase inicial: a sua versão de Billy the Kid, de Arthur Penn e Gore Vidal (The Left-Handed Gun, 1958) quando o teenager William Bonney (Billy) era apanhado por uma guerra absurda e dela trouxe a amargura revoltada que o levou a matar sempre por uma razão e sem razão, em desenraizamento longínquo e final. Quando o filme se estreou em Portugal, em descoberta quase simultânea de Arthur Penn e de Paul Newman, com o título parvíssimo Vício de Matar, Ruy Belo, que aqui evoquei na minha última crónica de Verão, escreveu um poema espantoso. Esse que começa com a pergunta  “Para onde há-de ir billy the kid?”. E mais adiante: “O caminho da ida e o caminho da volta / não são afinal o mesmo caminho / Billy conhece agora o destino. Sempre inquieto sempre a correr / amou a vida como se amar fosse morrer / Sabe-lhe bem ser de novo menino.”
Releio o poema e penso em Paul Newman. Ele foi tão grande em velho. Ele foi tão bonito em velho. Mas quando pensamos nele – doce pássaro – é a juventude o que mais lembramos, é o novíssimo Paul Newman – corpo e olhar ou corpo e alma – de quem temos mais saudades. E sabe-nos bem que ele seja de novo menino. Mudando Billy por Paul: “Paul que nunca soubera fugir / nem mesmo pergunta para onde há-de ir.

João Bénard da Costa
A Casa Encantada
Jornal Público
Domingo 5 Outubro 2008


Repare-se na expressão do rosto da mulher que está sentada ao lado 
de Paul Newman num programa de TV em 1958. Leonard Mccombe.

Paul Newman. 1967. Mark Kauffman.



(Fotos LIFE Archive)



quinta-feira, 10 de maio de 2012

Otto Preminger e o factor humano

"Eu não recebo conselhos de actores,
eles estão aqui para trabalhar"
Otto Preminger



O actor Otto Preminger 

Aos 4.05m tem uma cena de Otto Preminger, como oficial nazi Oberst von Scherbach,  chefe do Stalag 17, campo de prisioneiros alemão, no filme de Billy Wilder do mesmo nome de 1953 e que se chamou em Portugal; "O Inferno na Terra". As suas aparições no filme "roubam a cena" devido ao seu enorme carisma, além de sua composição caricata que, propositadamente, beira o ridículo - vale lembrar que, assim como Wilder, Preminger também era austríaco e judeu, e fora para os Estados Unidos fugindo da sombra nazi que já "rondava" seu país antes mesmo da eclosão da guerra; os dois cineastas também brincam aqui com a fama de Preminger, conhecido por ser rude e desagradável com seus actores - é como se o seu oficial nazi fosse uma paródia dele mesmo. 
(In, cinemacommel.blogspot.pt)

Olha que dois austríacos: Billy Wilder e Otto Preminger, 
um encontro nas filmagens do filme "Porgy and Bess", 1959.

«Tirânico, autoritário e intransigente. Esses são os adjectivos mais lembrados pela maioria dos actores e da equipe técnica que trabalhou com Otto Preminger. De fato, ele não tolerava incompetência, conversa fiada e tempo perdido. Nas suas mãos, era comum ver profissionais chorando, sendo humilhados, abandonando os sets, sendo demitidos – e readmitidos mais tarde. Para cada um que tivesse uma palavra de carinho a seu respeito (John Wayne, Henry Fonda, Joan Crawford, Dana Andrews, Don Taylor, James Stewart, Burgess Meredith e Frank Sinatra), havia outros tantos que lembravam da sua figura com um certo amargor ou até mesmo desprezo. (Karl Malden, Alice Faye, Kirk Douglas, Robert Mitchum, Linda Darnell, Dyan Cannon, Liza Minnelli, Jean Serberg e Tom Tryon). Em seus filmes, não havia espaço para improvisações. Ao actor era terminantemente proibido se afastar do argumento. E ai daquele que o procurasse com dúvidas sobre a psicologia do personagem. Para Preminger, o estilo Actor´s Studio de representar não passava de uma grande patetice.


Otto Preminger e Saul Bass durante a preparação do genérico para o filme "Anatomy of a Murder" (Anatomia de um crime,1960), Gjon Mili e durante as filmagens de "In Harm's Way" (A Primeira Vitória, 1965). Ralph Crane.


