quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Quando a Callas ajoelhou perante o público de Lisboa


Texto de

Vítor Pavão dos Santos

Jornal Se7e 

16 Dezembro 1981


«Considerada a maior soprano de todos os tempos, Maria Callas aterrou em Lisboa em Março de 1958 
para cantar a ópera La Traviata no Teatro Nacional de São Carlos. 1958. António Amado dos Santos.»
Foto encontrada em www.sabado.pt - Memórias do Aeroporto de Lisboa


 Coisas boas em jornais



Foi em Março de 1958. Como muitas vezes acontece, a Primavera chegara cedo. 
Como quase sempre acontece também, uma nuvem de aborrecimento envolvia Lisboa.

Quente demais para Março

Os divertimentos não eram muitos. O melhor ainda era ir dançar, na boite do Hotel Tivoli, ao som das músicas italianas então em moda. Pelos cinemas, o filme mais gozado era As lavadeiras de Portugal (Les lavandières du Portugal, 1958), «tourné au Portugal, en Avril», como diziam os anúncios. Nele, um par de agentes de publicidade (Jean-Claude Pascal e Annie Vernon), que queriam lançar uma máquina de lavar, vinham até cá para descobrir uma típica lavadeira, que acabava por ser a espanholíssima Paquita Rico, ex-virgem gitana, bebendo manzanilla e lavando roupa na Nazaré, enquanto Erico Braga puxava as redes e Carlos Ramos cantava o fado. Tudo isto bestialmente colorido.
E foi também nesse mês que apareceu  Sangue Toureiro,  o primeiro filme português às cores, com a Amália, muito mal fotografada, vivendo um amor impossível com Diamantino Viseu, e cantando mais um  hit  do Frederico Valério:  Amor, sou tuaDe notável, no teatro, só a engenhosa encenação com que Francisco Ribeiro deu vida nova, na Trindade, a uma peça de Júlio Dantas, muitos anos proibida pela censura: Um serão nas Laranjeiras.
E havia ainda as manifestações artísticas chics, como Liane Daydé e Michel Renault, «de l'Opéra de Paris», a dançarem no Tivoli. E, claro, decorria a sempre tão exclusiva temporada de ópera de S. Carlos. A quinta-feira à noite, com smoking obrigatório e ao domingo, na matinée mais democrática, o teatro iluminara-se, nesse mês de Março, para revelar a grande criação de Tito Gobbi, em Falstaff, de Verdi, a que se seguira a graça picante de Giulietta Simionato, em L'italiana in Algeri,  de Rossini.
O público era, como sempre, o mesmo. Uns iam para se verem aos outros. Alguns porque, além disso, também gostavam de ver ópera. Mas, uns e outros, todos aguardavam a grande sensação: a estreia, em Lisboa, a 27 de Março, de Maria Callas, em  La Traviata, de Giuseppe Verdi.

«Maria Callas e Alfredo Kraus, no palco de S. Carlos, numa cena do 1º acto da inesquecível La Traviata de 1958»
Foto copiada do jornal Se7e


«Vissi d'arte, vissi d'amore»

Era, por esses anos, Maria Callas uma das mulheres mais célebres do mundo. No entanto, embora o prestígio do seu talento fosse enorme, as primeiras páginas dos jornais preferiam ocupar-se dos seus «escândalos», dos seus «caprichos» de  prima donna, capaz de deixar a meio uma representação, mesmo que houvesse um presidente da República na assistência, como recentemente acontecera em Roma.
Esta onda de sensacionalismo mal deixava então compreender que esses «escândalos» e «caprichos» significavam um desmedido desejo de perfeição, uma intransigência artística que nunca pactuava com a mediocridade. Que, afinal, esses insultos ao público correspondiam a um respeito quase místico por esse mesmo público.
Sabia-se que a sua voz tinha possibilidades excepcionais, embora fosse uma voz difícil. Mas talvez não se soubesse que, devido a essa voz, muitas das obras do grande reportório lírico do século XIX tinham sido ressuscitadas, recuperadas para o público actual.
Sabia-se que fora gorda, como deviam ser as prima donnas, e se tornara depois elegantíssima, dizia-se que com prejuízo da sua voz. Mas sem, no entanto, se explicar claramente que fora assim que ela pudera fazer acreditar, ao moderno público, aquilo que vivia no palco, abordando as grandes personagens do passado como se acabassem de ser criadas, despojando-as de décadas de tradição deformadora.
Sabia-se, enfim, que a Callas arrastava multidões aos teatros, com a sua arte e os seus escândalos, mas raro se esclarecia que ela dava a essas multidões o máximo da sua arte e da sua vida, conquistando-as para o espectáculo da ópera, que encontrara decadente e abandonaria, depois de quase apenas dez anos de uma carreira de fulgor imcomparável, como algo vivo, cheio de novo entusiasmo e vibração.

 «Por Lisboa, passou Maria Callas, deixando um rasto da sua arte» In, Crónica Feminina, nº 73, 14-04-1958.
Fotos de conversamuitaconversa.blogspot.pt


