sábado, 31 de março de 2012

A Torre dos Monstros


The Black Sleep (A Torre dos Monstros, 1956) de Reginald Le Borg com Basil Rathbone, Akim Tamiroff, Lon Chaney Jr., John Carradine, Bela Lugosi, Tor Johnson e Patricia Blair. Este filme de terror da Bel-Air, produtora de filmes B, fez algum sucesso na época por reunir um quinteto de actores clássicos do género e pela direcção segura de Reginald Le Borg. Foi também o último filme do grande Bela Lugosi.


Dr.Cadman (Basil Rathbone) e os seus monstros.


 Patricia Blair é a enfermeira caída em desgraça Laurie Monroe.


Para Bela Lugosi este foi o seu último filme.


 George Sawaya é K6 - sailor no filme.


Fotos dos actores do filme com as roupas e os disfarces a almoçar num restaurante. Reconhece-se Patricia Blair, George Sawaya, Akim Tamiroff, Lon Chaney Jr., John Carradine e Tor Johnson.


Fotos dos actores do filme com as roupas e os disfarces a almoçar num restaurante. Reconhece-se Patricia Blair,  Bela Lugosi,  George Sawaya e John Carradine.


Basil Rathbone dando ordens a Lon Chaney Jr. que agarra Herbert Rudley, ao fundo está Bela Lugosi. / Lon Chaney Jr. lutando com Tor Johnson. / George Sawaya preparado para ser "operado".


Akim Tamiroff, Patricia Blair e George Sawaya á porta do restaurante. / Foto do elenco divertindo-se para a foto. / Tor Johnson e George Saway atacam Lon Chaney Jr..


Cartaz do filme The Black Sleep.



Trailer do filme The Black Sleep.



(fotos LIFE Archive, cartaz á solta na net)




sexta-feira, 30 de março de 2012

Nos Bastidores de Cleópatra

"concebido com urgência, rodado em histeria e acabado em pânico cego"

Joseph L. Mankiewicz, a propósito do "seu" filme Cleópatra



«Quando Mankiewicz se referia ''àquele filme'', seus interlocutores já sabiam que ele estava falando de Cleópatra. A experiência de fazer o épico com Elizabeth Taylor foi tão traumatizante para o cineasta - que administrava a pressão do estúdio pelo estouro de orçamento, o sensacionalismo da imprensa pelo affair Liz-Richard Burton e o próprio desejo de permanecer autor - que ele gostaria de ter apagado Cleópatra da sua filmografia (e da consciência).» 
(In, www.estadao.com.br)

Elizabeth Taylor e Rex Harrison em Cleopatra (1963).




Roma Acolhe "Cleópatra"

«"Por fim, hoje, após anos de trabalho e de desgostos, rodamos a primeira cena de "Cleópatra"". Foi assim que o produtor Walter Wanger descreveu no seu diário, o primeiro dia de rodagem de "Cleópatra". Estava-se a 25 de Setembro de 1961 e marca o fim de uma aventura. A de uma produção na origem relativamente modesta, que tomou uma amplitude inesperada depois da Fox ter aceite oferecer um milhão de dólares - estava-se em 61 - a Elisabeth Taylor. Uma aventura marcada por uma série de erros de logística, de faltas de profissionalismo, de renúncias e golpes de teatro, tradução do declínio de uma indústria hollywoodiana completamente desnorteada com uma concorrência nova, a da Televisão.





No início, Joe Mankiewicz, que foi chamado em socorro da Fox depois do abandono de Rouben Mamoulian, o qual tinha rodado algumas cenas em Londres (com Peter Finch em César e Stephan Boyd em Marco António), visitou os cenários. E achou "grotesca" a estátua de Ísis que se encontrava no templo da deusa, onde devia ser rodada a primeira cena. Toda a noite, uma equipa especial trabalhou para reformular a estátua. De manhã, estava tudo pronto. Era o único cenário que existia dos sessenta que estavam previstos pela produção. Assim, começou a rodagem deste filme que custará no final 40 milhões de dólares, e sobre o qual Mankiewicz afirmará que foi "concebido com urgência, rodado em histeria e acabado em pânico cego".



