quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Quem tem cu tem medo (Ditado Antigo)

Coisas encontradas em jornais


 Vasco Pulido Valente, sábado 19-01-13.


3 DIAS DEPOIS

Vasco Pulido Valente, terça feira 22-01-13.



«Um tipo malcriado não se mede só pelas maneiras. Extremamente malcriado é a pessoa que se serve de uma qualquer mais-valia para esmagar os mais fracos.
Ex: Vasco Pulido Valente (no género desagradável, extremamente verrinoso, em especial com os mais fracos e, por outro lado, muitíssimo cuidadoso com as pessoas do poder)»
João César Monteiro, O Jornal, 19-06-1992




quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

BELARMINO e RICHARD WIDMARK

BELARMINO (DE «CANA» SEM SABER PORQUÊ)
CONTRACENA COM RICHARD WIDMARK

 Jornal A Capital
3 de Novembro de 1970
(não assinado)


Coisas encontradas em jornais

Uma reportagem que é um festival de má-língua


 Belarmino e Richard Widmark em 1972, na capa de A Capital.

   Richard Widmark é um actor norte-americano célebre um pouco em todo o mundo. Fez muitos papéis, de «cow-boy». Foi xerife em «O homem das pistolas de ouro». Na década de quarenta interpretou um filme — por muitos considerado como a sua obra-prima — em que fazia de detective. Ferido, jorrando sangue, em perigo de vida, o polícia deu entrada num hospital. E quando o médico de serviço se preparava para o operar, o detective encontrou forças, ainda, para lhe cuspir na cara, manifestando-lhe, assim, todo o seu desprezo. O médico era negro (Sidney Poitier)...
   — O filme era uma extraordinária denuncia do racismo, mas Widmark desempenhava, ai, um papel perfeitamente de acordo com a sua  personalidade, com a sua maneira do pensar... — comentava ontem um técnico do cinema português. O comentário vinha a propósito, porque o técnico há vários dias que trabalha de perto com a grande vedeta do cinema norte-americano, há cerca de duas semanas em Lisboa, a rodar para a televisão  do seu país uma série em que volta a fazer de detective, intitulada «Madigan».


Richard Widmark foi Madigan na TV e no cinema.
Foto encontrada na net.

   Contudo, se a permanência de Widmark entre nós tem sido rodeada de curiosidade, os portugueses que com ele trabalham são unanimes em  considerarem a experiência como «bastante negativa»:
— Não aprendemos nada de novo, nem sequer no que respeita a organização, capítulo em que pensávamos que eles fossem de facto extraordinários — comentou um assistente de realização. — A equipa italiana que os americanos foram buscar para rodarem o filme em Portugal mais não tem feito que explorar-nos tanto quanto pode. A nós, técnicos, e a todos os outros!
   Entre , estes últimos conta-se o conhecido Belarmino Fragoso — sobre cuja vida agitada ainda há pouco os telespectadores puderam assistir à, exibição na TV do filme de Fernando Lopes, «Belarmino» — que  apesar de se ter deixado fotografar ao lado de Richard Widmark comentou:
   — Sou  figurante no filme, faço de camionista, vou de «cana» e tudo, não sei bem porquê, mas isso não é nada. Estou habituado a pequenos papéis no género. O pior é quando «toca» a pagar. Se não fossem uns amigos que aqui tenho, eles não me davam mais que «300» por dia... Na terra deles ganham dez vezes isso!


Esta foi a única foto que encontrei de "Lisbon Beat".
Foto encontrada na net.

A vergonha e o fosso

   Com efeito, o ambiente que tem rodeado as filmagens de «Lisbon Beat» (assim se chama o episódio da série «Madigan» que o actor está a rodar entre nós) não é, ao que consta, dos mais famosos. E embora as filmagens de ontem  não tenham sido muito agitadas, a verdade é que bastaram os três quartos de hora do jantar para se poder fazer uma ideia de quanto é grande o fosso que separa a vedeta americana e os seus mais íntimos colaboradores, por um lado, de toda a restante equipa (portuguesa), por outro.
   — Muitos de nós consideram que é uma vergonha, para, não lhe chamar outra coisa, trabalhar nestas condições. O triste é termos de aproveitar todas as oportunidades que nos surgem, tão poucas elas são... — desabafou outro técnico português integrado na equipa que esta a produzir a película, filmada a cores, em 35 milímetros, para a Universal Pictures.