Otto Ludwig Preminger nasceu em 05 de dezembro de 1905 (ou 1906, segundo algumas fontes). Embora haja dúvidas em relação à sua cidade Natal (poderia ser Wiznitz, na Roménia, ou Rozniatow, na Polónia), seu biógrafos atestam que ele não nasceu em Viena. De todo o modo, Preminger se mudou para a capital austríaca aos 10 anos, quando seu pai Markus, foi transferido na condição de conselheiro jurídico da corte militar. Ainda na idade escolar Preminger logo começou a mostrar um interesse pelas artes, especialmente pelo teatro, ópera e literatura. Em 1922, ele já havia desempenhado pequenos papéis em montagens amadoras de Shakespeare. Sua sorte mudou no ano seguinte, ao conhecer o director teatral Max Reinhardt, pelas mãos de quem Preminger teria suas primeiras chances como actor profissional.


Otto Preminger ensaindo com Sidney Poitier em "Porgy and Bess", 1959 e Otto Preminger demonstrando com a actriz Jill Haworth como ele quer uma cena para o filme "Exodus", 1960.


A essa altura do campeonato, Preminger decidiu que sua vida estava no palcos e não na Faculdade de Direito que já frequentava. Para desconforto do pai, ele trancou a matricula do curso (que acabaria concluindo em 1928), e se enfiou de vez no mundo dos espectáculos. Entre 1926 e 1931, peregrinou por vários teatros da Europa e começou a dirigir algumas peças. A experiência chamou a atenção de alguns produtores que aceitaram patrocinar o seu primeiro trabalho para o cinema: "Die Grosse Liebe" ainda na Áustria em 1931.


Otto Preminger dirigindo Sidney Poitier e Dorothy Dandridge no filme "Porgy and Bess" 1959, e Otto Preminger dirigindo Dorothy Dandridge e Diahann Carroll no mesmo filme.


Otto Preminger dirigindo Sidney Poitier e Dorothy Dandridge no filme "Porgy and Bess" 1959.


Otto Preminger dirigindo Sammy Davis Jr. no filme "Porgy and Bess" 1959


Nesse momento, Preminger já era um nome associado à produção cultural de Viena. Em 1933, assumiu a direcção do teatro criado anos antes por Reinhardt. Em 1934, recebeu um convite do Governo da Áustria para tomar conta da companhia teatral do país, o que foi obrigado a recusar por motivações religiosas. Ironicamente a oportunidade perdida salvaria sua vida, já que, em 1938, quando Hitler invadiu a Áustria e começou a exterminar um judeu a cada esquina, Preminger estava dirigindo filmes em Hollywood, a quilómetros de distância da Europa.
Sua retirada da Europa começou a se desenhar em abril de 1935. Nesse ano, Preminger foi procurado pelo americano Joseph Schenck, um dos executivos da recém criada Twentieth Century-Fox. A fama de Preminger como director teatral atravessara o Atlântico e Schenck queria levar toda a aquela competência de que ouvira falar para a terra do Tio Sam. Preminger não pensou duas vezes e disse: "jawohl!!". Seu navio aportou nos EUA em 21 de outubro de 1935, data que ele consideraria para sempre como seu segundo aniversário.» (In, cineplayers.com)
 Ler aqui a biografia completa de Otto Preminger


Entrevista  a Otto Preminger, 1972.


Otto Preminger dirigindo Paul Newman no filme "Exodus", 1960.


Otto Preminger dirigindo Eva Marie Saint no filme "Exodus", 1960.


 Otto Preminger durante as filmagens do filme "Exodus", 1960.


 Otto Preminger durante as filmagens do filme "Exodus", 1960.



(Fotos Gjon Mili e LIFE Archive)




domingo, 29 de abril de 2012

Lew Archer - Ross Macdonald



"Não há nada errado com a Califórnia que um 
aumento do nível do oceano não possa curar" 
Lew Archer - Ross Macdonald, The Drowning Pool (A Piscina da Morte), 1950.


Paul Newman, o rosto de Archer no cinema, lendo um jornal enquanto um barbeiro dá um toque no seu cabelo, durante a rodagem do filme Harper, Detective Privado (Harper, 1966) de Jack Smight, baseado no livro The Moving Target (O Alvo em Movimento, 1949) de Ross Macdonald. Mudar de Archer para Harper o nome do detective privado, foi uma exigência de Paul Newman, que achava que o H no inicio de um nome lhe dava sorte. Foto encontrada em ontheset.tumblr. 


«Morto o ano passado  (1915-1983), Macdonald deixou aqui um thriller em cheio. O detective é de novo Lew Archer (nem um murro, nem um tiro, mas uma cabeça e uma obstinação certinhas). Há petróleo e sangue aos borbotões, ódios e paixões inchados no silêncio dos anos, poder e queda. Basta um dia e pouco a Archer para deslindar o insolúvel. Lê-se em menos tempo e a solução é um espanto.» (Alfacinha da Silva, nota á edição de O Alvo em Movimento na Caminho Policial (nº 4) em, Grande Reportagem, 18-01-1985)


Aos Editores de Livros


Dos 24 livros escritos por Ross Macdonald, falta editar em Portugal estes tres livros: The Doomsters - 1958,  The Wycherly Woman - 1961 e The Blue Hammer - 1976. Por favor, mexam-se.



