terça-feira, 15 de janeiro de 2013

As duas vidas de Joaquim de Almeida


por António Cabrita
Expresso 15 junho 1996

Coisas encontradas em jornais


Brincadeira minha com fotos de Joaquim de Almeida encontradas na net.

«POR UMA dessas espantosas coincidências, das quais Paul Auster retira o sumo da sua demanda literária, o nome de Joaquim de Almeida está ligado aos dois pólos da história do cinema português: ao das suas primeiras projecções e ao da época que marca o centenário da Sétima Arte.
Será o mais internacionalizado actor português de sempre um alquimista disfarçado, que de cem em cem anos reaparece com o seu próprio nome, quando o facto já pode passar por coincidência? Será o nosso  Joaquim de Almeida um herdeiro genético do outro Joaquim de Almeida que, nos intervalos  da sua actuação, assistia maravilhado às primeiras projecções em Portugal da «fotografia com vida»?  Aí está um caso para uma boa agência de detectives. O melhor é contar como isto, afinal, anda tudo ligado.

Real Coliseu, em 1896 estreou-se aqui o cinema em Portugal. Foto anterior a 1929. Alberto Carlos Lima. Arquivo Fotográfico da CML.

No já longínquo ano de 1896, apresentava o Real Coliseu (que se situava na Rua da Palma, onde hoje se encontra a Garagem Auto-Liz) a opereta popular em três actos O Comendador Ventoinha, quando o empresário da sala, o «Santos do Coliseu»/António Manuel dos Santos Júnior, deu uma saltada a Madrid e assistiu às projecções realizadas na capital vizinha.
Somou logo dois mais três e percebeu que tinha ali um negócio chorudo. E foi assim que o «Santos do Coliseu» alugou à Companhia de Gás um motor e um dínamo que pudessem alimentar o novo aparelho e se socorreu da ciência certa do especialista em mecânica e electricidade Manuel Maria da Costa Veiga, a fim de aumentar a potência da instalação.
Condições criadas, seguiu-se o que foi relatado no «Correio da Noite» de 15 de Junho de 1896: «Chegou hoje de Madrid Mr. Rousby, que vem apresentar em cinco espectáculos, no Real Coliseu, o Animatógrafo e o Cinematógrafo de Edison, que, por meio de projecções com luz eléctrica, apresenta os mais perfeitos quadros da vida real em figuras de tamanho natural e sem omissão do mais insignificante movimento e do menor detalhe. O Animatógrafo só está conhecido em Londres, Paris e Madrid, sendo Lisboa a quarta cidade que vai admirar o último prodígio de Edison.»

Real Coliseu, em 1896 estreou-se aqui o cinema em Portugal. Foto anterior a 1929. Alberto Carlos Lima. Arquivo Fotográfico da CML.

A «fotografia com vida» começou por ser o prato fraco da sessão do Real, mero complemento para os intervalos da referida opereta, e nem sequer provocou alteração do preço do bilhete: um tostão para a geral. De entre os filmes apresentados, os que mereceram maior agrado foram Dança Guerreira, Bailes Parisienses e A Ponte Nova de Paris.
Que tem Joaquim de Almeida a ver com isto? Tudo, pois referem as notícias que, nesses dias, do programa do Real, em cujos intervalos etc., etc., constavam as cançonetas em francês de Mercedes Blasco e os monólogos de Joaquim de Almeida. As sessões foram um êxito, de tal forma que Mr. Rousby, o projeccionista, contratado para cinco projecções, foi obrigado a manter-se em Lisboa durante um mês. O programa foi variando, e causaram espanto O Jardim dos Jogos Infantis, O Comboio, e, sobretudo, a estreia dos «dois únicos quadros coloridos com vida»: A Dança Serpentina e Uma Loja de Cabeleireiro e Engraxador em Washington.  Ao mesmo tempo, diversificava-se o repertório do Real Coliseu, que passou a apresentar: a comédia As Sogras,  novas canções francesas por Mercedes Blasco e, «last but not the least», Joaquim de Almeida, no monólogo O Borlista.
O que me espanta é que a Comissão para a Comemoração dos Cem Anos de Cinema não tenha posto o nosso Joaquim de Almeida no palco a reeditar os monólogos do outro Joaquim de Almeida. A não ser que, como eu sei e o Paul Auster comigo, sejam o mesmo, e o caso constituísse escândalo. Saberia o Ruiz disto? Qual Mastroianni!

E que tem a ver com estas coincidências o  Comendador Ventoinha?  Exige-se que o IPACA contrate o detective Correia, única forma de tornar condigna a comemoração da primeira sessão de cinema em Portugal.»

António Cabrita
Expresso 15 junho 1996

Real Coliseu, em 1896 estreou-se aqui o cinema em Portugal. Foto anterior a 1929. Alberto Carlos Lima. Arquivo Fotográfico da CML.

«O Coliseu da rua da Palma que tende a desaparecer para alargamento da rua da Palma. (sic) 1927» Arquivo da Torre do Tombo.



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