 A série fez acontecer um filme, com Richard Widmark e Henry Fonda. 
Na foto, Don Siegel dá instruções aos dois actores. E, cartaz do filme. 
Fotos encontradas em acertaincinema.com e fencernanowrimo.blogspot.pt

   Widmark, um «pequeno monstro» de exigências continuas e pródigo em discussões a propósito de tudo e de nada, é apontado como um dos principais responsáveis. Para que o leitor possa, fazer uma ideia mais aproximada de quem é o actor — que, segundo certos autores, e apesar de se mostrar pró McGovern, esteve implicado no período negro de Hollywood, que correspondeu ao domínio do senador MacCarthy e à, fuga para o estrangeiro de muitos intelectuais norte-americanos — bastará referir, por exemplo, que para além de um apartamento num dos mais luxuosos hotéis da cidade ele tem às suas ordens uma vivenda em Sesimbra e uma «roulotte» exclusiva, que o acompanha em todos os locais de filmagens.
   — O realizador, Boris Sagal, muito conhecido nos Estados Unidos, também é outra «prenda» no género — comentou outro membro da equipa. —  Já há dois ou três dias, no aeroporto, nos criou a todos um problema que pode ter consequências graves. Por orientação dele tínhamos, pedido autorizações para trabalhar no aeroporto em todos os lados menos na pista. Uma vez lá, porém, ele entendeu que na pista é que era bom, e sem pedir  mais nada a ninguém invadiu aquilo tudo como se estivesse em casa dele. Acabámos por ser expulsos dali, depois até de um piloto de uma companhia americana, de aviação ter feito queixa, da violação das regras internacionais sobre o movimento nas pistas... Só esperamos que, no domingo, não venha a acontecer o mesmo nas  filmagens na ponte sobre o Tejo, entre as 17 e as 19 horas! — acrescentou.



Cartaz do filme "Belarmino" de Fernando Lopes (1964).
Foto encontrada na net.


Atribulações de Belarmino

   No meio do desfasamento geral, fácil de sentir, aliás, que reina entre os elementos da equipa, as filmagens de ontem (no Castelo de São Jorge, de manhã, e nos becos de Alfama, à tarde e à noite) mostravam um personagem positivamente á deriva, votado ao abandono, lutando contra, uma ignorância total do seu exacto papel no meio de tudo aquilo. Referimo-nos não a Richard Widmark, como é fácil perceber, mas a Belarmino Fragoso, vedeta de um filme de fundo que ele é  o primeiro a contestar, em certos aspectos, e um dos figurantes mais experimentados que hoje conhece o cinema nacional.
   — As pessoas pensam que, depois do filme sobre a minha vida, eu nunca mais fiz nada. Não é verdade. Fiz «As Ilhas Encantadas», com a Amália, em Porto Santo; «O Roubo dos Diamantes», com o António Franciosa; «O Cabeça de Martelo», o «Mal Amado», do Matos Silva, e outros ainda — conta Belarmino, um ex-«boxeur» ídolo das multidões que virou engraxador em tempos que já lá vão e que é hoje porteiro de uma «boate» alfacinha.
   — O último filme em que participei, antes deste agora, foi a semana passada, num francês, com a Nathalie Delon. Tenho muitos amigos com quem posso contar. Eles sabem que eu estou sempre «a cantar ópera», e então eu aceito porque o dinheiro extra que vou ganhando faz-me muito jeito. claro, se eu fosse o Eusébio, ou assim, pedia outro valor pelo meu trabalho, Como sou  só o  Belarmino, contento-me com o que me dão...


 "Belarmino" de Fernando Lopes (1964).
Fotos encontradas na net.