Há certas famílias cujos membros deviam viver em cidades diferentes - diferentes 
provincias, se possível -. E escrever cartas entre si apenas uma vez por ano " 
Lew Archer - Ross Macdonald, The Blue Hammer - 1976



Ross Macdonald nasceu Kenneth Millar, em Los Gatos, perto de San Francisco, em 1915. Cresceu em Ontário, Canadá, no seio de uma família disfuncional, como quase todas em seus romances. A mãe sofria de distúrbios mentais; um belo dia, o pai saiu para comprar cigarros (um de seus temas predilectos é o do desaparecido) e nunca voltou; Kenneth acabou sendo criado por parentes e, aos 12 anos, bebia muito, praticava pequenos furtos e era um rufia de rua. Andou um tempo na faculdade, quando reencontrou uma namorada, a futura escritora Margaret Millar, que, como ele, se dedicou ao policial.
Com o pseudónimo de John Macdonald, publicou o primeiro romance, “The dark tunnel”, em 1944. Depois passou a assinar Ross Macdonald, para evitar confusão com outro autor do género, John D. Macdonald. 
A partir de “The Galton case” (1959), Macdonald criou um estilo narrativo próprio, algumas vezes criticado por ter um desenvolvimento previsível: a acção se desenrola com muita rapidez e precisão, com Lew Archer indo de um canto a outro sem parar, interrogando as pessoas, sem, contudo, conseguir evitar mortes no caminho. Archer avança como um “psicanalista-médium com olhos de raios-X” (para usar a definição do escritor Rodrigo Fresán), em busca de entender por que alguém não podia deixar de fazer o que fez.
O passado é a chave. Toda a explicação está lá, e deve-se voltar a ele, dolorosamente, para se decifrar o presente. Não se iluda: no fundo todos nós somos os culpados; temos taras, fortunas de origem inconfessável e cadáveres no porão. Em suas melhores novelas, como “Black money” (1965), o escritor mistura a culpa individual das personagens com a denúncia do crime organizado e do capitalismo americano. (In, oglobo.globo.com)



Um Olhar de Despedida de Ross Macdonald


Lew Archer desfaz os pequenos nós que vai encontrando durante a investigação, vai desfazendo uma pequena rede de anos de mentiras, sempre firme, senhor de si mesmo, elegante, com esse porte que o torna único, muito calmo, vai escavando como tivesse uma colher pequena a cavar um túnel enorme, sem pressa, sem pressão de ninguém, como um falcão que voa sobre suas presas esperando até que estejam esgotadas, Archer é magnífico. E tudo isso com esse cinismo que o caracteriza, tão acentuado, tão agudo, no momento exacto, cortante, frio, excelente; Com filosófica obstinação, o Detective Lew Archer procura a Verdade até quando ela não interessa ao seu cliente.

Ross Macdonald (1915-1983)
Foto de www.thrillingdetective.com
Lew Archer para a sua jovem cliente;

- Você não deveria estar aqui.

- Aonde devia estar?

- Em casa, lendo um livro.

- Dostoievski? - Respondeu com raiva.

- Um pouco mais leve do que isso.

- Como "Mulherzinhas"?, Eu acho que não me entende, Sr. Archer. Está a tratar-me como se fosse meu pai.

- E você como se fosse minha filha.
(In, viajealrededordeunamesa.wordpress.com)



Os primeiros livros de Ross Macdonald em Portugal


Os primeiros livros de Ross Macdonald, foram publicados pelas Edições Palirex, não sei bem em que data mas, seguramente antes do 25 de Abril. A colecção tinha o nome de Clube do Crime e Roussado Pinto (O "famoso" Ross Pynn) estaria envolvido nestas edições, com a colaboração de Dinis Machado (Dennis McShade), mas não consegui confirmar. Sei que as Edições Palirex estava bastante activa por volta de 1970, com vários tipos de edição de livros e até de cromos. Encontrei esta referencia de Dinis Machado a esses tempos, embora ele não se refira ás Edições Palirex. Ele refere-se  a Roussado Pinto e á Editorial Íbis e a uma colecção chamada Rififi, mas eu creio que Ross Macdonald nunca foi editado pela Rififi. Pelo menos eu nunca encontrei nenhum durante anos de andanças pelos alfarrabistas.

