domingo, 27 de maio de 2012

Juan Rulfo, Escritor e Fotógrafo

Coisas boas em jornais 


«Tive uma infância muito dura, muito difícil. Uma família que se desintegrou muito facilmente num lugar que foi totalmente destruído. Desde o meu pai e minha mãe, inclusive todos os irmãos de meu pai foram assassinados. Vivi, portanto, numa zona devastada. Não apenas de devassidão humana, mas devassidão geográfica. Nunca encontrei até à data uma lógica que explique tudo isto. Não se pode atribuir à Revolução. Foi mais uma coisa atávica, uma coisa do destino, uma coisa ilógica. Até hoje ainda não encontrei um ponto de apoio que me mostre porque nesta minha família sucederam nessa forma, e tão sistematicamente, essa série de assassinatos e de crueldades.»
in Los muertos no tienen ni tempo ni espacio, diálogo com Juan Rulfo.


Juan Rulfo (México, 1917-1986) é talvez o autor sul-americano mais comentado, elogiado e imitado do século XX. Toda a sua obra literária conhecida, que reunida pouco ultrapassa as 300 páginas, é considerada como fundadora, origem de uma nova forma de literatura, que deu lugar a escritores como Gabriel Garcia Márquez, um dos seus mais famosos e reconhecidos devedores. De Pablo Neruda a Carlos Fuentes, de Octávio Paz a Jorge Luis Borges e Juan Carlos Onetti, abundam os testemunhos de admiração dos seus pares e o assombro e desconcerto da crítica. Em contraste com este enorme rumor a rodear a escassa obra de Rulfo, está o silêncio em que desapareceu o escritor desde a publicação, em 1955, de Pedro Páramo e até à sua morte, em Janeiro de 1986. Silêncio este apenas interrompido pela revelação esporádica, por parte de jornalistas, da iminente “saída” de uma nova novela, La cordillera, que acabou por se tornar mítica. As tentativas de explicar esta prematura interrupção da escrita de um dos mais marcantes escritores contemporâneos no auge da sua fama contribuiu para aprofundar a «lenda Rulfo».
(textos de iraofuturo.blogspot.pt)


Juan Rulfo, o fotógrafo


"El mundo que Rulfo busca en sus fotografías es el mismo del que habla en su literatura. Tiene 
su misma temperatura, sus sombras, sus silencios, su tranquilidad. Tiene su magia y su melancolía."
(María Paulína Ortíz, In, umaespeciedemim.blogspot.pt)



Foto de Juan Rulfo, sem data encontrada em portada www.irdeb.ba.gov.br

 Fotos de Juan Rulfo, sem data encontradas em 
micasaesmimundo.blogspot.pt e www.irdeb.ba.gov.br

  Fotos de Juan Rulfo, sem data encontradas em 
www.irdeb.ba.gov.br e www.labfoto.ufba.br

  Fotos de Juan Rulfo, sem data encontradas em 
ricardoarmasphotography.blogspot.pt e www.labfoto.ufba.br