   Belarmino tem feito de tudo um pouco:
   —  No «Mau Amado» era engraxador (não sirvo para outra coisa...), nas «Ilhas Encantadas» fui pirata, no «Roubo dos Diamantes» fui bandido, ou policia, não, sei bem. Aqui sou  motorista,  vou «de cana» mas ainda estou para saber porquê. Mandam-me cá estar às tantas e é o que faço, tem  que ser!
   Se lhe perguntarem qual o papel, «Belarmino» à parte, que gostou mais de desempenhar, o ex-«boxeur» responde:
   — Todos. Faço isto pelo dinheiro, não é que me sinta actor. Mas nunca nenhum me chateou...
   Mesmo falando apenas de cinema, apesar dos abraços , de Widmark, Belarmino tem outros problemas. Por exemplo, uns  mandaram-no estar no «set» às oito da manhã, e outros disseram-lhe que só precisam dele às duas da tarde:
   — Estes tipos não se entendem, e eu também não os entendo a eles. Mas há pior. Olhe, por exemplo a televisão passar o meu filme e eu ainda estar à espera de receber algum... Então não era justo que me dessem uma parte? Mas. havemos de falar nisso noutra  altura!
   E enquanto Belarmino, pesado e lento, se afasta, Widmark, o sarcástico, prepara-se para, filmar outra cena. «Silêncio!», gritam os assistentes de realização. «É proibido tirar fotografias», ordenam eles. O actor não gosta dos «flashes». Só dos holofotes. Quando se é vedeta, é preciso ser grande em tudo...

Jornal A Capital
3 de Novembro de 1970
Trabalho não assinado



Um tributo a Richard Widmark no youtube.




sábado, 19 de janeiro de 2013

Dos Arquivos do Smithsonian Institution

“Um filme sem uma mensagem é apenas um desperdício de tempo.”
D.W. Griffith 


 Greta Garbo. 1925. Arnold Genthe.


 Rodolfo Valentino. c. 1925. Russell Ball.


 Ernst Lubitsch à direita com Emanuel Cohen. c. 1930.

"Pelo menos duas vezes por dia o ser humano mais digno é ridículo"
Ernst Lubitsch


 Peter Lorre. 1935. Lusha Nelson.


 Orson Welles. 1938.


 Stan Laurel e Oliver Hardy. 1938. Harry Warnecke.


W.C. Fields.1938. Harry Warnecke e Lee Elkins.


 Greta Garbo. 1939. Clarence Sinclair Bull.


 Orson Welles. 1939. Harry Warnecke e Lee Elkins.


 Veronica Lake. 1941. George Hurrell.

"Sou a favor do costume de se beijar a mão de uma mulher quando 
somos apresentados. Afinal, é preciso começar por algum lado".
Sacha Guitry 


 Ida Lupino e Howard Duff no filme "Woman In Hiding". 1949.


Elia Kazan dirigindo Karl Malden e Vivien Leigh em "A Streetcar Named Desire".1950.


“É o fim da Civilização!” 
Guillaume Apollinaire (à saída de uma sessão de cinema).




(Fotos da National Portrait Gallery, Smithsonian Institution, www.si.edu)




quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Isto é BOLLYWOOD!

Por Amelia Castilla 
Revista Visão 14 de Agosto de 2003


Coisas encontradas em revistas


«Da Film City do Oriente saem por ano mais filmes do que de Hollywood. Só que as imagens
 da cidade dos sonhos nada têm a ver com o mundo real das ruas de Bombaim...»
Foto copiada da revista Visão.


Mil filmes por ano carregados de luxo kitsch. E dez milhões de espectadores diários que falam, gritam e assobiam durante a projecção. Os números da indústria cinematográfica da Índia não ficam nada atrás das cifras da máquina-Hollywood. Viagem para Oriente, rumo ao mundo louco dos estúdios de Bombaim.


«Suficientemente exótico? Uma melodia, uma coreografia e cores
que condigam com o sari das actrizes. Eis a receita do êxito.»
Foto copiada da revista Visão.

