sábado, 18 de junho de 2011

O Escritor Prodigioso de Joana Pontes

Cartaz de O Escritor Prodigioso e Joana Pontes.

“ter de existir num tempo de canalhas
de um umbigo preso à podridão de impérios
e à lei de mendigar favor dos grandes”
(Jorge de Sena)


«Não é todos os dias que surge um documentário sobre Jorge de Sena (1919-1978). Numa RTP vocacionada para "polémicas" a propósito de todas as chicanas políticas ou sobressaltos futebolísticos, é mesmo normal que um dos maiores vultos da cultura portuguesa do século XX seja tratado com a olímpica indiferença das rotinas de programação.
Mas vejamos a questão pelo lado positivo de facto, o documentário passou (sexta-feira à noite, na 2:) e só por isso, face à miséria mediática feita de Cofres e seus derivados, importa saudar a sereníssima RTP. O Escritor Prodigioso (2005), de Joana Pontes (produção Laranja Azul), é um genuíno objecto televisivo, empenhado em resgatar do silêncio a vida e a obra de um génio, não à procura de nostalgias mais ou menos piedosas, antes analisando o que nelas pode ajudar a compreender o nosso ser português.

Joana Pontes durante a rodagem de O Escritor Prodigioso.
Foto de Rui Branquinho


Desde o início da voz off de Joana Pontes, O Escritor Prodigioso apresenta-se como o resultado de uma trajectória pessoal de descoberta e investigação. O essencial passa por uma conversa com Mécia de Sena, conversa obviamente alheia a qualquer visão "heróica", antes propondo uma série de memórias, públicas e privadas, que nos possam ajudar a percorrer um pouco da riquíssima personalidade do seu marido.
Daí decorre, aliás, uma das componentes mais polémicas do documentário, dessas que a RTP não sabe ou não quer valorizar. Na verdade, O Escritor Prodigioso não tem nada de "oficial", não procura o retrato "neutro" de um grande criador.


Joana Pontes, Rui Branquinho e João Ribeiro (?) durante a rodagem de O Escritor Prodigioso.
Foto de Rui Branquinho


Bem pelo contrário estamos perante um trabalho que, com salutar frontalidade, coloca a questão de saber como e por que razões Sena foi "distanciado" da vida cultural portuguesa, acabando por nunca regressar do seu exílio americano. É uma questão que se dirige, de uma só vez, ao Estado português e à Universidade. Dito de outro modo: a sua gravidade não cabe na formatação retórica de muitos telejornais, nem no dramatismo pueril dos mais correntes espaços de debate. Nesse sentido, importa não termos medo do paradoxo e sublinhar que, no actual contexto, a discrição promocional que envolveu O Escritor Prodigioso faz justiça ao próprio objecto.


Joana Pontes e Rui Branquinho durante a rodagem de O Escritor Prodigioso.
Foto de Rui Branquinho.


Sena foi, afinal, um dos arautos de um desejo de viver Portugal para além da miséria dos jogos e invejas de bastidores. Como Eduardo Lourenço sublinha num dos depoimentos do documentário, havia nele "uma vontade épica" que nos transcendia (e transcende). Daí a terrível dúvida existencial em que O Escritor Prodigioso desemboca. João Bénard da Costa, outro dos entrevistados por Joana Pontes, enuncia-a de forma luminosa se Sena reconheceu Portugal, onde está o Portugal capaz de o reconhecer? Não, por certo, nos valores que dominam a programação da RTP.» 
(João Lopes, DN, 18 Setembro 2005) Ler aqui

 Joana Pontes numa escola para ver e debater o documentário.
Fotos encontradas na net


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