quarta-feira, 28 de março de 2012

Millôr Fernandes (1923-2012)

Millôr Fernandes fez de tudo: foi jornalista, escritor, dramaturgo, tradutor, cartoonista. Mas era, antes de mais, um humorista, que marcou a Cultura brasileira do último século. Morreu de falência multiorgânica, nesta terça-feira, no Rio de Janeiro, após quatro meses de internamento. Millôr tinha 88 anos. 
(In, www.publico.pt)


Cartoons de Millôr Fernandes




Jus sperneandi

(Uma crónica de 1998 do humorista, cartoonista e outros istas 
brasileiro Millôr Fernandes. Encontrada em home.dbio.uevora.pt)

Um juiz de qualquer lugar do país, e nosso país é grande, pode proibir o que bem entender em qualquer parte do país, e não tem que dar explicações a ninguém. Como Deus. Não adianta chiar. Agora um juiz lá dos pampas, estado que, por sinal, acabou de realizar bela eleição — resolveu que ninguém pode mais fumar nos céus do Brasil, e mesmo em céus fora do Brasil. Voou — em supersónico, subsônico, avião particular, de passageiro, de carga, asa delta, cai na Lei lntragável. Se as otoridades descobrirem um cigarro queimando acima da cabeça dos cá de baixo, cadeia pra todo mundo, multa pra companhia, decapitação pro comandante.

Tudo começou com a proibição de fumar em cinema — razoável porque o ambiente é fechado e há perigo de incêndio. Tentaram proibir nos restaurantes — não colou. Então estabeleceram-se setores fumantes-não fumantes, como na Sala Oval, do Clinton. Depois de proibirem o fumo nos motéis — dá brochura — os legisladores subiram aos aviões, primeiro proibindo por zona, depois ordenando proibição total em "pequenos" trajetos. E agora sua Altíssima Reverendissima não sei lá de onde proibiu todo mundo de fumar em qualquer lugar e de qualquer maneira quando estiver com os dois pés acima do solo. A explicação é que os fumantes ativos — heterotabagistas — estão provocando tosses, doenças e mortes entre os passivos — homotabagistas.

Promulgada a lei, logo aparecem falsos médicos — com magníficos diplomas — falsas tabacologistas com caras de não fui fumada e não gostei — cheios de estatísticas: está provado que 35% das pessoas que voam a Paris morrem de sufocação linguística, 3% por cento dos que frequentam a ponte-aérea morrem de ópera seca, 2% das mulheres que viajam mais de uma vez por ano em aviões internacionais têm filhos anormais, ou normais mas bichas — se é que pode. Em suma, quem viaja de avião não precisa mais ter medo de tempestade, falha no motor, piloto bêbado ou peças compradas sem licitação — tem que ter medo do fumante que está ao seu lado ou mesmo pitando agachadinho lá atrásó no último banco. Quer dizer, num país desgovernado, existe um juizado só pra proteger cidadãos fumantes passivos de cidadãos tarados ativos. Por que o meritíssimo não faz uma lei tornando ilegal o seqüestro, no qual todas as vitimas são passivas? Já existe? Ah! Porque não prende imediatamente o Naya, o Roriz e o vice do ltamar? Ou pelo menos o Maluf, que agora está sem poder e já é meio de esquerda?

Querem estatística? Faço uma à minuta, sem consultar ninguém. Quem voa no Brasil não chega a l % da população (será que 1.500.000 pessoas voam no Brasil?). A média de vôo de cada pessoa, mesmo contando pontes-aéreas, não passa de 24 horas por ano. Assim, mesmo que o cidadão tenha a infelicidade de viajar metade do tempo ao lado de um tabagista da pesada, e que este tabagista fume metade do tempo, o passivo será submetido apenas a 6 horas de fumo passivo por ano. Ou meia hora por mês. Ou um minuto por dia.

Um cara que vai morrer por causa disso não merece viver.

Repito sempre: não fumo. Sou apenas visceralmente antifascista.

E não estou brincando. Reajam enquanto é tempo.


Algumas frases de Millôr Fernandes

"De todas as taras sexuais, a pior de todas é a abstinência"
(Millôr Fernandes)

"Não, o Brasil não é o único país corrupto do mundo. Mas a nossa corrupção é a mais gratificante".
(Millôr Fernandes)

"Você pode evitar descendentes. Mas não há nenhuma pílula para evitar certos antepassados"
(Millôr Fernandes)

"O último refúgio do oprimido é a ironia, e nenhum tirano, por mais violento que seja, escapa a ela. O tirano pode evitar uma fotografia, não pode impedir uma caricatura. A mordaça aumenta a mordacidade."
(Millôr Fernandes)

"Se todos os homens recebessem exatamente o que merecem, ia sobrar muito dinheiro no mundo."
(Millôr Fernandes)

"O século XX nos deu o cinema, o telefone, o automóvel, o avião, a penicilina, a asa-delta, o computador, tanta coisa maravilhosa. Mas a maior invenção de todos os tempos é do século XXI, o Google. A cultura prêt-a-porter".
(Millôr Fernandes)


(textos e cartoons encontrados á solta na net)




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