 Foto de Juan Rulfo, sem data encontrada em www.fabiopenacalgaleria.com.br



Assombro por Juan Rulfo
por

GABRIEL GARCIA MARQUEZ

A descoberta de Juan Rulfo - tal como a de Franz Kafka - será, sem dúvida, um capítulo essencial das minhas memórias. Eu tinha chegado ao México no mesmo dia em que Ernest Hemingway disparou o tiro da sua morte - 2 de Julho de 1961 -, e não só não tinha lido os livros de Juan Rulfo, como nem sequer tinha ouvido falar dele. Era muito estranho. Desde logo porque, naquela época, eu me mantinha muito a par da actualidade literária e, em especial, do romance nas Américas. Em segundo lugar, porque as primeiras pessoas que contactei no México foram os escritores que trabalhavam com Manuel Barbachano Ponce, no seu castelo de Drácula das ruas de Cordoba, e com os redactores do suplemento literário de Novedades, que Fernando Benítez dirigia. Todos eles conheciam muito bem Juan Rulfo, bem entendido. No entanto, passaram pelo menos seis meses sem que alguém me falasse dele. Talvez porque Juan Rulfo, ao contrário do que acontece com os gran­des clássicos, é um escritor que se lê muito mas do qual se fala muito pouco.
(...) De modo que eu já era um escritor com cinco livros clan­destinos. Mas o meu problema não era esse, pois nem então, nem nunca, eu tinha escrito para ser famoso, mas sim para que os meus amigos gostassem mais de mim, e julgava ter conse­guido isso. O meu grande problema como romancista era o facto de, depois daqueles livros, me sentir num beco sem saída, e procurava por toda a parte uma brecha para escapar. Eu conhecia bem os autores, bons e maus, que teriam podido mos­trar-me o caminho e, no entanto, sentia-me a andar em círcu­los concêntricos. Não me considerava esgotado. Pelo contrário: sentia que ainda me restavam muitos livros pendentes, mas não concebia um modo convincente e poético de os escrever. Estava eu nisto, quando Álvaro Mutis subiu, a passos largos, os sete pisos da minha casa com um pacote de livros, separou do monte o mais pequeno e curto e me disse, morto de riso:

- Leia isto, carago, para que aprenda!

Era Pedro Páramo.

 Nessa noite não consegui adormecer enquanto não terminei a segunda leitura. Nunca, desde a noite tremenda em que li a Metamorfose de Kafka numa lúgubre pensão de estudantes em Bogotá — quase dez anos antes —, eu sofrera semelhante como­ção. No dia seguinte, li a A planície em chamas e o assombro permaneceu intacto. Muito depois, na sala de espera de um consultório, encontrei uma revista médica com outra obra-prima desirmanada: La herencia de Matilde Arcángel. Durante o resto daquele ano não consegui ler nenhum outro autor, por­que todos me pareciam menores.
 (...) Os meses em que decorrem certos acontecimentos são essenciais para a análise da obra de Juan Rulfo e eu duvido que ele estivesse consciente disso. No trabalho poético - e Pedro Páramo é-o, no seu grau mais alto - os autores costumam invocar os meses por com­promissos diferentes do rigor cronológico. Mais ainda: em mui­tos casos, muda-se o nome do mês, do dia e até do ano apenas para evitar uma rima incómoda ou uma cacofonia, sem pensar que essas mudanças podem induzir num crítico uma conclusão terminante. Isto não acontece só com os dias e os meses, mas também com as flores. Há escritores que se servem delas pelo simples prestígio dos seus nomes, sem prestarem muita atenção ao facto de corresponderem, ou não, ao lugar e à estação do ano. De modo que não é raro encontrar bons livros onde flo­rescem gerânios na praia e túlipas na neve. Em Pedro Páramo, onde é impossível estabelecer de uma forma definitiva onde está a linha de demarcação entre os mortos e os vivos, as exactidões são ainda mais quiméricas. Ninguém pode saber, na rea­lidade, quanto duram os anos da morte.
 Quis dizer tudo isto para terminar dizendo que o escrutínio a fundo da obra de Juan Rulfo me deu, por fim, o caminho que procurava para continuar os meus livros e que, por isso, me era impossível escrever sobre ele sem que tudo isto parecesse ser sobre mim próprio. Agora também quero dizer que voltei a ler toda a sua obra para escrever estas breves nostalgias e que vol­tei a ser a vítima inocente do mesmo assombro da primeira vez. Não são mais de 300 páginas, mas são quase tantas, e creio que tão perduráveis como aquelas que conhecemos de Sófocles.



(excerto do texto de Gabriel Garcia Marquez lido em 2003, data em que se cumpriu o cinquentenário da primeira 
edição de "El Lano en llamas", no México. Texto já traduzido encontrado em estrolabio.blogs.sapo.pt)



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