«Fui chamado para a Íbis pelo Roussado Pinto para dirigir a colecção Rififi, que era uma espécie de contraponto à Vampiro, mas muito mais desalinhada. Às vezes aparecia-me o restolho dos americanos, acho que cheguei a publicar o Dashiell Hammett e também o Raymond Chandler. E depois apareceram autores que eram considerados menores, como o Ross MacDonald ou o Frank Gruber, e que eu utilizava também como suportes do trabalho que eu queria fazer. Lia-os com o meu americano, sabia como é que diziam as coisas, aquela forma seca. A Censura fechava um bocado os olhos, achavam que aquilo não era importante. Não levavam a sério. Mas deviam.» 
(Dinis Machado entrevistado por Viriato Teles em viriatoteles.net)



Livros de Ross Macdonald editados pela Caminho Policial


Uma das melhores colecções de Policiais editadas em Portugal foi a Caminho Policial. Li em qualquer lugar que era dirigida por Salvato Teles de Menezes. Fosse quem fosse, era uma pessoa que sabia o que fazia. Creio que esta colecção começou nos anos 80 e durou até depois do ano 2000. 


Das balas ás palavras

por
Fernando Santullo Barrio


«A partir do romance Find a victim, 1954 (À Procura de uma Vitima) e, em particular de The Barbarous Coast, 1956 (A Costa Maldita), seu livro seguinte, Ross Macdonald começou a levar o seu detective para novos lugares narrativos: se os personagens de Dashiel Hammett, Raymond Chandler, Horace McCoy e outros percursores do género policial faziam a acção disparar com as suas investigações, o detective Archer de Ross Macdonald é cada vez mais nas próprias palavras do autor "um catalisador não intencional da acção."
É aqui que está a ruptura com os outros. A viragem com que Ross Macdonald fica longe das suas influências literárias: a violência e a miséria humana não surgem espontâneamente, não vêm do nada, há sempre uma "história de família" que ao ser reconstruída pode ajudar a explicar as irregularidades de comportamento e tragédias actuais. Isso não significa que a violência nos seus livros é menor. Ou que a nitidez expressiva que caracteriza os diálogos de Ross Macdonald desaparece. Em contraste, a densidade psicológica dos conflitos e as relações dos personagens, dá uma nova carga de sentidos e significados para as acções de Lew Archer, as suas palavras e de seus entrevistados. Simultâneamente, desloca a origem (e a possível resolução dos conflitos) no tempo, tornando-se muito menos apreensíveis as causas do problema. Não há nada de excepcional nos métodos de investigação de Archer: faz perguntas, ouve as respostas e junta os dados, observa os rostos daqueles com que se cruza e deixa cair comentários precisos sobre o que estes dizem, sobre o passado que carregam.
Ross Macdonald morreu em 1983, vítima de doença de Alzheimer, depois de ter sido presidente da Sociedade de Escritores de Mistério da América por quase vinte anos. A riqueza de seu trabalho fez dele o escritor mais reconhecido a nível critico e académico. A densidade de sua visão das relações humanas, faz da sua obra um mais poderosos esforços literários do século.»
(In, www.henciclopedia.org.uy) Ler Tudo Aqui


Livros de Ross Macdonald editados pela Europa-América


 Estes são os primeiros livros escritos por Ross Macdonald. Ainda não havia Lew Archer. 


Estes são os restantes editados pela Europa-América até agora. São todos bons.



"Ross Macdonald é, realmente, do melhor. Talvez, 
até, um pouco mais: no policial, ele é o melhor."


«Imaginem um inventor de jogos. Um homem ou uma mulher cuja tarefa fosse a de criar algo como o xadrez. Ou as damas. Ou o Poker. Ou o cubo mágico. Independentemente da sua dificuldade, um jogo tem regras internas, um objectivo que se define simultâneamente como um desafio, oferece um número razoável, mas finito, de possibilidades e, no fim, terá testado a inteligência e a criatividade dos jogadores.
Nenhum livro pode ser visto tanto como um jogo, quanto um romance policial. E é por isso mesmo que, desse ponto de vista, o seu autor tem algo de um inventor de jogos. Alguns, naturalmente, escreveram livros ao nível do jogo do galo, nada mais. Mas Ross Macdonald apresentou, em matéria de policial, o xadrez. Nada menos. (...) os seus textos têm, também, uma grande consistência literária. Podem duvidar. Mas apraz-me mostrar um par de exemplos. O narrador, um detective profissional, descreve o cliente, que acaba de conhecer: " Keith Sebastian saiu da casa em mangas de camisa. Era um homem elegante, nos seus quarenta e tal, com espesso e encaracolado cabelo castanho, grisalho nos lados. Estava ainda por barbear, e o seu crescer de barba parecia sujidade fibrosa, que tivesse sido esfregada no rosto". Ou, mais tarde, a propósito do mesmo Sebastian, com quem fora falar, no local em que este trabalhava, e onde uma secretária lhe disse que o ouvira chorar: "Eu gostava mais de Sebastian desde que soubera que ele tinha lágrimas dentro da sua cabeça encaracolada".
(In, leitordeprofissao.blogspot.pt) Ler Tudo Aqui


