sexta-feira, 25 de maio de 2012

VIVA O REI HERODES !!

ou
A PROBLEMÁTICA DAS CRIANCINHAS
COMO ESPECTADORES DE TEATRO


por
Mário Viegas


Mário Viegas, 1988.
As Crianças são seres que existem na humanidade há mais tempo do que as gravuras do Vale do Côa.
As Crianças são amadas por todos, é claro!  Cada Estrelinha que nós vemos no Céu, é uma Alminha de uma Criança que morreu.
E é que já morreram milhões e biliões!... E, cada dia, os astrónomos descobrem mais!...
Cristo dizia nos seus monólogos (quando andava em digressão pela Galileia):
- "Deixai vir a Mim as Criancinhas!!".
Fernando Pessoa (já com "uns copos"...) dizia, num dos seus Poemas:
- "... o melhor do Mundo são as Crianças.".
O Povo, e a Pova, diz na sua Sabedoria :
-  As Crianças são a voz de Deus!".
As Crianças são tão amadas e desejadas que, até os antigos Comunistas, comiam sempre uma ao pequeno-almoço!!!
Mas...
Mas as Crianças, ou melhor, as "putas das criancinhas", são a pior Coisa que há durante um espectáculo de Teatro!!!
Basta estar uma na plateia, para o espectáculo dessa noite estar todo lixado, mais tarde ou mais cedo.
Elas chegam, geralmente acompanhadas pelos Pais...
Os pais são avisados na Bilheteira, que o espectáculo: "Talvez não seja apropriado..."; "É muito grande..."; "Não vão perceber..."; "Acaba muito tarde..."; "Tem cenas pouco apropriadas..."; "não podem fazer barulho..." etc, etc... etc, etc...  Tudo tentativas vãs, de afastar "tais Espectadores"...
O Papá ou a Mamã respondem, babados, ameaças terríveis :
- "O meu filho porta-se muito bem."; "Ai, ele é muito sossegadinho!"; "Ah! Ele está muito habituado!"; "O espectáculo não é para todos?!"; "Eu responsabilizo-me!..."; "Se ele fizer barulho, nós saímos." etc, etc, etc...
E elas entram!! Entram !!!

Eu conto-lhes só duas histórias, que se passaram comigo, como Actor, e que demonstram bem como esses "seres", podem dar cabo de uma representação.
Em 1992, na peça "Nápoles Milionária" de Eduardo De Filippo, eu representava o Pai da família.  O quarto acto então, era muito emocionante e genialmente escrito pelo genial autor napolitano.
O público ficava preso à acção, num silêncio emocionadíssimo agarrado pelo drama que se desenrolava, em cena.  A minha filhinha mais novinha estava a morrer, nos bastidores, e não havia, em Nápoles, (onde decorria a acção, no tempo da II Guerra) remédios, nem dinheiro para a salvar.
Eu arranjara, para mim, uma marcação de cena muito boa!  Ficava todo o acto, sempre sentado de frente, numa cadeira colocada no meio da casa da família.  A luz da ribalta (uma luz que ilumina a cara, por baixo) salientava-me a expressão de dor, o olhar trágico, as lágrimas que caíam!...  E o público ficava ali, preso do meu rosto e olhar!...
Uma tarde, estava um calor horrível na nossa sala e eu suava em bica.  E nisto, no meio do maior silêncio e emoção teatral, ouviu-se a Voz Terrível de uma menina, que perguntou:
- "Oh mãe?! Ele está a chorar ou só está a suar?!"
Foi uma galhofa enorme! "caiu a casa!", como se costuma dizer... Estragou-se o De Filippo, a trágica história napolitana, as lágrimas de crocodilo do Actor, tudo!
Pensei (confesso!!) estrangular a menina!...

Outra história!  É que não há uma, sem duas....
No outro dia, em Loulé, ao apresentar o espectáculo "Europa Não!  Portugal Nunca!" (em que apresento a minha Candidatura à Presidência da Republica) e, depois de muito o público se ter rido e ter feito perguntas, houve um Espectador que disse que havia um menino que também queria fazer uma perguntinha.  Eu, armado em Actor Cómico, pedi a todos silêncio, porque era " a Voz de uma Criança, a Voz do Futuro" que ia falar! Estava, nesse momento, a falar-se de coisas muito sérias, graves e poéticas. Ouviu-se, então, a pergunta do menino em todo o teatro , apinhado de gente:
- " E vai dar auto-colantes?!!"
Foi a maior gargalhada e salva de palmas da noite. "Caiu a casa!".  E eu que me tinha esforçado tanto!! O cabrão do miúdo ganhou-me aos pontos!

Herodes, O Grande
As Crianças (como está provado) são um perigo como Espectadores, quer de uma peça dramática, quer de uma peça cómica.

Para terminar, aqui deixo uma discreta homenagem, como Actor, ao glorioso Rei Herodes, da Galileia, que numa única noite, resolveu "o assunto".  É o que vem no Novo Testamento...
Não escapou uma!!
Perdão!  Escapou um!!!  Escapou um!  Dizem que conseguiu fugir de burro com os Pais, da praia da Nazaré, para Belém...
Estamos lixados, há perto de 2000 anos, por causa dele!!...
Hossana!!!


Mário Viegas, Crónica no Diário Económico, 1995.



(Foto de Mário Viegas de citizengraveblogspot e a do Herodes estava na net)




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