No início igualmente, onze membros do Congresso americano chegaram a Roma, convidados pela Fox para o centenário da unificação da Itália, celebrado a 25 de Setembro. Da sua estadia, eles esperavam, sobretudo, e as suas esposas também, fazer-se fotografar ao lado de Elisabeth Taylor. A produção opôs-se à sua ida ao "plateau" mas teve de ceder às pressões organizando uma festa especialmente para eles. Este acontecimento anedótico, foi o primeiro de uma longa série que conduzirá o realizador a rodar o filme contra a produção e, assim, contra Hollywood, que o fez rei mas que sempre o detestou. Mankiewicz, com efeito, não conseguiu que fosse aceite a sua proposta de acabar o argumento antes do início da rodagem. Precisou de esperar mais de um mês para que fosse adoptado o princípio da semana de cinco dias, o que lhe permitiu escrevê-lo ao sábado e domingo. Teve que se arranjar com a revelação da ligação de Taylor a Burton (Richard), ultrapassou os saltos de humor de uns e outros, e ainda a inacreditável impreparação da produção com a cumplicidade interessada dos romanos - o custo de água mineral para os técnicos e actores elevou-se a 80.000 dólares, ou seja 6 litros de água por dia e pessoa. 



No fim da rodagem, em Julho de 62, Mankiewicz não tinha ainda terminado "Cleópatra" - sequências suplementares foram filmadas em Espanha no Inverno seguinte. Foi-lhe necessário um encontro com Darryl F. Zanuck, seu cúmplice - adversário de outros tempos, e que tinha regressado à chefia da Fox para constatar que o filme não correspondia ao que esperavam os seus patrões mas que estes nunca tinham sido capazes de o precisar.



A Fox tinha renunciado ao longo da preparação e rodagem das suas prerrogativas que só assumiu no seu final, o que na altura ainda não se sabia, era que uma página do cinema se tinha voltado. O 25 de Setembro de 61 representa a transição entre a Hollywood de ontem, que era a dos seus inícios, e a de hoje, sobre a qual reinam menos os produtores que os responsáveis dos programas e os seus advogados. 

Texto encontrado em www.apagina.pt. Autor: Paulo Teixeira de Sousa - Escola Secundária de Soares dos Reis Especializada de Ensino Artístico


Fotos de Paul Schutzer para a LIFE Magazine




(fotos Paul Schutzer e LIFE Archive, excepto a primeira encontrada em www.britannica.com)





quinta-feira, 29 de março de 2012

A CASA DOS EDWARDS


por
 JOÃO BÉNARD DA COSTA


Para o Manuel Cintra Ferreira*


O filme de Hitchcock que se chamou em Portugal A Casa Encantada, chamou-se em França La Maison du Dr. Edwards. Qualquer dos títulos nada tem que ver com o título original: Spellbound. Mas também a casa dos Edwards, que hoje vou reevocar, pela décima milionésima vez, nada tem que ver com Hitchcock ou com psicanalistas.

The opening shot in The Searchers.

Os Edwards que revejo e de que vou falar eram cinco. Aaron, o pai, Martha, a mãe, uma filha ruiva, aí pelos seus 13-14 anos, chamada Lucy (já tinha um namorado, já dava beijinhos, mas ainda tinha vergonha de tudo isso), um rapaz aí dos seus 10-11 (como se chamava ele, que agora não me lembro e não tenho o filme à mão?) e uma miúda de 7, e essa juro a pés juntos que se chamava Debbie, o que espero morrer sem esquecer.

Vou fazer umas contas que nunca fiz. Como a legenda inicial (eu já disse que estou a falar de um filme?) nos situa no Texas e em 1868, Aaron e Martha devem ter-se casado em 1852 ou 1853, que não eram gente para ter filhos sem a bênção da igreja (presbiteriana, neste caso). Por esta altura, já o Texas era o 28º. Estado Unido, embora da União se viesse a separar em 1861, quando começou a Guerra da Secessão. Aaron e Martha deviam ter muitas memórias desses tempos e dessa guerra. Em 1868, como tantos outros, procuravam esquecer essas feridas e reintegrar-se numa ordem doravante inevitável, o que iria acontecer (em 1869) durante o tempo da acção do filme. Nem Aaron, nem Martha, nem Lucy, nem o único filho rapaz, viveram o bastante para ver essa readmissão, que não tinham outro remédio senão desejar, pois só de Sheridan e das tropas dele podiam fiar alguma segurança num território onde ataques de índios e de mexicanos ainda tornavam a vida extremamente incerta. "Ah, este país!", diz, a certa altura, um emigrante vindo das Suécias, Lars Jorgensen de seu nome. Entre os Edwards e os Jorgensen se vai passar quase tudo. As casas são as casas deles. No princípio e no fim.