Champanhe francês também para o coro

E um  dia  de  sol  de  fim  de Março,  Maria Callas  chegou  a Lisboa, instalando-se no único hotel chic da cidade, o Aviz Hotel, com uma bagagem numerosa, que incluía secretárias, o seu ainda marido e mentor, o comendador Meneghini, e um cão minúsculo, que nunca a largava.
Para os que farejavam o escândalo, mostrou-se simpática e distante, deixando-se fotografar em abundância, fazendo declarações de circunstância. Para alguns jovens entusiasmados, que a procuravam, era bem diferente: amável, acessível, muito interessada em conhecer o nosso meio musical.
Entretanto, S. Carlos limpara o pó àqueles sempre bafientos cenários que, durante décadas, Alfredo Furiga teve o monopólio de desenhar, decorando-os com certa riqueza para a grande noite.
Ao que constava, La Callas exigira um camarim digno, e a direcção do teatro mandou forrar de seda e decorar com gravuras aquele que passaria a ser o camarim da Prima Donna.
E que à Callas se ficou a dever. E quis também champanhe francês, no ensaio único e nas duas representações, o que deve ter estimulado todo o elenco, desde há muito escolhido, em que o jovem barítono italiano Mário Sereni interpretava o pai Germont, e onde se destacava, em estreia em Lisboa, um ainda mais jovem tenor espanhol, que havia de dar que falar, chamado Alfredo Kraus.
As duas récitas estavam esgotadíssimas. Na noite de quinta-feira, agarrei-me à telefonia e fui ouvindo a transmissão directa, feita pela Emissora Nacional. Como sempre acontecia quando a Callas cantava, as opiniões dividiram-se, Uns deliravam, outros detestavam. Indiferente é que ninguém ficava.

Maria Callas por Cecil Beaton. 1957.
Foto encontrada em mobiletest.moma.org


A maior actriz que já vi!

E chegou finalmente a matinée  de domingo. E eu, perigosamente debruçado de um camarote de 2ª ordem, perto do palco, ouvi impaciente a breve abertura de La Traviata, até o palco revelar a festa inicial. E entre a multidão dos convidados, surgiu Maria Callas, deslizante, fazendo esvoaçar um vestido de tule, cinzento-violeta, onde faiscavam alguns diamantes. Foi logo um deslumbramento. Alta, esguia, muito branca, de olhos electrizantes, com um nariz enorme, equilibrado por uma boca também enorme. Era uma figura magnífica, que se impunha, mal aparecia em cena. Embora a voz vibrasse estranhamente, o que mais me fascinou, e me acompanhou por toda a vida, foi o seu talento de actriz. A maior actriz que vi até hoje. Afirmo isto, sem medo de exagerar.
A interpretação, embora levada a extremos de pormenor, mantinha sempre uma linha, uma noção global. Falsamente alegre, mas fria e distante, ela mostrava-se subitamente impressionada pelo jovem Alfredo, que Alfredo Kraus, com a sua bela figura, a sua juventude de olhos incendiados, a sua voz quente, encarnava com rara perfeição.
O «brinde» foi magnífico, e depois, ao despedir-se dos convidados, a todos tratava de modo diferente: a uns lançava um sorriso vago, por vezes por cima do ombro, para outros, porém, era afável; a uns beijava na cara, a outros estendia a mão, quase sem os olhar. Tudo rápido, mas tudo muito marcado, e tão intensamente teatral e humano que a figura da grande dama do demi-monde, Violetta Valéry, se erguia logo no palco, para não mais se poder esquecer.

Um enorme arrepio final

Os aplausos cortavam constantemente a representação. No segundo acto, com um simples vestido de seda cinzento, só alegrado por um  pequeno ramo de malmequeres, o seu arrebatamento apaixonado transformava-se em indignação feroz, de olhar chispante, na cena com o pai Germont, para depois aceitar a resignação, com uma dignidade quase solene.
No terceiro acto, a aparição de Maria Callas era toda feita de um exagerado luxo premeditado, com um enorme vestido de veludo verde-garrafa, onde brilhavam arabescos de  starss.  Mas a vulgaridade da cortesã, mergulhada de novo no mundo da frivolidade, quebrava-se constantemente, mostrando-se a mulher vulnerável, presa a um juramento, depois humilhada, caída no chão, com o seu olhar a pairar, entre o assustado e o desafiador.
Mas todo este imenso caudal de emoções se concentrava no último acto. Arrastando um largo déshabillé flutuante, rosa-creme, com os longos cabelos vermelhos caídos, o seu rosto exprimia tal angústia, que doía de fixá-lo. Depois do grito dilacerante de É tardi!, ao terminar a leitura falada da carta de Germont, o Addio del passato era cantado num choro abafado, acompanhado de gestos muito lentos, como se o corpo, já sem vida, apenas fosse agitado por um vago vento. E, de súbito, com o anúncio da chegada de Alfredo, era possuída de uma agitação frenética, tentando levantar-se, para logo cair sem forças, observando-se num pequeno espelho de mão, que escondia, e voltava a erguer, interrogando- se, ao mirar-se.
Pela minúcia da representação, mais parecia assistir-se a um encadeado de grandes planos cinematográficos, que terminavam na morte, quando ainda ficava a pairar, no ar, aquela voz de espanto e de arrepio, que sublinhava a maior interpretação da Dama das Camélias per musica, a que alguma vez se terá assistido.

Maria Callas e Alfredo Kraus, La Traviata de Giuseppe Verdi.
"Parigi, o cara". Lisboa. 1958.

A «prima donna» ajoelhada

No final, a sala estava ao rubro. O delírio atingiu o inesperado, por muito que se esperasse. Durante cerca de dez minutos, pelo meio de um clamor que fazia estremecer S. Carlos, Maria Callas agradeceu, acompanhada pelos outros intérpretes e pelo maestro Franco Ghione. O conjunto ía e voltava, mas os gritos e aplausos não cessavam de aumentar. As flores choviam sobre o palco, e ela distribuía-as pelos acompanhantes.
Até que, por fim, apareceu sozinha. Muitas mais flores cairam então, enquanto os espectadores dos camarotes e do balcão corriam, em tumulto, até à plateia, para ficar mais perto dela. Maria Callas parecia atordoada, movimentava-se, esboçava sair, para logo voltar. Como não sabendo mais o que fazer para corresponder a um tão esmagador entusiasmo, ajoelhou-se perante o público, deixou cair os braços, curvou profundamente a cabeça, com a longa cabeleira vermelha sobre o peito, e permaneceu assim, estática, como vencida perante aquela torrente de admiração, durante largos minutos, numa atitude de beleza inesquecível. Mas essa grande exaltação estava longe do fim. Subia em vibração. E foi então que, satisfeita mas perturbada, Maria Callas começou  a apanhar lentamente  as flores que lhe tinham atirado, a beijá-las, uma a uma, e a atirá-Ias ao público, como que devolvendo os aplausos dessa audiência que demonstrava saber corresponder à sua arte com uma energia insuspeitada. 