   Romance, violência, música, dança e fortes doses de moralidade fazem parte da mescla na qual se agita a maior parte dos argumentos dos filmes de Bollywood. Os indianos acorrem em massa ao cinema para assistir a histórias que nada têm a ver com o seu quotidiano e que invariavelmente acabam com um final feliz. Embora em muitas aldeias ainda funcione o cinema ambulante, fazem-se mais filmes na Índia do que em Hollywood.
   Não é necessário conhecer uma só palavra de hindi, a língua oficial da Índia, para seguir alguns dos melodramas de Bollywood. Um exemplo. Um menino pobre é recolhido em casa de uma família abastada com uma filha da sua idade. Ambos crescem juntos e felizes. Ela encontrará um marido da sua classe social e gozará a sua lua-de-mel, recriada numa coreografia onde se destacam os ambientes floridos (a combinar com o sari da rapariga), muitas nuvens e muito vento a fazer voar o cabelo da protagonista que olha com êxtase e paixão contida o seu novo marido. Tudo isto orquestrado com uma banda sonora pegajosa e vários números musicais. O meio-irmão, garboso galã sempre com a camisa desapertada a deixar ver os pêlos do peito (só as mulheres se vestem de forma tradicional), triunfa como cantor e é cobiçado por muitas mulheres, mas não encontra nenhuma que lhe agrade. O tédio, as viagens do marido e os terríveis pesadelos que começa a ter com o meio-irmão acabam por vencer a resistência da recém-casada que, com dor, descobre finalmente quem é o seu verdadeiro amor.   
   Este seria o cliché ocidental de Bollywood, como é popularmente conhecida a produção cinematográfica da Índia, a indústria mais próspera deste subcontinente de mais de mil milhões de habitantes. Cerca de mil filmes por ano, dez milhões de espectadores diários, meio milhão de empregados. Estes são os números, mas até que ponto as fantasias reflectidas na tela, completamente distantes da miséria quotidiana, fascinam uma população acostumada a conviver em plena rua com elefantes, camelos, vacas e macacos?


«‘MADE IN BOLLYWOOD’ - Os produtos indianos chegam a um ginásio em 
Kabul, no Afeganistão (à esquerda), e a uma barbearia no Nepal (à direita).» 
Fotos copiadas da revista Visão.


A tradição ainda é o que era

   Nasreen Munni Kabir, especialista em cinema indiano e responsável pela sua divulgação em numerosos países europeus, considera que Bollywood se caracteriza por um pequeno número de ingredientes que são reelaborados em cada filme. «Para satisfazer o público é preciso premir os botões adequados actuações de estrelas vaporosas, música rítmica e melódica, decorações extravagantes e exteriores exóticos bem como o sentimento de que a ordem social não será posta em causa.» O seu nome é um piscar de olho ao cinema de Hollywood, no qual se alimentou ideologicamente durante décadas, mas agora fazem-se mais filmes em Bollywood do que na Meca do cinema norte-americano. Longe de se ver confrontado com qualquer crise e de só com um punhado de estreias conseguir recuperar o investimento, a produção cinematográfica em Bombaim não pára de crescer.
   Aqui, o triunfo cabe ao melodrama, aquilo a que alguns chamam «western massala». Os argumentos recriam fábulas moralistas destinadas a glorificar as virtudes tradicionais, a manter os privilégios dos ricos e a passividade das classes desfavorecidas. Muitos dizem mesmo que há compromissos para não romper com a tradição. Cada filme deve reiterar o que significa ser indiano e reflectir os valores morais e religiosos. A procura é tão forte que leva a diversificar a produção que se realiza sobretudo no Sul do país, embora actualmente estejam a ser construídos novos estúdios em Deli. O hindi, o bengali, o telegu e o taran são as línguas mais comuns nas rodagens.


«Heróis e Galãs - Os actores dos filmes de Bollywood são mais populares que as estrelas de rock no 
mundo ocidental. Os seus rostos «vendem-se» em posters. Lado a lado com os símbolos religiosos.» 
Foto copiada da revista Visão.