Casa aqui casa acolá. Casas construídas depois da guerra? Antes da guerra? Não sei que nunca ninguém mo disse no filme ou fora do filme. O mais que me disseram, e foi por menos de meias palavras que aquela gente não era dada a conversas e menos ainda a confidências, é que em tempos, na família, tinha havido outro irmão, irmão de Aaron, vou jurar que irmão mais velho, embora não devam ir sempre por mim, que nem tudo o que conto é de fiar.

Ethan, chamava-se ele. A guerra o levou, mas quando acabada, ele não voltou.

"What makes a man I leave house and nome I and wander off alonel" É exactamente isso que pergunta a canção, que se ouve logo logo ao princípio, canção de um certo Stan Jones, cantada por uns certos The Sons of Pioneers. Desse género de canções bem do Oeste, que fazem mesmo calor cá dentro e dão vontade de pegar na mão do vizinho ou da vizinha, enquanto nos aconchegamos melhor no borralho da cadeira.

E é enquanto ouvimos essa pergunta, cantada em fundo de tela muito escura, que percebemos, a pouco e pouco, que estamos dentro de uma casa (a tal casa dos Edwards, de que eu prometi falar) e que alguém abre as portadas que dão para a varanda da casa, abrindo-a assim, (docemente? repentinamente?) à luz imensa do exterior. Todo o escuro para acasa,todaa luz para a planura. E quem fez assim a luz foi a primeira dos Edwards que conhecemos: Martha, a mãe.

Martha Edwards cumpre apenas um ritual diário (abrir as portadas, finda a hora de maior calor) ou algo ou alguma coisa ouviu que a fez assomar-se à varanda? Podem pensar o que quiserem, mas o que é certo é que os longes vales não estavam tão desertos como a essa hora costumavam estar. Passava um cavaleiro, pedia pousada, não se fecha a porta à noite cerrada. Martha leva a mão à fronte, para se proteger do sol e ver melhor da estrada. E depois diz: "Ethan!" Como não se usam pontos de exclamação quando a gente fala e ela não levanta a voz e não está a falar com ninguém, a exclamação sinto-a eu mais cá dentro do que a ouço lá fora. "Ethan" é a primeira palavra do filme como "Martha" é a primeira pessoa dele. Pouco depois (meçam isto por segundos, que minutos é exagero) conhecemos Aaron, que se vem juntar à mulher, a ver quem vem peregrino. "Ethan", confirma-se outra vez.

Será de mim, será de tantos, estará lá, ou lá não estará, que Martha diz "Ethan" com comoção maior do que a de esperar para um cunhado, por muito amado que fosse, e que o marido não acolhe aquele regresso com o mesmo sentimento ou com os mesmos sentimentos? "A man will search his heart and soul." Mas já Ethan chegou, desceu do cavalo e saudou Aaron e Martha A esta, beijou-a na testa, enquanto ela lhe pousou a mão direita perto do coração e fechou os olhos. Dir-se-ia... É melhor não dizer nada. Se o realizador tivesse querido dizer, tinha dito. Tanto quanto se sabe, quando lhe perguntaram disso, limitou-se a dizer "Mintam".

A canção parou. Mas aquele homem deixou de errar "off "alone" Welcome Home e nenhuma língua como o inglês para sublinhar a diferença entre house e nome. Quando transpõe a porta, Ethan voltou. Aparentemente (ou não) era esperado. "Uncle Ethan", grita com alegria a ruiva Lucy, a única que ainda se lembrava dele, pois teria sete ou oito anos quando o viu pela última vez e, nessa idade, raparigas daquelas já não esquecem. Os outros reconheceram-no pelo sangue ou por histórias contadas. Em Debbie pega ele ao colo, levantando-a no ar, dir-se-ia que com ternura especial.

Há um jantar de família, onde a grande alegria dos miúdos e dos novos contrasta com alguma tensão entre adultos. Aaron, a certa altura, pergunta ao irmão porque demorou ele tanto tempo na guerra, mas Martha corta a conversa. Noutro momento, alguém se esquece de fechar a porta do quarto do casal e Ethan teve que se reprimir quando vê, ostensiva, a cama dele.