Capa da edição americana de «La Traviata» da Callas, 
na «San Carlos Opera House», da etiqueta Angel. 
Foto copiada do Jornal Se7e

E  agora «La Traviata» de Lisboa

Passaram-se muitos anos, assisti a outras grandes performances,  a outros delírios, mas aquela tarde em que Maria Callas cantou La Traviata, em S. Carlos, permaneceu, para mim, inultrapassável.
Ouvi depois, vezes sem conta, a única gravação de La Traviata com Maria Callas, existente, feita, para a Cetra, em 1953. Mas nunca consegui recapturar o fascínio daquela tarde de Março de 1958. De facto, sempre se lamentou que Maria Callas não pudesse ter gravado La Traviata quando a sua interpretação atingira a maior altura, depois das célebres encenações que, para ela, fizeram Luchino Visconti, no AlIa Scala, em 1955, ou Franco Zeffirelli, na Ópera de Dallas, em 1958. E isso aconteceu devido ao contrato de exclusividade para esta ópera, feito, em 1953, com a Cetra.
E eis que, no ano passado, chego eu a Nova Iorque, e vejo, em todas as lojas de discos, como grande sensação, uma nova gravação Callas — Traviata,  a chamada La Traviata de Lisboa.  Nada mais, nada menos que uma gravação feita em S. Carlos, em 1958, e que, editada agora comercialmente, se transformou num enorme êxito discográfico, com edições em vários países, incluindo Espanha. Quando chegará até cá?
Voltei então a encontrar, entre aquela tosse típica do público lisboeta, e os gritos inesperados do ponto, a Callas, no seu máximo esplendor, vivendo e morrendo em música Mas há, no entanto, uma pequena parcela apenas do que vivi naquela tarde. Nessa gravação, só há uma coisa que me faz uma raiva danada, é que cortaram praticamente todos os aplausos.

Texto de Vítor Pavão  dos Santos
Jornal Se7e
16 Dezembro 1981



La Traviata em Lisboa em 1958 com Maria Callas (Violeta), ópera na qual participou Maria Cristina de Castro (Amina).

UMA PORTUGUESA NO ELENCO

«Com pouco mais de 20 anos, Cristina de Castro estuda canto com Elena Pellegrini. Estreou-se no S.Carlos em 1955, num dos “pagens” de “Tannhauser”, e no Coliseu dos Recreios canta pela primeira vez em Novembro desse ano, na ópera “Um Sonho de D. João V”, da autoria do Conde da Esperança. Presença constante nestes dois palcos, sobre ela escreveu Joly Braga Santos: “Não só a sua voz é linda e exemplarmente colocada, como revelou um talento histriónico excepcional”. Em 1958 integra o elenco da célebre “Traviata”, com Maria Callas e Alfredo Kraus, fazendo o papel de “Annina”. (Na foto, Cristina de Castro com Callas) Em 1960 participa num concurso internacional de canto, em Liverpool, classificando-se como a melhor cantora estrangeira. Três anos depois inicia a sua colaboração na Companhia Portuguesa de Ópera, do Trindade, cantando a “Rosina” do “Barbeiro de Sevilha”. A sua carreira prossegue até princípio dos anos 70, altura em que se torna professora do Conservatório Nacional. Quem se recorda das temporadas de S.Carlos e do Trindade nos anos 50 e 60, certamente não esquece Cristina de Castro.»
(Fonte: Mário Moreau, "Cantores de Ópera Portugueses", Vol.3) 
Foto e texto encontrados em tv.rtp.pt



segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Jerry Lewis é Ralph O Mau


"Passar despercebido nunca foi o meu forte."
Jerry Lewis


Personagem inventada por Jerry Lewis, Ralph Rotten (Ralph O Mau) é o Génio do Mal 
e o Mestre do Disfarce na sua luta infinita contra o bem. Uma delicia, que fazia parte 
de vários Jerry Lewis Show de 1967 e 1968. Aqui ficam 4 sketches.


"O perigo para as crianças hoje, querida, são as notícias. Mantenha-as longe 
das notícias na televisão e você vai ter crianças muito, muito boas e normais."
Jerry Lewis



domingo, 10 de fevereiro de 2013

O BELO E A CONSOLAÇÃO - GRAND FINALE (DEBATE)


"O que faz que valha a pena viver a vida?" 

Esta questão foi a base para Wim Kayzer (Haia, 1946) holandês, jornalista , cineasta e escritor, 
fazer o programa "Van De Schoonheid en de Troost", (O Belo e a Consolação) em 2000.