Banda sonora obrigatória

   Calcula-se que cerca de 500 milhões de indianos tenham menos de 25 anos e os filmes são sobretudo concebidos para satisfazer esse grupo etário. Mas para que uma película seja popular ela tem que entreter toda a família, da avó ao neto. «Ver cinema indiano é uma experiência animada, já que o público reage perante cada reviravolta do argumento», acrescenta Munni Kabir. Em muitas aldeias ainda funciona o cinema ambulante. Por caminhos poeirentos e sem nenhuma iluminação, circulam camiões carregados com toda a parafernália necessária para tornar possível o milagre do cinema. Um velho ecrã desdobrável, um projector e uma tenda de lona para acolher o público são suficientes para transportar os habitantes do campo a um mundo imaginário.
   A tragédia e a felicidade encontram sempre o seu reverso numa canção. A música é autêntica força do cinema indiano. A banda sonora dos filmes transformou- se, ela própria, num fenómeno imparável, para o qual muito contribuiu o aparecimento da MTV Ásia. Nos autocarros, cafés e centros comerciais soam insistentemente os temas que foram popularizados pelos filmes. As vendas de gravações das bandas sonoras contam-se por milhões. Em muitos casos, primeiro é lançada a música e só depois o filme. Cada dia que passa, torna-se mais curta a separação entre música e banda sonora.
   Os actores da moda de Bollywood, cujo rosto é exibido nos enormes cartazes pintados à mão que se podem ver por todas as cidades, são mais importantes na Índia que as estrelas do rock no mundo ocidental. Revistas e jornais seguem atentamente os pormenores da sua vida, embora a maior parte da população não saiba ler ou não os possa pagar.
   Muitas destas estrelas chegaram a Bombaim, Calcutá, Madrasta ou Hyderabad, as cidades onde se encontram as produtoras mais importantes, provenientes das aldeias, à procura de uma oportunidade. Mas são poucas as que o conseguem. A Bombaim, a capital comercial e financeira do país, chegam diariamente 2 mil pessoas em busca de trabalho. Apesar dos esforços para apagar as marcas do colonialismo britânico (Bombaim chama-se agora Mumbai) ainda circulam os típicos autocarros vermelhos de dois andares e, em boa parte dos edifícios oficiais, observa-se a arquitectura gótica vitoriana. Os edifícios inteligentes e os apartamentos, com preços a partir dos 240 mil euros, proliferam por toda a parte, apesar de os salários dos felizardos que encontram trabalho não ultrapassarem os 250 euros por mês. Enquanto os ricos se relaxam nos campos de golfe e frequentam os hotéis com piscina e lojas de luxo, grupos de famílias inteiras dormem nos passeios cobertas de farrapos e as crianças mendigam umas moedas pela Marina Drive, a avenida principal desta cidade de 16 milhões de habitantes. E o trajecto até Film City, nos arredores de Bombaim, não é mais do que um reflexo da miséria que assola o país.


 Aishwarya Rai e Shahrukh Khan, duas das maiores stars de Bollywood. Fotos encontradas na net.


A cidade dos sonhos

   Apenas uma barreira e um cartaz de madeira anunciam a entrada na cidade do cinema, onde é rodada a maioria dos filmes indianos. Em pouco mais de 20 hectares (antes ocupados por um bosque), rodeados por uma vegetação exuberante de cânhamo, acácias, buganvílias e palmeiras, ergue-se quase uma vintena de estúdios e cerca de 35 cenários de templos, lagos artificiais e mansões tipo Falcon Crest sem qualquer encanto.
   Cerca de uma centena de pessoas ocupam- se da manutenção das instalações que, à primeira vista, não têm o mínimo glamour, como a maior parte dos estúdios de cinema. Em Film City rodam-se tanto filmes como séries de televisão e anúncios publicitários. Em Janeiro passado, num dos cenários uma estação de montanha de aspecto tirolês filmava- se uma película infantil. A duração das rodagens é longa e, por isso, o cenógrafo Nitin Wable trabalha em vários projectos ao mesmo tempo. «Muitas vezes trabalha-se por turnos, o que permite às estrelas e aos técnicos passar de um estúdio para o outro e mudar de papel».
   A pobreza também está presente nesta cidade dos sonhos. Diante de cada filmagem, um grupo de pessoas observa sentado no chão toda a parafernália que envolve cada cena. De cócoras, uma mulher cata uma criança; outras correm pelo campo, enquanto um grupo de actores prepara uma cena de uma série de televisão. Noutro cenário, não longe dali, no que parece ser uma ponte, filma-se uma série de detectives. Krishna Arjun e Hussein Cagrawala, dois actores da moda, simulam um tiroteio.


«Na Índia,"Casamento Debaixo de Chuva" provocou polémica. Na Europa, a realizadora 
Mira Nair venceu o galardão mais importante do Festival de Veneza, o Leão de Ouro.» 
Foto copiada da revista Visão.