Outras Edições


O livro da esquerda (The Underground Man - 1971) é o nº 1 de uma colecção chamada Gato Preto, editado pela Portugal Press, mais uma vez Roussado Pinto esteve envolvido. O segundo livro (The Chill - 1964) é uma edição do jornal Público. O terceiro é uma colectanea (The Archer Files - 2007) de contos que foi editada em Espanha (entretanto saiu no Brasil). Todos os contos envolvem Lew Archer e foi organizada por Tom Nolan, que é considerado o maior conhecedor da obra de Ross Macdonald e que também escreveu a sua biografia (4ª foto), e se não for demais o pedido, era bom que os editores editassem os dois últimos.



Para terminar deixo aqui mais esta de Lew Archer - Ross Macdonald:


"Nunca durmas com alguém, cujos 
problemas sejam maiores que os teus."




domingo, 8 de abril de 2012

O Beijo no Cinema


por 

Alves Costa

publicado no jornal  A Capital em 17-04-1971


Coisas boas em jornais

Esta é a primeira imagem sempre em movimento de um beijo. Foi seleccionado para preservação no National Film Registry. Cena de uma comédia de palco, "A viúva Jones", interpretado por May Irwin e John C. Rice. De acordo com o historiador de cinema Edison C. Musser, os actores encenaram o beijo para a câmara, a pedido do jornal New York World, e o filme resultante foi o mais popular filme Vitascope Edison em 1896. Filmado Abril de 1896, no Edison's Black Maria Studio. Embora Alves Costa no texto diga que foi em 1895. Foto encontrada em museucine.wordpress.com.


ENQUANTO os irmãos Lumière se preparavam para apresentar o seu cinematógrafo, já nos kinetoscópios de Edison podiam ver-se imagens reais em movimento. Edison não tinha conseguido encontrar um processo de projectar convenientemente os seus filmes sobre um grande écran. Nos kinetoscópios, o espectador espreitava por uma luneta para ver pequenos filmes de um minuto. A imagem exibida era muito pequena e mal iluminada, E os assuntos pouco variados: uma luta greco-romana, uma mulher a atirar ao alvo, um acrobata, uma dança de selvagens, habilidades de um malabarista, um fumador de ópio ou o revoltear de uma bailarina envolta em véus transparentes. Os kinetoscópios funcionavam como uma slot machine e eram postos, em número variável, à disposição do público, com outros aparelhos de diversão ou de jogo, em vastos recintos conhecidos pelo nome de Penny Arcades. Isto passava-se no fim do século XIX. Na mesma altura, fazia grande sucesso, num dos teatros da Broadway, um momento da comédia "A viúva Jones" em que os artistas May Irvin e John C. Rice davam um beijo em cena. Para renovar os assuntos habituais dos filmezinhos dos kinetoscópios, Raff e Gammon tiveram a ideia de filmar esse momento em grande plano. Os dois artistas foram fotografados a meio busto. Encostavam os rostos e Rice aflorava os seus grandes bigodes a um lado da boca de Mary Irvin. E era tudo. Nem um nem outro eram já muito novos. O penteado, o rosto gorducho e a opulência do busto de Mary; a bigodaça e os altos colarinhos engomados de John dão a esta cena — vista hoje — um misto de ridículo e de encanto na sua enternecedora ingenuidade. 

Greta Garbo e John Gilbert em O Demónio e a Carne (Flesh and the Devil, 1926) de Clarence Brown. Foto encontrada em mythicalmonkey.blogspot.pt. / Clark Gable e Vivian Leigh em E Tudo o Vento Levou (Gone With The Wind, 1939) de Victor Fleming. Foto encontrada em weheartit.com.


O beijo de Mary Irvin e John Rice (0 primeiro beijo do cinema) foi filmado em 1895. Enquanto vista nos kinetoscópios, a imagem três vezes repetida desse beijo era tão pequena e tão pouco nítida que não despertou um interesse por aí além. Mas quando, um ano mais tarde, o filme pode ser projectado num écran, onde as figuras apareciam com o triplo do tamanho natural, foi um escândalo! E uma revista de Chicago, The Chap Book, de 15 de junho de 1896, referia-se-lhe indignadamente nestes termos : «Devem lembrar-se de que, numa peça recente, A viuva Jones, «miss» Mary Irvin e um certo John C. Rice trocavam beijos em cena. Nenhum deles era fisicamente atraente e o espectáculo dessa pastagem (sic) recíproca nos lábios um do outro já era difícil de suportar. Ao natural era grosseiro. Mas nada de comparável com o efeito que produz esta cena ampliada para proporções gigantescas e repetida três vezes de seguida. É absolutamente repugnante. Tudo o que resta do encanto de «miss» Irvin desvanece-se. A sua actuação torna-se indecente e de uma desmedida grosseria. Tais factos pedem a intervenção da polícia.» 