«O clímax da série "O BELO E A CONSOLAÇÃO" é este episódio final, que se baseia no encontro da maioria dos convidados. Durante a realização da série morreram dois dos personagens principais: Yehudi Menuhin e Richard Dufallo. Outros quatro não puderam participar por razões menos importantes, os seus trabalhos impediram a viagem para a Holanda: Vladimir Ashkenazy, Stephen Jay Gould, Steven Weinberg e Edward Witten. Mas os outros 20 entrevistados, vieram de todos os cantos do mundo a Amesterdão para trocar pontos de vista sobre "O BELO E A CONSOLAÇÃO". Primeiro eles foram olhar para a sua própria exposição no Museu Stedelijk. Cada participante tinha uma obra de arte escolhida pelo próprio, algo que para ele ou ela, retrata-se "a beleza e a consolação". A enorme variedade de trabalhos é fascinante. E é interessante ver cada um explicar porque, escolheram uma coisa ou outra. Depois seguiu-se o debate na galeria Zaaijer, acabando com um concerto de música dedicado a todos eles no próprio local de filmagem do debate. O resultado é um extraordinário programa de quase 3 horas.»
Esta série de Wim Kayzer, foi produzida por Vera de Vries, e apresentada pela primeira vez pela televisão holandesa VPRO, em 2000. Encontrei referencias a um livro em holandês de Wim Kayzer de titulo "Het boek van de schoonheid en de troost" (O livro da beleza e consolação), que saiu na mesma altura em que a série foi apresentada na Holanda. Pela pesquisa que fiz só teve edição holandesa. Segundo informação recolhida à pouco tempo (não consegui confirmar), esta série foi ou ia ser outra vez reeditada na Holanda e só lá, com legendas em holandês.
Aqui ficam para quase todos, os 24 programas + O Debate de "O Belo e a Consolação", legendados em português. Até já!



Da beleza e da consolação
Texto de João Lopes
Jornal Expresso
11 de Janeiro de 2002

O ano que acaba de morrer não nos deixou propriamente um rasto de beleza, nem um sabor de consolação. Foi o ano em que percebemos que essa simples ideia (mãe de toda a ética) de que o ser humano é um fim em si mesmo, ainda não se globalizou. Pelo que qualquer um de nós pode ser assassinado, a qualquer hora, globalmente, em qualquer lugar do mundo. E foi um ano em que a morte atacou demasiadas pessoas perto de mim. Amigos de juventude, ainda cheios de projectos, e, o que é talvez mais doloroso ainda (se é que a dor absoluta admite graus) filhos de amigos. Que digo àquele amigo cuja filha morreu, neste tão escuro Setembro de 2001, dois dias depois de completar dezassete anos? Que consolação lhe posso oferecer face a esse definitivo caixão branco, diante do qual brilhavam as dezassete rosas - frescas, lancinantemente vermelhas, insuportavelmente belas - que ele oferecera à filha, no dia do seu aniversário?
No desconsolo infinito das lágrimas do meu amigo, um homem que é o esboço original do riso e do afecto, encontro a prova derradeira de que beleza e consolação formam uma única matéria incandescente, essa matéria humana, visceral, iluminada e concreta a que chamamos amor. Só o silêncio uivante dos inconsoláveis consola, enchendo o mundo da voz apaziguada dos mortos muito amados. Que diremos, face a tão desmesurado amor? Que responder à mulher de um outro amigo morto, nesse instante em que ela lhe acaricia o belo rosto frio e sussurra: « Porque é que a morte não bate à porta e pergunta: 'quem posso levar?' Porque eu, por exemplo, tinha-lhe pedido que me levasse a mim, em vez dele.» A gente responde: «Coragem», «Força», «Conta comigo para tudo o que precisares» e outras frases sem importância nenhuma, porque eles, os que entregaram à eternidade dos seus mortos a beleza e a consolação da vida, já não ouvem essas nossas pobres palavras. Palavras medidas, sensatas, do deve-e-haver da vidinha em que nos aninhamos: «Afinal, ainda tens outra filha.» E o meu amigo sorri, o seu sorriso sem princípio nem fim, desta vez numa estranha versão resumida de ironia. Sabe que a lógica do pneu sobresselente acalma os que se julgam ainda completamente vivos. E sabe, acima de tudo, que cada filha é única. Sabe-o mais do que todos os homens que conheço, porque não conheço outro que, como ele, tenha herdado a tempo inteiro as duas filhas dos dois divórcios. Alimentou-as e amou-as e serviu-as sem descanso, telefonava-lhes a cada intervalo das reuniões, esticava e encolhia os horários da vida real para nunca lhes faltar - como se convencionou ser próprio das mães.
Um dos mais arreigados mitos do eterno feminino é esse de que a beleza e a consolação seriam atributos das mulheres. Na luminosa definição de Eduardo Lourenço, o mito é «vida que não passa na vida que passa». Assim, pior ou melhor, às mulheres continua confiada a orquestração dos grandes silêncios da vida - talvez por isso os grandes compositores sejam quase todos homens. O masculino continua a ser teórica e praticamente inconsolável. Educado para a acção, arredado desde a mais tenra infância da lentidão da mágoa, do calor sujo, doloroso, dos afectos. Às mulheres, desde há umas décadas, nas sociedades ocidentais, abriram-se-lhes as comportas da acção, mas permitiu-se-lhes - ou exigiu-se-lhes, o que, com maior ou menor canseira, vem dar ao mesmo - que continuassem a providenciar a beleza e a consolação do mundo. Mas há homens, como este meu amigo, capazes de reivindicar este privilégio, e de provar que nenhuma lei genética obriga o masculino a cingir-se ao lado infantil, ritual, repetitivo e brutal da vida.
Penso nisto - e disto faço carta de propósitos para 2002 - por ter revisto na SIC, às três e tal da madrugada, uma série holandesa sublime, precisamente intitulada «Da Beleza e da Consolação». Não tenho dúvidas de que o programa terá um efeito terapêutico imediato sobre potenciais suicidas, e sempre defendi o direito à insónia como técnica de superação dos limites solares da vida, mas gostaria de poder partilhar este prazer com a grande maioria da população que se levanta de manhã cedo para enfrentar o mundo. Até porque suspeito que é essa imensa maioria a mais necessitada da reflexão do sonho. O ponto de partida desta série desenha-se com a simplicidade portátil de um lápis: trata-se de perguntar a alguém o que representa para ele (ou ela) a beleza e a consolação. Então, filmam-se essas imagens de beleza e/ou consolação (porque há, por exemplo, aqueles para quem a beleza é inconsolável pela sua própria efemeridade, e aqueles que se consolam exactamente através do sentimento da brevidade do belo). A conversa entre o entrevistador ( Wim Kayzer, tão acutilante quanto invisível) e o entrevistado ( cientista, filósofo, soprano, pintor, escritor - sempre uma pessoa contaminada pela obsessão da descoberta) corre sobre uma montagem delicada dessas imagens e do rosto mutante da pessoa que, falando, se expõe. Porque a indagação sobre a luz intermitente das aparências conduz-nos a essa zona de sombras e sangue a que chamamos alma. E desse projector íntimo - longe, muito longe da pompa arquitectónica dos Deuses e Demónios em que nos escudamos para não viver a vida - solta-se o filme deslumbrante da alegria. A alegria microscópica de descobrir uma partícula inédita do universo ou, apenas, o movimento da luz nas lágrimas.