Chegam visitantes: um é o filho dos Jorgensen, mais ou menos da idade de Lucy e a começar a namorá-la. Namoro de 15 anos, tão novo, tão lavado. O irmão mofa, como mofam os rapazitos. Mas nem a mãe, nem o tio reagem como era de supor que reagissem. Amor por ali, ainda era cedo ou já era tarde, se quisermos fazer literatura onde não há o mínimo lugar para ela.

Depois chega Martin. Qual Martin? Se quiserem esperar pelo fim do filme, continuarão sem perceber muito bem qual Martin, embora de quanto Martin e de como Martin o filme nos diga tudo. Um rapaz bem bonito, muito moreno, de olhos muito claros, aí pelos seus vinte anos. A cor da pele vinha-lhe de um oitavo decilitro de sangue índio, mas não se percebe bem de onde, pois que os pais, brancos retintos, foram mortos pelos índios era ele criança e desde então os Edwards o adoptaram, como se filho deles fosse. Todos? Quando o rapaz se dirige a Ethan e o chama, com toda a naturalidade: "Uncle Ethan", este recorda-lhe, com maus modos, que não é tio dele e terá que repetir essa rejeição muitas vezes ao longo da história. Porquê? Que tem Ethan contra o rapaz? Que se passou quando mataram os pais dele?

E a noite cai sobre a casa ou a casa cai sobre a noite, que nada dela vemos.

Volta a luz para um pequeno-almoço. Chegam os rangers (era tempo deles). Há mouro na costa ou, voltando ao Oeste, sinais de índios nas lontanias. Os rangers procuram mais homens de barba rija. Ethan e Martin juntam-se-lhes. A expedição não acha nada. Mas, quando chega a noite, achamos nós, regressados a casa dos Edwards. Os índios tinham-se servido de falsas pistas para afastar os homensde casa. Naquela hora do escurecer, o único homem que estava em casa era Aaron, com a mulher e os filhos para proteger.

Ja o crepúsculo e menos encarnado, Aaron e Martha, os únicos que sabem, entaipam-se em casa, as luzes todas apagadas. Das crianças, a mais incontrolável seria Debbie. Por isso os pais a escondem atrás da casa, junto a um túmulo, dando-lhe por companhia a boneca de que ela tanto gostava e fazendo-a jurar que não sairá dali, veja o que vir, ouça o que ouvir. É nessa altura, ou pouco depois, que Lucy percebe de repente e há esse grito tão terrível até porque saído da boca de que víramos os primeiros beijos.

De manhãzinha, onde houvera a casa só há ruínas fumegantes. Por que razão, o primeiro e único nome que Ethan pronuncia é o de Martha? "Martha" nessa sequência é a rima para o "Ethan" do início, na boca dessa Martha que nunca mais veremos, como nunca mais veremos Aaron e o miúdo cujo nome esqueci. Ethan sim, viu-os e antes os não tivesse visto, tal o ódio de que veio carregado, depois de ver os corpos. Mas os índios não tinham morto todos. Lucy e Debbie - as doces raparigas - tinham sido raptadas. Lucy não viveu muito mais tempo. O corpo dela aparecerá pouco depois e ditará a morte do namoradito, como ela ceifado mal começavam a sentir sentidos. Debbie viverá, e é à busca dela que, durante sete anos, Ethan e Martin dedicam as vidas, por razões diferentes, e em buscas diferentes.

Essa busca - the search - é o que dá origem ao título do filme: The Searchers.

Há 50 anos, num fim de Primavera como agora, John Ford estreou esse filme a que em Portugal chamámos A Desaparecida. Esse é o filme que começa com uma porta de casa a abrir-se para John Wayne (John Wayne é Ethan) e acaba com uma porta de casa a fechar-se para ele.

Contei-lhes - tão mal! - dez minutos (se tanto) de um filme com duas horas. Se vos quisesse contar bem, nem um livro me teria chegado. Deixei de fora quase tudo e pouco disse do silêncio do resto. Quem é que disse que o cinema era questão de argumentos e quando se sabe a "história" se sabe o filme? Há quase 50 anos - vi The Searchers na estreia lisboeta, em Julho de 1957 - que vejo este filme, que vi muito mais que 50 vezes, e contínuo sem ser capaz de contar nem dez minutos dele, dez minutos em que John Ford pôs toda a vida que nunca explicou a ninguém. 

Autor: JOÃO BÉNARD DA COSTA, Escritor
Publicado no jornal Público,em 11 de Junho de 2006

Ethan Edwards walks away, and so does the movie.