Burt Lancaster e Deborah Kerr em Até à Eternidade (From Here to Eternity, 1953) de Fred Zinnemann. Foto encontrada em wonderrland.blogspot.pt. / Marilyn Monroe e Tommy Noonan em Os homens Preferem as Loiras (Gentlemen Prefer Blondes, 1953) de Howard Hawks. Foto encontrada em www.thisismarilyn.com.


Passaram os anos... e o beijo voltou  a aparecer, uma vez por outra, no écran. Mas, ainda durante muito tempo, o beijo, no cinema, foi casto, tímido, fugaz e quase sempre no  rosto, antes de se tornar fim obrigatório e indispensável dos filmes de Hollywood. Hoje, é coisa tão natural, tão vista e tão vulgar que já mal se lhe presta atenção. Mas sessenta anos atrás perturbava seriamente os impressionáveis espectadores de cinema... Quando, em 1910, apareceram os primeiros filmes que mostravam dois apaixonados beijando-se na boca, o escândalo que causaram não fói menor do que havia causado, na América, o cândido Beijo de Mary Irvin e John Rice destinado aos espectadores solitários dos kinetoscópios quinze anos antes! O crítico do International Film Zeitung, Félix Holden, escreveria, amarguradamente chocado : «O beijo transformou-se totalmente. Os heróis do cinema já não se contentam com beijar-se rapidamente como nos bons velhos tempos. Agora unem os lábios demoradamente, com volúpia, e a mulher reclina a cabeça para trás em pleno êxtase.»... Referia-se aos filmes dinamarqueses...



Este beijo não pode ser mostrado em foto, tem de se ver toda a cena que está logo no inicio. Ele é, o melhor beijo de todos os filmes que vi e foram muitos. John Wayne e Maureen O'Hara em O Homem Tranquilo (The Quiet Man, 1952) de John Ford.


É que  os dinamarqueses, ao criarem a vamp (e a primeira e mais famosa delas foi a grande artista dramática Asta Nielsen), introduziram, também, nos seus filmes — então com grande expansão na Europa-- os beijos longos e apaixona-dos. Conta Georges Sadoul, em Le cinéma devient un art, que «os beijos à dinamarquesa chegaram a chocar também a Imprensa parisiense na primeira década deste século e que, por causa deles, frequentemente achavam que as fitas da Nordisk eram lascivas ou escabrosas». Então e ali — ao contrário do que iria acontecer no cinema de Hollywood — o beijo não se aliava a um fim feliz. No reino da Dinamarca o fim , trágico era de regra. Um pouco antes dos anos vinte, o cinema italiano atingira o apogeu. Depois da vaga de filmes histéricos que iriam influenciar até o cinema americano (consta que Griffith teria estudado o filme Cabiria antes de se lançar na realização de Intolerância), os italianos voltaram-se para o presente e, por seu turno, trouxeram a diva para os seus dramas passionais. E tão famosas, como Asta Nielsen, foram as mulheres fatais do cinema transalpino. A Lyda Borelli, a Francesca Bertini, a Pina Menichelli, a Hesperia, a Maria Jacobini vieram, então, perturbar os espectadores de todo o mundo, com as suas atitudes coleantes, o ardor do seu olhar, o arrebatamento dos seus beijos. 


Marlon Brando e Anjanette Comer em The Appaloosa (1966) de Sidney J. Furie. Foto encontrada em classicmoviestills.com. / Audrey Hepburn e George Peppard em Boneca de Luxo (Breakfast at Tiffany's, 1961) de Blake Edwards. Foto encontrada em www.foolzfun.com.