Beleza e consolação

Texto de Manuel António Pina
Jornal de Notícias
19 Julho de 2006


Em tempos de, como Heidegger diz, ausência de pensamento, é reconfortante encontrar de súbito alguém, ainda por cima num meio especialmente vocacionado para a ausência de pensamento como a TV, a interrogar-se em voz alta e a falar de beleza, alegria, serenidade, amor, humor, a propósito de coisas perplexas e surpreendentes como partículas e leis físicas, vida e morte, o "Andante sostenuto" da sonata D 960 de Schubert por Radu Lupu e os "Corvos" de Van Gogh, biologia e neurologia, acaso e necessidade... E descobrir seres humanos como nós (Jane Goodall, Steven Weinberg, Ed Witten, Yehudi Menuhin, George Steiner, Ashkenazy, Coetzee, Appel, Stephen Jay Gould, Germaine Greer...), que, por momentos, nos devolvem a esperança: talvez afinal, quem sabe?, não sejamos inteiramente miseráveis. O programa chama-se "Of beauty and consólation" e passa a horas mortas na SIC, quando a Direcção de Programas não tem mais nada para pôr no ar, antes das Televendas e entre anúncios de cervejas, de toques de telemóveis e de astrólogos. Mas muitas grandes descobertas, como dizia ontem Leon Lederman, fazem-se "às três da manhã, e por acaso"... E (privilégios da insónia) as noites de alguns "happy few" tornam-se então melhores que os dias de quase toda a gente.



sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Gjon Mili - Fotógrafo da LIFE


Woman's eye.  NY. 1945.


Gjon Mili, nascido em 1904 na Albânia, chegou aos Estados Unidos em 1923 e, sete anos mais tarde, através do seu trabalho com Harold Eugene Edgerton do MIT, fazia já várias experiências fotográficas na captura de sequências de acções através da utilização de um flash para imobilizar a cena. Foi dos primeiros a utilizar um flash electrónico e luz estroboscópica na criação de imagens que iam para além da mera utilidade científica. Até à sua morte, em 1984, foi fotógrafo da revista LIFE, onde as diversas reportagens o levaram a fotografar inúmeras personalidades. Em 45 anos de profissão, viajou por lugares do mundo inteiro retratando celebridades, artistas, desportos, shows, arte e arquitetura. 
(In, obviousmag.org e foto.espm.br)


Gjon Mili no seu estúdio em Nova York. 1983. 

 Salvador Dali e Gjon Mili no estúdio deste. 1952.

O pintor Raoul Dufy, em cadeira de rodas, olhando os cenários 
desenhados por ele para a produção da Broadway, "Cherie". NY. 1951.

Peter Lorre. 1944 e Ionesco. 1971.

Martha Graham. 1941?

Exposição múltipla de Alfred Hitchcock, durante as filmagens de "Shadow of a Doubt". 1942.

Henri Matisse pintando em sua casa em Nice. 1949

Edith Piaf. Paris, França. 1946

Vladimir Horowitz ao piano no seu apartamento em Nova York. NY. 1965.

Pablo Casals. França. 1966. 

Pablo Picasso. França. 1949.

 Igor Stravinsky. UK. 1957.

William Holden, na Dinamarca, durante as filmagens de O Falso Traidor 
(The Counterfeit Traitor, 1962) de George Seaton. Copenhaga. 1962.



Fotos da LIFE. Musica de Philip Glass - Methamorphosis pt. 2.
Carregado em 29/03/2010 por snakeBISHOP.




(Todas as fotos são de Gjon Mili e LIFE Archive)


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Paul Newman - O doce pássaro

por
João Bénard da Costa
A Casa Encantada
Público, Domingo 5 Outubro 2008


Post reformulado, retirei o recorte do jornal Público 
e coloquei apenas o texto de João Bénard da Costa.

Geraldine Page como Ariadne Del Lago e Paul Newman como seu amante, Chance Wayne, fumando haxixe juntos 
em uma cena da produção da Broadway "Sweet Bird of Youth" de Tennessee Williams. NY. 1959. Gordon Parks.