*Manuel Cintra Ferreira grande admirador do realizador John Ford, ofereceu à Cinemateca pouco antes de falecer uma cópia do filme "A Desaparecida" ("The Searchers", 1956).


(fotos encontradas em samtertainment.wordpress.com)




quarta-feira, 28 de março de 2012

Millôr Fernandes (1923-2012)

Millôr Fernandes fez de tudo: foi jornalista, escritor, dramaturgo, tradutor, cartoonista. Mas era, antes de mais, um humorista, que marcou a Cultura brasileira do último século. Morreu de falência multiorgânica, nesta terça-feira, no Rio de Janeiro, após quatro meses de internamento. Millôr tinha 88 anos. 
(In, www.publico.pt)


Cartoons de Millôr Fernandes




Jus sperneandi

(Uma crónica de 1998 do humorista, cartoonista e outros istas 
brasileiro Millôr Fernandes. Encontrada em home.dbio.uevora.pt)

Um juiz de qualquer lugar do país, e nosso país é grande, pode proibir o que bem entender em qualquer parte do país, e não tem que dar explicações a ninguém. Como Deus. Não adianta chiar. Agora um juiz lá dos pampas, estado que, por sinal, acabou de realizar bela eleição — resolveu que ninguém pode mais fumar nos céus do Brasil, e mesmo em céus fora do Brasil. Voou — em supersónico, subsônico, avião particular, de passageiro, de carga, asa delta, cai na Lei lntragável. Se as otoridades descobrirem um cigarro queimando acima da cabeça dos cá de baixo, cadeia pra todo mundo, multa pra companhia, decapitação pro comandante.

Tudo começou com a proibição de fumar em cinema — razoável porque o ambiente é fechado e há perigo de incêndio. Tentaram proibir nos restaurantes — não colou. Então estabeleceram-se setores fumantes-não fumantes, como na Sala Oval, do Clinton. Depois de proibirem o fumo nos motéis — dá brochura — os legisladores subiram aos aviões, primeiro proibindo por zona, depois ordenando proibição total em "pequenos" trajetos. E agora sua Altíssima Reverendissima não sei lá de onde proibiu todo mundo de fumar em qualquer lugar e de qualquer maneira quando estiver com os dois pés acima do solo. A explicação é que os fumantes ativos — heterotabagistas — estão provocando tosses, doenças e mortes entre os passivos — homotabagistas.

Promulgada a lei, logo aparecem falsos médicos — com magníficos diplomas — falsas tabacologistas com caras de não fui fumada e não gostei — cheios de estatísticas: está provado que 35% das pessoas que voam a Paris morrem de sufocação linguística, 3% por cento dos que frequentam a ponte-aérea morrem de ópera seca, 2% das mulheres que viajam mais de uma vez por ano em aviões internacionais têm filhos anormais, ou normais mas bichas — se é que pode. Em suma, quem viaja de avião não precisa mais ter medo de tempestade, falha no motor, piloto bêbado ou peças compradas sem licitação — tem que ter medo do fumante que está ao seu lado ou mesmo pitando agachadinho lá atrásó no último banco. Quer dizer, num país desgovernado, existe um juizado só pra proteger cidadãos fumantes passivos de cidadãos tarados ativos. Por que o meritíssimo não faz uma lei tornando ilegal o seqüestro, no qual todas as vitimas são passivas? Já existe? Ah! Porque não prende imediatamente o Naya, o Roriz e o vice do ltamar? Ou pelo menos o Maluf, que agora está sem poder e já é meio de esquerda?

Querem estatística? Faço uma à minuta, sem consultar ninguém. Quem voa no Brasil não chega a l % da população (será que 1.500.000 pessoas voam no Brasil?). A média de vôo de cada pessoa, mesmo contando pontes-aéreas, não passa de 24 horas por ano. Assim, mesmo que o cidadão tenha a infelicidade de viajar metade do tempo ao lado de um tabagista da pesada, e que este tabagista fume metade do tempo, o passivo será submetido apenas a 6 horas de fumo passivo por ano. Ou meia hora por mês. Ou um minuto por dia.

Um cara que vai morrer por causa disso não merece viver.

Repito sempre: não fumo. Sou apenas visceralmente antifascista.

E não estou brincando. Reajam enquanto é tempo.