Uma 'nouvelle vague'

   A origem do cinema indiano remonta a 1896. No Watson's Hotel de Bombaim começaram a ser projectados os filmes mudos, mas só em 1913 foram realizadas as primeiras películas indianas. Já então se misturava o drama e a música, para entreter uma população que aceitava e aceita com resignação o seu destino. «O facto de a técnica cinematográfica poder realizar o mítico constituiu uma grande vantagem na narração dos contos heróicos. É por isto que os filmes de Bollywood continuam a conquistar a imaginação popular da Índia», explica Munni Kabir.
   Hoje, algo parece estar a mudar no cinema indiano. Alguns realizadores, naquela que já é conhecida como a «nova onda», começam a demarcar-se de um cinema que não se destaca pela qualidade. Os espectadores indianos pagam para ver o que nunca terão, mas começam a emergir novos argumentos que abordam diferentes aspectos da sociedade indiana, contando com o apoio de um público ainda minoritário. «Bollywood é fantasia», diz Vasundhara Das. De olhos azuis e cabelo negro, Vasundhara é conhecida internacionalmente pelo seu papel em Casamento Debaixo de Chuva, de Mira Nair, uma das figuras mais destacadas do novo cinema que se faz neste país. Quando foi exibido provocou forte polémica porque se atrevia a revelar o segredo que, durante anos, Ria guardara sobre os abusos de que fora vítima por parte do tio. «Há temas tabu dos quais nunca se fala, muito menos no cinema, sobretudo os que afectam as mulheres», confessa a actriz. E a verdade é que o «produto Bollywood» começa a ser um fenómeno que transcende fronteiras. Muitos países árabes e algumas antigas repúblicas soviéticas já devoram este luxo kitsch. Com escasso conteúdo sexual e nenhum reflexo da realidade social.

Amelia Castilla 
EL PAÍS/VISÃO
Texto, títulos e legendas
Revista Visão, 14 de Agosto de 2003



Sonhos indianos em Lisboa


   Ao longo da semana, o sr. Dhimante vai recebendo as reservas para as sessões que, de sexta a domingo, passam no Cine 222, ao Saldanha, em Lisboa. Nunca um bilhete só, que na cultura indiana ainda existe o hábito de ver cinema em família. O gerente da sala com 200 lugares que, nos outros dias, está ocupada com a programação da associação Zero em Comportamento tem então todo o cuidado na distribuição dos lugares. Para que ninguém fique separado dos seus. Para que conforme diz haja «uma certa harmonia»Dhimante Cundanlal veio de Moçambique, no princípio dos anos 80, como aliás a grande maioria dos membros das comunidades de origem indiana que vive na capital portuguesa. Do pai herdou o gosto pelas imagens projectadas no grande ecrã e hoje, explica, o que ganha com o 222 dá apenas para cobrir os custos. Segundo as suas contas, já não tem nem um terço do público que tinha na década de 70 no tempo em que o cinema oriental andava na moda no Ocidente e ele ainda experimentou legendar os filmes em português (agora, fá-lo em inglês, por causa das gerações mais novas, nascidas cá). 


«Na cave do 222. A única sala de cinema que por cá passa filmes indianos. 
O sr. Dhimante diz que as histórias de amor são as preferidas.» 
Foto copiada da revista Visão.


   Esta cave, não muito longe da concorrência dos multiplex do Monumental, é um bom «barómetro» da economia do País: «Tomamos logo o pulso à situação.» Mesmo assim, há filmes que correm bem e, quando assim é, repetem no fim-de-semana seguinte. Aconteceu com Koi... Mil Gaya - Encontrei Alguém, «uma espécie de E.T.» cuja exibição se prolongará por mais uns dias. E acontece sempre que há uma história de amor. Com muita dança, muita música e, claro, um final feliz.
O senhor Champaclal já viu Koi... Mil Gaya, última produção de Bollywood que, em Lisboa, na passada sexta-feira, 8, foi exibida em estreia mundial. Achou que era uma película «muito bonita». E até é provável que, no programa radiofónico que mantém desde 1987, venha a pôr no ar a sua banda sonora. Aos domingos, das 10 às 15 horas, na antena da Rádio Orbital, o Swagatam (palavra para a saudação de boas-vindas) assinala as festividades dos vários calendários, fala da tradição hindu, divulga pensamentos e muita música.
Porque, aqui ou na ZeeTV (a cadeia de televisão indiana, que inclui um canal generalista e outro de cinema, da qual também ele é o representante em Portugal), esta nunca pode faltar. A par de uma história que até pode fazer chorar, mas que tem que acabar «em bem»

S.B.L.
Revista Visão 
14 de Agosto de 2003




terça-feira, 15 de janeiro de 2013

As duas vidas de Joaquim de Almeida


por António Cabrita
Expresso 15 junho 1996

Coisas encontradas em jornais


Brincadeira minha com fotos de Joaquim de Almeida encontradas na net.