1. A gente nunca imagina o que a vida nos reserva. Nos anos 40 e 50, nunca imaginei que havia de chegar o dia em que Alportuche deixasse de ser a minha praia na Arrábida e no mundo. Nos anos 60 e 70, nunca imaginei que fosse desaparecer a Praia dos Pescadores, quando, depois de carregado luto pela praia da infância e da adolescência, a ela me costumava a habituar. Já nesses anos a entremeava com o Quereiro, a duna meigamente opulenta que fica no fim do Portinho. Nos anos 80 e 90, ela tornou-se quase um exclusivo como exclusivas eram as idas e vindas no yellow boat, dos restaurantes do Portinho (Galeão, primeiro, Beira Mar, depois) até esse areal relativamente longínquo – que alguns, menos preguiçosos, percorriam a pé, em coisa de vinte minutos. Mas o século XX acabou e, no actual, a opulência do Quereiro foi-se, como se foi a meiguice. Este ano, a devastação completouse. Duna de areia? Digam antes cova com areia, que tudo que era convexo côncavo se tornou, com a mesma mágoa sem remédio com que assistimos a semelhantes esvaziamentos nos humanos. “Também morre o florir de mil pomares / e se quebram as ondas no oceano”, como escreveu Sophia há muitos, muitos anos.
Assim, de praias na Arrábida o que resta? Uma língua de areia a meio do Portinho, cheia de barracas e palhotas de colmo, onde me dizem que em Julho e Agosto (que eu nesses meses não apareço por lá, senão quando estou muito distraído) se juntam carcavélicas multidões. E eis que chegado a esta idade, eu, crescido embora (Nuno, direitos de autor) em praias quase privativas, me vejo obrigado a palhotas dessas, após uma caminhada de um quarto de hora por um caminho infecto, povoado de dejectos, acotovelando-me com turistas de meia-tigela ou famílias barrigudas, alimentadas a doritos.

Paul Newman falando com Tennessee Williams, depois da estreia da 
peça "Sweet Bird of Youth" na Broadway.  NY. 1959. Gordon Parks.

2. Sábado 27 de Setembro. Sozinho, percorro eu esse melancólico carreiro, quando, numa volta dele, o telemóvel desata a tocar. O número nada me dizia, mas atendi. Do outro lado, uma voz feminina pedia desculpa pelo “incómodo”, mas não sabia se eu sabia que tinha morrido “o actor Paul Newman”. Eu não sabia. Então perguntou-me se eu não queria dar um depoimento (era de uma rádio) sobre “como me situava face à morte do actor Paul Newman”. “Como me situava?”, respondi e perguntei algo atónito. Apeteceu-me dizer-lhe que me situava numa curva de caminho escabroso, mas, como nos vamos habituando a tudo, aceitei o tal comentário, debitando meia dúzia de lugares-comuns ou de clichés feitos. Acho que até cheguei aos jeans e aos olhos azuis. No fim, a senhora, menina ou lá o que fosse saiu-se com esta: “Mas lamenta ou não lamenta a morte do actor?” Só nessa altura desliguei.
Apesar de saber Paul Newman moribundo e de saber até que deixara o hospital onde fora vencido pelo cancro, para poder morrer em casa dele e na cama dele, a notícia não me deixou igual ao litro. Quase cinquenta anos da minha vida os vivi com Paul Newman e passei mais horas com ele, em salas escuras, do que com quase todos os mortais que conheço.
O céu, num dia glorioso, tinha a cor dos olhos de Newman. Mas, quando olhei para o mar, não me consegui lembrar, do pé para a mão, de nenhum filme com Newman à beira dele. Não tardei a lembrar-me. Até do meu favorito (tudo bem pesado) que é a adaptação de Richard Brooks da peça de Tennessee Williams Sweet Bird of Youth (1962) que em Portugal se chamou – vá-se lá saber porquê – Corações na Penumbra. Mas se, nesse filme, como em tantos outros (quase todos os dos anos 60 e 70) são recorrentes os planos do torso nu do actor – esse torso de estátua grega, quando a pedra parece carne e apetece mordê-la –, esses planos não têm que ver com praias ou banhos de mar. Depois, pensei que o mesmo se passa com quase todos os filmes de Marlon Brando, nos anos da sua juventude, e se passa com todos, todos mesmo, de James Dean. Essa trindade de actores, que impôs definitivamente o Método de Strasberg e Kazan em Hollywood, depois de o ter imposto nos palcos, e que vivia tanto dos formidáveis ou atrevidos rostos como da beleza dos corpos, despiu-se largamente da cintura para cima (da cintura para baixo, nesses tempos, nenhum homem se despia em filme que se visse), mas, se a nudez era tão perturbante, tal se devia a estar mais associada a casas e camas do que a espaços livres. Talvez porque, nestes, a seminudez masculina fosse e seja visão habitual que, nos melhores casos, se pode admirar mas não cobiçar, enquanto nos outros já havia o acréscimo da transgressão em que o homem sem camisa levava a pensar no homem sem calças. Quem diz homem diz mulher? Talvez, mas já não estou tão certo e não é para digressões dessas que estou aqui hoje, regressado de férias. 



Tributo a Paul Newman (1925-2008).