Algumas frases de Millôr Fernandes

"De todas as taras sexuais, a pior de todas é a abstinência"
(Millôr Fernandes)

"Não, o Brasil não é o único país corrupto do mundo. Mas a nossa corrupção é a mais gratificante".
(Millôr Fernandes)

"Você pode evitar descendentes. Mas não há nenhuma pílula para evitar certos antepassados"
(Millôr Fernandes)

"O último refúgio do oprimido é a ironia, e nenhum tirano, por mais violento que seja, escapa a ela. O tirano pode evitar uma fotografia, não pode impedir uma caricatura. A mordaça aumenta a mordacidade."
(Millôr Fernandes)

"Se todos os homens recebessem exatamente o que merecem, ia sobrar muito dinheiro no mundo."
(Millôr Fernandes)

"O século XX nos deu o cinema, o telefone, o automóvel, o avião, a penicilina, a asa-delta, o computador, tanta coisa maravilhosa. Mas a maior invenção de todos os tempos é do século XXI, o Google. A cultura prêt-a-porter".
(Millôr Fernandes)


(textos e cartoons encontrados á solta na net)




terça-feira, 27 de março de 2012

O REALIZADOR DO BALOUÇO VERMELHO


por
JOÃO BÉNARD DA COSTA 

1. Segunda-feira, salvo erro, li no PÚBLICO, em letra pequenina, numa coluna pequenina de uma página pequenina, a notícia da morte de Richard Fleischer, que lá para o fim de 2006 (a 8 de Dezembro) ia fazer 90 anos.
     Pouca gente deve ter estremecido como eu estremeci. Não por questões de sensibilidade (e daí...) mas por questões de conhecimento. Este cineasta americano, filho de Max Fleischer, pioneiro máximo da animação (rival directo de Walt Disney nos anos 20 e criador do famoso Popeye marujo) realizou 47 longas-metragens entre 1946 e 1990 (média superior a um filme por ano) mas nunca foi nome muito divulgado fora de reduzidos círculos cinéfilos. Muitos se lembrarão de êxitos tão grandes como 20.000 Leagues Under the Sea (1954 e James Mason como Capitão Nemo) ou Doctor Dolittle (1964) um "must" para natais televisivos. Mas o realizador nunca teve "the name above the title" e, embora activíssimo nas décadas dos autores e da política deles, nem os inventores da teoria, nem os seus seguidores de além-Atlântico, alguma vez o puseram ao lado dos maiores. Não o trataram mal, ou seja, nem "maldito" se lhe pode chamar. Mas raramente lhe elogiaram mais que as boas maneiras, o bom gosto, o muito saber do ofício. "Se nunca foi um autor no sentido nobre do termo, foi muito mais do que um simples artesão" é o elogio fúnebre que tenho mais à mão para servir. E, como em alguns outros casos semelhantes (Andre DeToth, John Farrow, Rowland V. Lee, Richard Quine, para não vos amassar com listas e nomes), não percebo as reservas nem a segunda divisão.


Joan Collins em The Girl in the Red Velvet Swing de Richard Fleischer, 1955. 
Foto encontrada em www.doctormacro.com


     Vou de escantilhão até 50 anos atrás, o que não se pode dizer que seja tempo para amores passageiros. Quando descobri James Dean, de pull-over amarelo a um canto do scope de East of Eden; quando vi Kim Novak, vestida de fada embruxar-se pelo tronco nu de William Holden em Picnic; quando Marilyn arrefeceu a roupa de baixo no congelador do seu frigorífico em Seven Year Itch (e podia ir por aí fora, mas, como me conheço, travo às quatro rodas); eu vi Joan Collins nesse Tivoli que me faz logo suspirar, voar tão alto que chegou à lua, depois de rasgar com o pé em riste um chapéu de sol japonês, último obstáculo entre ela e o êxtase. O filme chamava-se The Girl on the Red Velvet Swing e há-de nascer quem me explique (nestes 50 anos não nasceu) porquê e em quê é menor do que Kazan, Wilder, Logan ou Preminger, os grandes dessas minhas fictícias bodas de ouro. E, no mesmo ano, ali para os lados do Politeama, Vítor Mature, tão injustamente apelidado de canastrão, protagonizou, no Arizona, um sábado violento de assaltos sangrentos, que nunca mais me saiu da imaginação. Fleischer outra vez em Violent Saturday. E, nos dois filmes, era também a glória do scope a afirmar as virtudes cardeais, essas que nos faziam dizer como o cinema era grande.
     Se eu quiser lembrar-me de um filme sobre o horror militarista que não seja primário ou dogmático, tenho de ir procurá-lo em Between Heaven and Hell, nos corpos distorcidos de Robert Wagner e de Broderick Crawford. E mais me lembro do thriller magistral que é Compulsion (1959, com Orson Welles); do portentoso desequilíbrio ente o delírio e o escavado do parisiense Crack in the Mirror (Orson, outra vez, e Juliette Gréco, corria o ano de 1960); da viagem pelo corpo humano adentro para evitar um assassinato (Fantastic Voyage, 66) e, ai de mim, que não tenho tempo nem espaço para exaltar como devia The Boston Strangler (68), Ten Rillington Place (71), Soylent Green (73, despedida das telas de Edward G. Robinson), Mandingo (75), etc, etc, etc.
     Alguns me acusam de demasiado parcial e, em tempos, na Cinemateca, houve quase uma tentativa de revolta de massas por eu ter incluído Mandingo entre as obras-primas do cinema e defender que é obra, na gesta sulista, a colocar acima de Gone With the Wind. Mas falem-me em Fleischer e eu vejo, em scope, algumas das mais belas coisas que já vi, com James Mason ou com Ray Milland, com Joan Collins ou com Raquel Welch, com Henry Fonda ou com George C. Scott. E tudo isso eu vi, imenso e scópico, quando li neste jornal que o autor de tudo isso (e de Barabba também) morrera, na sua cama, aos 89 anos.

