Evocação de Rodolfo Valentino
por
Alves Costa
Henrique Alves Costa (1910-1988) desempenhou um papel fundamental na divulgação do cinema no Porto e no país, e na divulgação do cinema português. Co-fundador do Cineclube do Porto, do Cineclube do Norte, da Federação Portuguesa de Cineclubes, dirigiu também a revista “Cinema”, desta última, e foi autor de variados textos críticos e livros.
Alves Costa |
Cine Águia d’Ouro, 1968, possivelmente um dos cinemas referidos por Alves Costa. Foto original de Óscar Coelho da Silva encontrada em casadecamilo.wordpress.com |
Pois foi por ter acontecido pertencer a uma geração que, começou a ir ao cinema, livremente, aos cinco anos de idade, que pude ver, à data da sua estreia, «Os quatro cavaleiros do Apocalipse», primeira versão do romance de Blasco Ibanez, realizada em 1921 por Rex Ingram, tendo como interprete de um dos principais papéis o jovem actor Rodolfo Valentino, que viria a ser uma das mais populares figuras do cinema de todos os tempos. Na minha memória ficaram muitas imagens dispersas e confusas. Mas lembrava-me sempre da figura dum general alemão (interpretada por Wallace Beery, como muito mais tarde vim a saber) e de um tango (muito argentino....) que Valentino dançava... e que os meus parentes mais crescidos procuravam imitar nas bailações que se faziam em família em dia de anos. Tipo acabado do que os
Rodolfo Valentino com o olhar de matador no filme The Young Rajah (1922) de Phil Rosen. Foto LIFE Archive.
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Eu ouvia falar muito de Valentino, nos meus muito verdes anos. Meus primos mais velhos - como muita rapaziada da época - usavam penteado lambido e patilhas «à Valentino». O retrato de Rudy podia ver-se à cabeceira de muita menina que despertava para o amor ou de muita solteirona pronta para a dádiva de si própria.. Levado naquela onda, com os meus doze ou treze anos, também algumas vezes vagamente desejei vir a ser assim belo, desenvolto, vitorioso e sedutor, quando fosse grande...
Rodolfo Valentino em The Sheik (1921) de George Melford e em The Young Rajah (1922) de Phil Rosen. Fotos LIFE Archive.
Quatro anos depois, estalaria o drama. Rodolfo Valentino, o great Iover por excelência, o ídolo de todos os corações românticos dos anos vinte, morria, após prolongada e dolorosa agonia, em 24 de Agosto de 1926, com trinta e dois anos de idade! A consternação excedeu todos os limites. Aqueles fenómenos de delírio ou de histeria colectiva de que tanto acusam os teen-agers de hoje, ficam a perder de vista ao lado da vaga emocional que sacudiu a América e a própria Europa.
Durante o velório e o funeral gera-se um aperto monstro. As pessoas empurram-se, pisam-se esmagam-se e muitas são levadas dali seriamente feridas. Centenas de mulheres perdem a cabeça, gritam, arrancam os cabelos, rasgam as roupas; desmaiam ao lado do ataúde, estrebucham em convulsões de histerismo, sufocam numa torrente de lágrimas e soluços. É um delírio colectivo como nunca se tinha visto. As ruas que conduzem ao cemitério, estão cobertas de flores. Desde a véspera que já não havia onde colocar mais coroas, mais ramos... Depois veio o luto... alguns suicídios... e a criação de associações para manterem viva a memória de Valentino. Em Portugal, muita gente vestiu-se de preto...
Funeral de Rodolfo Valentino.
Hoje, tudo isto custa um pouco a acreditar. Muitos, muitos anos depois da morte de Valentino, ao ver «O Sheik», com um pequeno grupo de pessoas de idades diferentes, encontrámo-nos todos a rir até às lágrimas com as cenas de amor do sedutor Rodolfo. Como tinha sido possível - interrogávamo-nos - tamanha loucura colectiva, tamanho fascínio à escala mundial por este jovem actor cujo magnetismo se perdera por completo e cujo «felino encanto» agora nos parecia profundamente ridículo?... Como foi possível que o tempo (umas dezenas de anos) tenha desagregado o mito, tenha destruído um dos maiores ídolos do cinema, tenha apagado o seu magnetismo?... Mas ter-se-ia - mesmo apagado?... Teria o ídolo sido mesmo destruído?...
Com espanto, verifico que o culto por Valentino não desapareceu ainda. Noticiaram os jornais que no passado dia 26 de Agosto, muitas centenas de pessoas vieram juntar-se à volta do túmulo de Rudolfo Valentino numa manifestação de emocionada saudade, quarenta e cinco anos depois da sua morte!
A morte de Valentino não apagou logo o fogo da sua popularidade, não extingiu logo a sua fama lendária. Mas os anos passaram. Vieram outros gostos, outras modas, outros tipos de sedutores outras gentes. Com o Cinema sonoro vieram outros ídolos. O tempo trouxe - supunha eu - o esquecimento. Um dia destes, abro jornal e leio com espanto que Rodolfo Valentino não tinha sido esquecido. Que ainda há quem mantenha vivo (ou reacenda) o culto da sua memória (e ao que diz a notícia são por centenas os votos!) e vá chorar sob a sua campa coberta de flores, a quarenta e cinco anos de distância da sua morte!... Mas quem? Velhinhas de setenta anos (que continuam a sonhar)?... Jovens (ainda românticas) e por certo frustradas, entontecidas e fascinadas por um herói de lenda?... Gostaria de saber.
ALVES COSTA, jornal A Capital, 11 de Setembro de 1971
Um cinema do Porto já desaparecido
O Cine Águia d'Ouro no inicio dos anos 20.
Foto encontrada em doportoenaoso.blogspot.pt
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O Cine Águia d'Ouro no fim dos anos 80.
Foto encontrada em outra-face.blogspot.pt
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O dia 17 de Junho de 1899 marcou o nascimento do Cinema Águia d’Ouro. Edificado na Praça da Batalha, no Porto, a sua fachada oitocentista marcou, durante anos, o cinema portuense. Foi circo, recebeu teatro e, em 1907, assistiu à estreia do cinematógrafo de Thomas Edison. A partir de 1920, a exibição de filmes começou a ser feita de forma regular. Viveu uma época áurea e no local, onde anteriormente funcionou um botequim, realizaram-se tertúlias com a presença de Camilo Castelo Branco, Delfim Maia, entre outros. No entanto, na década de 80 entrou em declínio e acabou progressivamente dotado ao abandono e à degradação, o que ditou o seu fim no dia 31 de Dezembro de 1989.
(In, www.jn.pt)
(In, www.jn.pt)
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