3. Volto ao meu Sweet Bird of Youth. Paul Newman criou o papel no palco em 1959, numa encenação de Kazan, e essa criação, como as que teve no Picnic de William Inge ou em Desperate Hours de Joseph Hayes, foram decisivas não só para o impor como actor, como para os contratos subsequentes com Hollywood.
Mas entre a peça e o filme há modificações de bom tamanho e quase todas motivadas por razões censórias. A peça terminava com a castração de Newman pelo clã Finley, que assim se vingava da relação provocantemente sexual que este tivera com o anjo da família, sintomaticamente chamada Heavenly (e celestial foi Shirley Knight, que criou o papel nas telas, e celestial não sei se o foi Diana Hyland, que o criou nos palcos e nunca vi em vida minha). O love-ticket a que o irmão de Heavenly se refere era o propriamente dito. No filme, não havia nenhuma castração. O que ficava esmagado no final era o belo rosto de Newman, após uma sova bruta. Chamaram a Brooks “the chief castrator of honestly cynical stage art” e a esse nal “the cup-out ending to beat all cup-out endings”.
Nunca concordei. E nunca concordei porque, no filme pelo menos, o “sweet bird of youth” de Paul Newman está muito mais na cara e nos olhos (esses olhos de que a câmara se aproxima cada vez mais, cada vez mais) do que no sexo, ou mesmo na relação com Heavenly. É certo que ele é o gigolo de uma envelhecida ex-star (prodigiosa Geraldine Page, que também fizera o papel nos palcos), é certo que é esta quem, acariciando-lhe o torso (nu), fala de “sure hard gold”. Mas esse ouro, se brilha no corpo, brilha ainda mais no olhar azul e louro de Newman. Ora se esse olhar (“your good look”) é o que fundamentalmente revela a personagem, na sua crucial divisão, é esse olhar que é preciso destruir e é esse olhar que é efectivamente destruído, quando Shirley Knight, vestida de branco, o leva no Cadillac negro, no final. Face à personagem criada por Williams e Brooks (mesmo que de costas viradas um para o outro) esse final é mais coerente do que uma escabrosa cabidela. Não é “Hollywood frou-frou”, como à época se disse, mas é o final inteiramente poético que as personagens pediam e mereciam. Em Sweet Bird of Youth, Richard Brooks apenas levou mais longe e mais dentro o que já fizera, três anos antes, quando adaptou, também com Newman e também de Williams, Cat on a Hot Tin Roof. A homossexualidade ou frigidez da personagem (casado com uma “gata” que era nem mais nem menos Elisabeth Taylor) não é explicitada no filme, mas cada plano do corpo de Newman reenvia à carnalidade abafante dessa família de tragédia grega. 

Paul Newman às compras com sua mulher, Joanne Woodward. NY. 1959. Gordon Parks.


4. Paul Newman foi grande quase até ao fim, pois só em 2005 se retirou. O célebre “good look” era ainda bem visível (talvez “the best look”), quando finalmente lhe deram o Óscar em 1986, pela sua criação em The Color of Money de Scorsese, sintomaticamente um remake do prodigioso The Hustler de Robert Rossen, em que já era esmagado e esmigalhado e em que já era tão sensualmente masculino como joguete de deuses, que uma inusitada fragilidade não lhe permitia dominar.
É talvez por isso – resumindo e simplificando muito – que eu nunca concordei com os que o consideravam uma réplica menor de Brando ou de Dean. Percebo Kazan, quando este disse que ninguém como Newman compreendeu o espírito do Método, representação de contradições. Os braços suplicantes, as mãos que tremem enquanto diz “Listen to me” ou tantas outras marcas da escola nunca são nele cliché fácil, mas o sinal do desacordo entre tão belo exterior e tão convulso interior. Exemplo flagrante e quase inicial: a sua versão de Billy the Kid, de Arthur Penn e Gore Vidal (The Left-Handed Gun, 1958) quando o teenager William Bonney (Billy) era apanhado por uma guerra absurda e dela trouxe a amargura revoltada que o levou a matar sempre por uma razão e sem razão, em desenraizamento longínquo e final. Quando o filme se estreou em Portugal, em descoberta quase simultânea de Arthur Penn e de Paul Newman, com o título parvíssimo Vício de Matar, Ruy Belo, que aqui evoquei na minha última crónica de Verão, escreveu um poema espantoso. Esse que começa com a pergunta  “Para onde há-de ir billy the kid?”. E mais adiante: “O caminho da ida e o caminho da volta / não são afinal o mesmo caminho / Billy conhece agora o destino. Sempre inquieto sempre a correr / amou a vida como se amar fosse morrer / Sabe-lhe bem ser de novo menino.”
Releio o poema e penso em Paul Newman. Ele foi tão grande em velho. Ele foi tão bonito em velho. Mas quando pensamos nele – doce pássaro – é a juventude o que mais lembramos, é o novíssimo Paul Newman – corpo e olhar ou corpo e alma – de quem temos mais saudades. E sabe-nos bem que ele seja de novo menino. Mudando Billy por Paul: “Paul que nunca soubera fugir / nem mesmo pergunta para onde há-de ir.

João Bénard da Costa
A Casa Encantada
Jornal Público
Domingo 5 Outubro 2008


Repare-se na expressão do rosto da mulher que está sentada ao lado 
de Paul Newman num programa de TV em 1958. Leonard Mccombe.

Paul Newman. 1967. Mark Kauffman.



(Fotos LIFE Archive)



sábado, 2 de fevereiro de 2013

Gerda Taro



Nasceu em Estugarda, Alemanha, em 1 de Agosto de 1910; e morreu em Madrid, Espanha, em 26 de Julho de 1937. Video encontrado no youtube: Gerda Taro, a sua história fotográfica, com muitas fotos rarissimas. Carregado por ganlesat em 2009.


Gerda Taro nascida Gerda Pohorylle, em Estugarda, Alemanha, era filha de um casal polaco de educação liberal e origem judaica. A família mudou-se para Leipzig quando Gerda tinha dezanove anos. Devido à crescente influência dos nacionais-socialistas e a um novo círculo de amigos, envolveu-se em organizações de esquerda locais, tendo sido presa em 1933 por participar numa campanha de protesto anti-nazi. Percebendo que era muito perigoso permanecer na Alemanha, foi viver para Paris.