2. Mas, antes de particularizar, vou mexer na consciência que me andam a pesar quando não devem e a aliviar quando lhe deviam dizer duas verdades.
     Em 1990, tinha Fleischer 73 anos e estava em plena forma, conheci-o nesse bizarro festival do sol da meia-noite que o meu amigo Peter von Bagh organiza todos os anos em Sudankula, na Finlândia, quando o dia nunca acaba e a noite nunca começa. Von Bagh todos os anos convida alguns grandes esquecidos, ou alguns esquecidos grandes. Nesse ano, reuniu Fleischer e Oliveira, George Sidney (outro que tal, que tal como Fleischer) e Jean-Pierre Léaud. Ainda por lá havia o cubano Gutiérrez Álea e, aqui de Portugal, Luís de Pina e eu.
     Poucos falavam as línguas todas, mas em poucos dias éramos um grupo de amigos. Até o cubano e Fleischer. No principio, tínhamos notado o gelo do homem do chocolate à simples referência ao nome de Fleischer, quanto mais à sua presença. Só depois nos lembrámos que, em 1969, Richard Fleischer assinara Che!, com Omar Shariff no papel do herói, o que fora considerado um segundo assassinato de Guevara ("However you haven't lived until you see Jack Palance play Fidel Castro"). Mas até esse glaciar se dissipou no círculo polar e Fleischer e Gutièrrez acabaram bons amigos, bebendo bom vodka.
     Revendo então a rapariga do balouço, Lola Montes da minha estimação ou os planos-sequência e o "split-screen" de The Boston Strangler (Meus Deus e esqueciame eu de falar de Tony Curtis!), perguntei-me porque é que nunca tinha pensado num ciclo Fleischer em Lisboa. Falei com ele (olhos muito azuis, cabelos muito brancos, a simpatia em pessoa) e aceitou logo o convite. Disse-me que estava a escrever memórias e que contava publicá-las em 1993. Seria um bom ano para a retrospectiva. Depois escrevemo-nos (guardo cartas de Fleischer na Cinemateca), as memórias saíram Just Tell Me When to Cry mas, quando começaram as buscas das cópias, eram pálidas e louras as cores que jamais vira tão verdes ou tão encarnadas. Resolvi adiar, até que houvesse material mais condigno. Nunca desisti, mas o tempo foi desistindo por mim. O género de coisas que nunca se faz, mas que eu, em me distraindo, deixo correr até ser tarde de mais. Agora, há melhores cópias. Mas não pode haver um Ciclo Fleischer com Fleischer, porque Fleischer se foi embora para não mais voltar. E não acredito que haja nunca um ciclo Fleischer, porque o único que o podia organizar modéstia à parte, ou não desfazendo, como preferirem está a três meses de ser abatido ao activo, em tempos em que a faca e o queijo se juntaram em boas mãos. Richard Fleischer não é comida para ratos, ainda por cima daquela espécie que, ao contrário da Alfreda de Agustina e de Oliveira, não foi educada a roquefort nem a camembert. Passemos a coisas mais alegres. 


