por António Cabrita
Expresso 15 junho 1996
Coisas encontradas em jornais
Coisas encontradas em jornais
Brincadeira minha com fotos de Joaquim de Almeida encontradas na net.
«POR
UMA dessas espantosas coincidências, das quais Paul Auster retira o sumo da sua
demanda literária, o nome de Joaquim de Almeida está ligado aos dois pólos da
história do cinema português: ao das suas primeiras projecções e ao da época
que marca o centenário da Sétima Arte.
Será
o mais internacionalizado actor português de sempre um alquimista disfarçado,
que de cem em cem anos reaparece com o seu próprio nome, quando o facto já pode
passar por coincidência? Será o nosso Joaquim de Almeida um
herdeiro genético do outro Joaquim de Almeida que, nos intervalos da sua actuação, assistia maravilhado às
primeiras projecções em Portugal da «fotografia
com vida»? Aí está um caso para uma
boa agência de detectives. O melhor é contar como isto, afinal, anda tudo
ligado.
Real Coliseu, em 1896 estreou-se aqui o cinema em Portugal. Foto anterior a 1929. Alberto Carlos Lima. Arquivo Fotográfico da CML.
No
já longínquo ano de 1896, apresentava o Real Coliseu (que se situava na Rua da
Palma, onde hoje se encontra a Garagem Auto-Liz) a opereta popular em três
actos O Comendador Ventoinha, quando o empresário da sala, o «Santos do
Coliseu»/António Manuel dos Santos Júnior, deu uma saltada a Madrid e assistiu
às projecções realizadas na capital vizinha.
Somou
logo dois mais três e percebeu que tinha ali um negócio chorudo. E foi assim
que o «Santos do Coliseu» alugou à Companhia de Gás um motor e um dínamo que
pudessem alimentar o novo aparelho e se socorreu da ciência certa do
especialista em mecânica e electricidade Manuel Maria da Costa Veiga, a fim de
aumentar a potência da instalação.
Condições
criadas, seguiu-se o que foi relatado no «Correio da Noite» de 15 de Junho de
1896: «Chegou hoje de Madrid Mr. Rousby,
que vem apresentar em cinco espectáculos, no Real Coliseu, o Animatógrafo e o
Cinematógrafo de Edison, que, por meio de projecções com luz eléctrica,
apresenta os mais perfeitos quadros da vida real em figuras de tamanho natural
e sem omissão do mais insignificante movimento e do menor detalhe. O
Animatógrafo só está conhecido em Londres, Paris e Madrid, sendo Lisboa a
quarta cidade que vai admirar o último prodígio de Edison.»
Real Coliseu, em 1896 estreou-se aqui o cinema em Portugal. Foto anterior a 1929. Alberto Carlos Lima. Arquivo Fotográfico da CML.
A
«fotografia com vida» começou por ser o prato fraco da sessão do Real, mero
complemento para os intervalos da referida opereta, e nem sequer provocou
alteração do preço do bilhete: um tostão para a geral. De entre os filmes
apresentados, os que mereceram maior agrado foram Dança Guerreira, Bailes Parisienses e A Ponte Nova de Paris.
Que
tem Joaquim de Almeida a ver com isto? Tudo, pois referem as notícias que,
nesses dias, do programa do Real, em cujos intervalos etc., etc., constavam as
cançonetas em francês de Mercedes Blasco e os monólogos de Joaquim de
Almeida. As sessões foram um êxito, de
tal forma que Mr. Rousby, o projeccionista, contratado para cinco projecções,
foi obrigado a manter-se em Lisboa durante um mês. O programa foi variando, e
causaram espanto O Jardim dos Jogos
Infantis, O Comboio, e, sobretudo, a estreia dos «dois únicos quadros coloridos com vida»: A Dança Serpentina e Uma Loja de Cabeleireiro e Engraxador em
Washington. Ao mesmo tempo, diversificava-se
o repertório do Real Coliseu, que passou a apresentar: a comédia As
Sogras, novas canções francesas por
Mercedes Blasco e, «last but not the least», Joaquim de Almeida, no monólogo O Borlista.
O
que me espanta é que a Comissão para a Comemoração dos Cem Anos de Cinema não
tenha posto o nosso Joaquim de Almeida no palco a reeditar os monólogos do
outro Joaquim de Almeida. A não ser que, como eu sei e o Paul Auster comigo,
sejam o mesmo, e o caso constituísse escândalo. Saberia o Ruiz disto? Qual
Mastroianni!
E
que tem a ver com estas coincidências o
Comendador Ventoinha? Exige-se
que o IPACA contrate o detective Correia, única forma de tornar condigna a
comemoração da primeira sessão de cinema em Portugal.»
Expresso 15 junho 1996
Real Coliseu, em 1896 estreou-se aqui o cinema em Portugal. Foto anterior a 1929. Alberto Carlos Lima. Arquivo Fotográfico da CML.
«O Coliseu da rua da Palma que tende a desaparecer para alargamento da rua da Palma. (sic) 1927» Arquivo da Torre do Tombo.
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