Mas, nessa altura, já não causavam escândalo, provocavam uma desmedida admiração. «Depois de 1914 - escreveria Sadoul, na obra citada — o divismo tornou-se loucura no cinema italiano. Enquanto que o star-system especula com o sex-appeal ou a beleza americana, na medida em que o público paga, na Itália os financeiros e os duques arriscavam a sua fortuna pelo amor de uma diva, de uma donna muta, como chamavam, então, ás estrelas italianas. Estes novos barões de Nucingen investiram os seus milhões em sociedades de produção onde as suas amadas eram senhoras absolutas. Produtores e realizadores tornaram-se fiéis escravos do prestígio e da beleza dessas mulheres idolatradas. Um romantismo semifeudal envolvia de latino ardor cada uma dessas donnas mutas que, agitando os seus belos braços e sacudindo a sua luxuriante cabeleira, conduziam, no meio dos paroxismos da paixão, o cinema ita1iano para a decadência e a ruína.» 
Também em Portugal não se escapou ao fascínio das divas. Em 1917, o beijo das divas era igualmente, entre nós, motivo para arrebatamentos inflamados... e publicamente confessados, como se vai ver. Em 1 de Junho de 1917, Leopoldo O'Donnell, empresário-gerente do Cinema Olímpia, de Lisboa, promoveu uma matinée de arte de homenagem a Lyda Borelli, Pina Menichelli e Francesca Bertini, precedida de uma conferência. Deste acontecimento deu conta a «Cine-Revista», no seu n.° 4, nestes termos: «As grandes trágicas do cinema foi o tema escolhido pelo distinto poeta António Ferro para a sua conferência cinematográfica realizada no dia um do corrente, em matinée de arte no Salão Olímpia. Facultado gentilmente pelo seu autor, começamos hoje a publicar esse primoroso trabalho. (...) A iniciativa do sr. António Ferro abre, sem dúvida, um movimento intelectual valiosíssimo em volta do importante papel reservado à cinematografia em todos os ramos da actividade e do saber humanos.»


Paul Newman e Joanne Woodward em A New Kind of Love (1963) de Melville Shavelson. Foto encontrada em www.acertaincinema.com.


A conferência é muito longa, mas vale a pena. reproduzir os parágrafos finais que António Ferro dedica ao beijo das divas homenageadas «Quero marcar bem, num rápido confronto, o temperamento de cada uma das trágicas de que falei. Para fazer, perdoem-me o arrojo, achei uma solução. Surpreender a sua alma através do seu beijo. O beijo é a melodia da alma, a melhor maneira de ela respirar, como afirma Edmond Rostand... O beijo é a síntese de todos os sentimentos, o sinete do amor. Assim, o beijo de Francesca Bertini é o beijo desvairado, o beijo que soluça, o beijo que se entrega, o beijo que floresce, o beijo doido, virgem, que apenas quer ser beijo. O beijo de Pina Menichelli é o beijo maldoso, o beijo que faz doer, que faz dos seus lábios punhais e dos nossos ferida, o beijo Judas, beijo fatídico que faz da boca taça onde ele é veneno que nos mata. O beijo de Lyda Borelli é, porém, o mais belo de todos, o mais cristão, o mais estilizado, jóia de preço que eu quisera ver nos meus lábios... É um beijo que, pelo burilado da forma, lembra um soneto de Verlaine. Depois deste delírio, António Ferro termina, sem dúvida sob entusiásticos aplausos da selecta assistência, com estas palavras: «Numa última síntese, o beijo de Francesca Bertini é o beijo humano, é o beijo mulher. O beijo de Pina Menichelli é o beijo diabólico, o beijo Satanaz. E, finalmente, o beijo de Lyda Borelli é o beijo divino, o beijo arte, o beijo Deus.» Era assim emocional e impressionável, como o reflectem estas palavras de António Ferro, como o reflectem palavras semelhantes publicadas em revistas da época, o público dos cinemas em 1917. O beijo das mulheres fatais, das grandes amorosas, deixara de ser escândalo. Era motivo de uma geral e alienadora admiração... tão ardente como risível. O tempo voltou a passar. O cinema evoluiu... e o público também. Hoje, já nenhuma vedeta do écran poderá gabar-se de provocar tais arrebatamentos. E o beijo, no cinema, tomado na sua dimensão natural, tornou-se moeda corrente... e desvalorizada.

Texto de Alves Costa, publicado no jornal  A Capital em 17-04-1971


Neve Campbell e Denise Richards em Ligações Selvagens (Wild Things, 1998) de John McNaughton. Foto encontrada em cinemaepoesia-felipe.blogspot.pt. / Javier Beltran e Robert Pattison em Little Ashes (2008) de Paul Morrison. Foto encontrada em cinemaepoesia-felipe.blogspot.pt.


Ewan Mcgregor e Jim Carrey em Eu Amo-te Phillip Morris em (I Love You Phillip Morris, 2009) de Glenn Ficarra e John Requa. Foto encontrada em cinemaepoesia-felipe.blogspot.pt. / Sarah Michelle Geller e Selma Blair em Estranhas Ligações (Cruel Intentions, 1999) de Roger Kumble. Foto encontrada em www.autostraddle.com




sábado, 10 de setembro de 2011

Tennessee Williams, "O Pássaro"


“PORQUE EU ESCREVO? PORQUE A VIDA NÃO ME SATISFAZ.”