«POR UMA dessas espantosas coincidências, das quais Paul Auster retira o sumo da sua demanda literária, o nome de Joaquim de Almeida está ligado aos dois pólos da história do cinema português: ao das suas primeiras projecções e ao da época que marca o centenário da Sétima Arte.
Será o mais internacionalizado actor português de sempre um alquimista disfarçado, que de cem em cem anos reaparece com o seu próprio nome, quando o facto já pode passar por coincidência? Será o nosso  Joaquim de Almeida um herdeiro genético do outro Joaquim de Almeida que, nos intervalos  da sua actuação, assistia maravilhado às primeiras projecções em Portugal da «fotografia com vida»?  Aí está um caso para uma boa agência de detectives. O melhor é contar como isto, afinal, anda tudo ligado.

Real Coliseu, em 1896 estreou-se aqui o cinema em Portugal. Foto anterior a 1929. Alberto Carlos Lima. Arquivo Fotográfico da CML.

No já longínquo ano de 1896, apresentava o Real Coliseu (que se situava na Rua da Palma, onde hoje se encontra a Garagem Auto-Liz) a opereta popular em três actos O Comendador Ventoinha, quando o empresário da sala, o «Santos do Coliseu»/António Manuel dos Santos Júnior, deu uma saltada a Madrid e assistiu às projecções realizadas na capital vizinha.
Somou logo dois mais três e percebeu que tinha ali um negócio chorudo. E foi assim que o «Santos do Coliseu» alugou à Companhia de Gás um motor e um dínamo que pudessem alimentar o novo aparelho e se socorreu da ciência certa do especialista em mecânica e electricidade Manuel Maria da Costa Veiga, a fim de aumentar a potência da instalação.
Condições criadas, seguiu-se o que foi relatado no «Correio da Noite» de 15 de Junho de 1896: «Chegou hoje de Madrid Mr. Rousby, que vem apresentar em cinco espectáculos, no Real Coliseu, o Animatógrafo e o Cinematógrafo de Edison, que, por meio de projecções com luz eléctrica, apresenta os mais perfeitos quadros da vida real em figuras de tamanho natural e sem omissão do mais insignificante movimento e do menor detalhe. O Animatógrafo só está conhecido em Londres, Paris e Madrid, sendo Lisboa a quarta cidade que vai admirar o último prodígio de Edison.»

Real Coliseu, em 1896 estreou-se aqui o cinema em Portugal. Foto anterior a 1929. Alberto Carlos Lima. Arquivo Fotográfico da CML.

A «fotografia com vida» começou por ser o prato fraco da sessão do Real, mero complemento para os intervalos da referida opereta, e nem sequer provocou alteração do preço do bilhete: um tostão para a geral. De entre os filmes apresentados, os que mereceram maior agrado foram Dança Guerreira, Bailes Parisienses e A Ponte Nova de Paris.
Que tem Joaquim de Almeida a ver com isto? Tudo, pois referem as notícias que, nesses dias, do programa do Real, em cujos intervalos etc., etc., constavam as cançonetas em francês de Mercedes Blasco e os monólogos de Joaquim de Almeida. As sessões foram um êxito, de tal forma que Mr. Rousby, o projeccionista, contratado para cinco projecções, foi obrigado a manter-se em Lisboa durante um mês. O programa foi variando, e causaram espanto O Jardim dos Jogos Infantis, O Comboio, e, sobretudo, a estreia dos «dois únicos quadros coloridos com vida»: A Dança Serpentina e Uma Loja de Cabeleireiro e Engraxador em Washington.  Ao mesmo tempo, diversificava-se o repertório do Real Coliseu, que passou a apresentar: a comédia As Sogras,  novas canções francesas por Mercedes Blasco e, «last but not the least», Joaquim de Almeida, no monólogo O Borlista.
O que me espanta é que a Comissão para a Comemoração dos Cem Anos de Cinema não tenha posto o nosso Joaquim de Almeida no palco a reeditar os monólogos do outro Joaquim de Almeida. A não ser que, como eu sei e o Paul Auster comigo, sejam o mesmo, e o caso constituísse escândalo. Saberia o Ruiz disto? Qual Mastroianni!