Gerda Taro na frente de guerra em Córdoba, setembro de 1936. Robert Capa. 
Foto de www.magnumphotos.com


Após um ano em Paris, tendo dificuldade em encontrar trabalho, Gerda conheceu o fotógrafo húngaro André Friedmann, que viria a mudar o seu nome para Robert Capa. Gerda e André passaram a viver juntos, tendo Gerda começado a gerir a componente empresarial do trabalho de Capra, e iniciando-se na fotografia. Trabalhou na agência Alliance Photo, o que lhe proporcionou uma experiência inestimável na área do fotojornalismo e, em Fevereiro de 1936, obteve o seu primeiro cartão de jornalista. Gerda e André, frustrados com a falta de sucesso a vender as suas reportagens, criaram um fotógrafo americano fictício chamado Robert Capa, sob cuja identidade poderiam conseguir arranjar melhores contratos ao contrário dos muitos emigrantes judeus do leste da Europa a viver em Paris. Gerda, por sua vez, mudou o seu apelido para Taro, utilizando o do artista japonês Taro Okamoto. Ambos os nomes tinham ressonâncias de Hollywood: Capa ecoando o cineasta norte-americano Frank Capra, e Gerda Taro recordando Greta Garbo.


 Gerda Taro em Guadalajara, pouco tempo antes de ser morta. 1937. Robert Capa? e Soldados 
Republicanos na Batalha de Brunete, onde Gerda Taro morreu, Espanha. Julho 1937. Gerda Taro.
Fotos encontradas em wikipedia.org e digitaljournalist.org

Quando a Guerra Civil Espanhola foi desencadeada, em 17 de Julho de 1936, Capa e Taro foram imediatamente para Barcelona. A oportunidade de poder fazer fotografia de combate, conjuntamente com a participação numa causa de esquerda, que para os emigrantes Capa e Taro era simpática, foi uma oportunidade ímpar para o casal. Fotografaram muitas vezes em conjunto as mesmas cenas. Os seus retratos deste período são facilmente distinguíveis, pois usavam câmaras que produziam negativos de diferentes proporções – Taro o formato quadrado da Rollei, e Capa o rectangular da Leica. Além disso, o trabalho de Taro revela o seu interesse em experimentar a dinâmica de ângulos de câmara da fotografia da Nova Visão. Depois de fotografar em Barcelona, dirigiram-se para oeste e depois para sul, até Córdoba, onde Capa fotografou o seu famoso "Soldado Caindo", um miliciano republicano caindo para trás numa encosta, ao ser mortalmente atingido por uma bala.


Um menino com o uniforme da Federação Anarquista Ibérica, Agosto de 1936. Gerda Taro.
Foto encontrada em wikipedia.org


Desde o início, as fotografias de Taro e Capa foram publicadas em revistas como a Vu, reputada revista francesa ou no Züricher Illustrierte da Suíça. Embora o trabalho tenha sido creditado inicialmente a "Robert Capa", era um projecto colectivo para o qual ambos contribuíram. Os álbuns com as impressões das folhas de contacto deste período mostram que a colaboração era clara: as fotografias de Taro e Capa não estão atribuídas, estando intercaladas, havendo reportagens composta pelos dois autores.


Dinamiteiros republicanos, em Carabanchel, arredores de Madrid, Junho de 1937. Gerda Taro.
Foto encontrada em wikipedia.org


Capa e Taro regressaram a Paris no Outono tendo feito uma segunda viagem a Espanha em Fevereiro de 1937. As fotografias desta segunda viagem são mais difíceis de distinguir, uma vez que tanto Taro e Capa trabalharam no mesmo formato rectangular de 35 milímetros. Para além de que passaram a publicar as suas fotografias com o nome "Capa e Taro," como numa fotografia de página dupla publicada no semanário francês Regards sobre os combates em Madrid. Capa permaneceu apenas brevemente em Espanha, regressando a Paris no final do mês, enquanto Taro ficou. Parece que o seu romance tinha arrefecido, e Taro estava a ter sucesso individualmente na imprensa francesa de esquerda. A partir de Março de 1937, as fotografias publicadas no Regards e no jornal de esquerda apoiante da Frente Popular Ce Soir são creditadas como "Foto Taro". Algumas das fotografias mais impressionantes de Gerda foram tiradas na Primavera de 1937 num hospital e numa morgue a seguir ao bombardeamento de Valência. Taro parece ter-se adiantado à famosa afirmação de Capa de que "se as tuas imagens não são suficiente boas, é porque não estás suficiente perto", com as suas fotografias de vítimas civis da guerra.


Pablo Picasso, Françoise Gilot e Javier Vilato. França. 1948. Robert Capa.
Foto encontrada colorsinlove.blogspot.pt


Em Julho, Gerda Taro cobriu, em Madrid, o Segundo Congresso Internacional de Escritores para a Defesa da Cultura e, em seguida, deslocou-se a Brunete, nos arredores da capital, para cobrir a luta para o Ce Soir. Durante duas semanas, Taro fotografou a batalha em redor da cidade. As suas imagens foram amplamente reproduzidas, em parte porque demonstravam que os republicanos estavam defendo Brunete, apesar de os nacionalistas afirmarem o contrário. Em 25 de Julho a posição dos republicanos vacilou, e Taro viu-se sozinha no meio de uma retirada precipitada. Saltou a correr para bordo de um veículo transportando vítimas, mas um tanque raspou no carro atirando Gerda Taro ao chão. A fotógrafa morreu no dia seguinte. O seu corpo foi tresladado para Paris, onde a fotógrafa foi proclamada mártir antifascista. O seu funeral, assistido por milhares de pessoas, realizou-se no dia do que teria sido o seu vigésimo sétimo aniversário. (texto encontrado em www.arqnet.pt)



Gerda Taro, sem outras indicações.
Fotos encontradas em deccard.blogspot.pt


Homenagem da LIFE em Agosto de 1937. LIFE Archives.