Tennessee Williams


O Dramaturgo Tennessee Williams sentado no cenário da sua peça: Um Eléctrico Chamado Desejo. Na foto da direita: Marlon Brando ajoelhado diante da actriz Kim Hunter em uma cena da produção da Broadway de Tennessee Williams, encenada por Elia Kazan; Um Eléctrico Chamado Desejo. NY, 1947. Eliot Elisofon.


«Thomas Lanier Williams nasceu em 26 de março de 1911 em Columbus (Mississipi, EUA) e foi criado quase que inteiramente pela mãe, já que o pai trabalhava como caixeiro-viajante. Aos 17 anos, mudou-se com a família para St. Louis, e começou a estudar na Universidade do Missouri, onde ganhou o apelido de Tennessee devido a seu forte sotaque do sul. Era o período da Grande Depressão nos EUA, e o jovem enfrentou inúmeras mudanças de endereço e dificuldades com a família, sempre superprotegido pela mãe – e humilhado pelo pai, que o considerava “sensível demais”. Para extravasar suas frustrações, Williams se escondia no quarto para escrever peças, poesias e histórias que reflectiam o ambiente em que vivia. Sua irmã, Rose, sofria de esquizofrenia e passou boa parte da vida internada até ser lobotomizada em 1937, trauma que o dramaturgo carregaria para sempre.

Marlon Brando e Jessica Tandy na produção da Broadway de Tennessee Williams, 
encenada por Elia Kazan; Um Eléctrico Chamado Desejo. NY, 1947. Eliot Elisofon.

Marlon Brando, Kim Hunter, Karl Malden e outros na produção da Broadway de Tennessee 
Williams, encenada por Elia Kazan; Um Eléctrico Chamado Desejo. NY, 1947. Eliot Elisofon.


O calvário enfrentado pela irmã, a superproteção da mãe, a distância entre pai e filho; essas e outras experiências pessoais povoariam toda a obra de Williams. Em 1938, graduou-se pela Universidade de Iowa, deixando a família para morar na célebre região do French Quarter em New Orleans, onde assumiu de vez o nome Tennessee Williams. Após algumas peças teatrais amadoras e roteiros sem expressão para a MGM, estreou em Chicago a peça (The Glass Menagerie), em Dezembro de 1944, com óptima repercussão. Premiada pela crítica nova-iorquina, a peça foi apenas um prelúdio para o enorme sucesso de (Streetcar Named Desire) na Broadway, em 1947. Com Marlon Brando no papel de Stanley Kowalski, Jessica Tandy no de Blanche DuBois e direção do amigo Elia Kazan, a encenação combinava melodrama, sensualidade e simbolismo, rendendo a Williams seu primeiro prémio Pulitzer – o segundo viria com Gata em Telhado de Zinco Quente.

Geraldine Page como Ariadne Del Lago e Paul Newman como seu amante, Chance Wayne, fumando haxixe juntos em uma cena de Tennessee Williams, da peça da Broadway: Sweet Bird of Youth. NY, 1959. Gordon Parks.


O enorme impacto da versão cinematográfica de (Streetcar Named Desire, 1951), que chegou a sofrer cortes na época, trouxe popularidade a Williams e a peças como A Rosa Tatuada (1951) (escrita especialmente para a amiga Anna Magnani), Gata em Telhado de Zinco (1955), Orpheus Descending (1957), Corações na Penumbra (1959) e A Noite de Iguana (1961), todas adaptadas para o cinema.
Ao expor a hipocrisia da classe média, a loucura humana e a sexualidade sublimada pelas convenções sociais, as peças de Williams chocaram a conservadora sociedade norte-americana dos anos 1940 e 50, ao mesmo tempo em que atraíam o interesse de Hollywood e de uma nova geração às voltas com a revolução sexual em marcha. Em 1963, a morte do parceiro Frank Merlo, com quem vivia desde 1947 em New Orleans, agravou as crises de depressão do dramaturgo que definhava com o alcoolismo e viria a morrer em 25 de Fevereiro de 1983, após uma overdose de comprimidos e bebida. Ao lado de Eugene O’Neill e Arthur Miller, Williams continua a ser um dos maiores nomes da dramaturgia norte-americana.»
Texto encontrado em www.gradesaver.com


Paul Newman falando nos bastidores com Tennessee Williams após a estreia da peça da 
Broadway: (Sweet Bird of Youth), Corações na Penumbra. NY, 1959. Gordon Parks.

Tennessee Williams num selo dos CTT americanos. 



(Fotos LIFE Archive)