E que tem a ver com estas coincidências o  Comendador Ventoinha?  Exige-se que o IPACA contrate o detective Correia, única forma de tornar condigna a comemoração da primeira sessão de cinema em Portugal.»

António Cabrita
Expresso 15 junho 1996

Real Coliseu, em 1896 estreou-se aqui o cinema em Portugal. Foto anterior a 1929. Alberto Carlos Lima. Arquivo Fotográfico da CML.

«O Coliseu da rua da Palma que tende a desaparecer para alargamento da rua da Palma. (sic) 1927» Arquivo da Torre do Tombo.



sábado, 12 de janeiro de 2013

O Belo e a Consolação x 3


Como escreveu alguém num blog: «A uma dada altura a SIC passou aquele que talvez tenha sido o melhor programa de televisão alguma vez feito.» Entre 1 de maio de 2001 e 15 de maio de 2002 e depois repetido em 2006 a SIC, na rubrica (quinzenal) "Noites Longas", apresentou um programa de entrevistas que tinha como título holandês “Van De Schoonheid en de Troost” no original; "Of Beauty and Consolation” na versão inglesa e "O Belo e a Consolação" na tradução portuguesa, que em alguns programas mudou para, “Da Beleza e Consolação”; deve ter tido a ver com os vários tradutores envolvidos, já que traduziam de ouvido e ver (algumas legendas de origem e o titulo estavam em holandês). 

Edward Witten, cientista e matemático.

A ordem por que passou na Sic foi: Richard Rorty, filósofo; Simon Schama, historiador; Martha Nussbaum, filósofa; George Steiner, escritor e filósofo; Roger Scruton, filósofo; Stephen Jay Gould, zoólogo e paleontólogo; Edward Witten, cientista e matemático; Steven Weinberg, cientista; Gary Lynch, neuropsicologista; Leon Lederman, cientista experimental; Vladimir Ashkenazy, pianista e maestro; Catherine Bott, soprano; Rudi Fuchs, director de museu; Karel Appel, pintor; John Coetzee, escritor; Elizabeth Loftus, psicóloga; Germaine Greer, escritora; Wole Soyinka, escritor; Yehudi Menuhin, violinista e maestro; Dubravka Ugresic, escritora; Grand Finale (debate em Amesterdão entre alguns dos participantes); György Konrád, escritor; Jane Goodall, escritora e etóloga; Tatjana Tolstaja, escritora e Rutger Kopland, poeta e psiquiatra. Esta ordem devia ser igual à que passou na televisão holandesa VPRO, já que é costume vir uma "running order" a acompanhar os programas. 

Stephen Jay Gould, zoólogo e paleontólogo.

A série constava de 24 conversas (deviam ser 26, mas dois; Freeman Dyson, cientista e Richard Dufallo, maestro, nunca chegaram a vir (não se sabe a razão), com vinte e quatro pessoas extraordinárias com diferentes percursos e visões da vida: artistas, cientistas, músicos e filósofos. 
Apresentada por Wim Kayzer (jornalista , cineasta e escritor) e produzida por Vera de Vries, foi pela primeira vez transmitida pela televisão holandesa VPRO, em 2000. No site da VPRO (http://www.vpro.nl/programma/schoonheidentroost/afleveringen/) existe documentação áudio e vídeo em inglês sobre a série. Encontrei também referencias a um livro em holandês de Wim Kayzer de titulo "Het boek van de schoonheid en de troost" (O livro da beleza e consolação), que saiu na mesma altura em que a série foi apresentada na Holanda. Pela pesquisa que fiz só teve edição holandesa.


Leon Lederman, cientista experimental.

Aqui vos deixo para quase todos, os programas de "O Belo e a Consolação", legendados em português, seguindo uma ordem aleatória, com a única certeza que o último a colocar será o debate final.