Esta foto rara mostra Joan Collins e Richard Fleischer no local de rodagem do filme "The Girl in The Swing Red Velvet", conversando com Evelyn Nesbitt, cuja história é retratada no filme. 
foto encontrada em joancollinsarchive.blogspot.pt


3. Alegres talvez não seja a melhor palavra. Mas raríssimos exemplos conheço de sensualidade transbordante e erotismo a transpirar por todos os poros como The Girl on the Red Velvet Swing, o filme com que comecei, o filme com que quero acabar.
     Na base um caso verídico. O escândalo Thaw-White quando em 1906 o arqui-milionário Thaw Farley Granger, no filme) matou a tiro o celebérrimo arquitecto Stanford White (o autor da biblioteca de Boston, do Arco de Washington e do Madison Square Garden, Ray Milland no filme). Ambos assistiam a uma representação de Mam'zelle Champagne, no restaurante do terraço do dito Madison Square Garden. No palco cantava-se "I could have a million girls", mas, no restaurante, o assassino clamou bem alto, antes de se entregar à polícia: "Matei este homem porque ele depravou a minha mulher." Harry Thaw, o milionário, estava casado há onze meses com uma ex-corista, então com 20 anos (Joan Collins). O "depravador" tinha 50.
     Escrevi "depravador" entre aspas mas não as devia ter usado. O que se passa desde que, por acaso, o arquitecto repara na anónima corista (e só repara à segunda vez) é uma depravação consciente de um sedutor a uma rapariga facilmente seduzível. Stanford White era especialista em festas privadas, numa garconnière escondida nas traseiras de uma loja de brinquedos. Joan Collins entra lá para brincar, prova caviar que nunca tinha provado ("It's better with champagne one glass, just one") mas quando lá volta já não é para brincar, nem só para uma taça de champanhe. Depois, avança para o quarto do arquitecto, que tem o céu por tecto e um balouço vermelho pendurado nele. "Curiosity kill the caviar girl." Ninguém deve balouçar tanto. Não devia haver veludos tão encarnados, nem tais atracções pelas alturas. Quando White entra no quarto, já ninguém pode sair dali. "Midsummer nights dreams"? Pelo menos, como ele diz, "you are much too pretty" e, pelo menos nós vemos, as mãos dela eram mãos como as de nenhuma outra mulher. E os dentes dela, ou o dente dela, o dente de Joan Collins, a da série Dynasty, mas sobretudo a rapariga do balouço vermelho, a rainha do pecado de Hawks ou a sofisticada allumeuse de McCarey.
     A história não acaba bem, já sabemos. Mas o que há de só visto é a sensualidade de Joan Collins a abrir-se e a fechar-se, quando o homem que não queria casar com ela pretende fazer-lhe de pai e a manda para um colégio sem homens. Ressurge então o milionário efeminado que vinha lá do princípio. Água mole.. E casam-se. Só que a noiva conta ao noivo, na noite antenupcial, as noites do arquitecto e as noites do balouço. E o marido é homem de vinganças terríveis. Tão terríveis como exigir que, de cada vez que a mulher se refira ao ex-amante, o trate por "the beast". Tão longe tão longe não vai ela, mas ficam num compromisso. De cada vez que os olhos azuis de Ray Milland, os tais olhos depravadores, voltarem a passar por perto, ela dirá "B" para o designar. Tantas vezes o tem que dizer, que um dia Farley Granger acaba a tiro com a segunda letra do alfabeto.
     O sedutor acabou morto. O marido semi-enganado na prisão. Ela a rapariga do balouço vermelho a repetir em teatros baratos o seu número favorito: balouçar-se sobre plateias ululantes, transformando em eterno retorno aquela noite no quarto de que jamais se conseguiu desprender.
     No mesmo ano, em França, Max Ophuls filmou outro balouço eterno. Coincidências a mais? Ou filmes e realizadores que são como sismógrafos? Saudades de Richard Fleischer, esse que me deu a ver a carne estremecente de Joan Collins e as almas doutras mulheres.

JOÃO BÉNARD DA COSTA ESCRITOR
(A CASA ENCANTADA, crónica semanal  publicada no jornal Público em 2 de Abril de 2006)


Richard Fleischer, Joan Collins, Ray Milland  on the set of The Girl in the Red Velvet Swing (1955).
Foto encontrada em filmnoirphotos.blogspot.pt





sábado, 24 de março de 2012

Os apanha-bolas de ténis do CIF


Tinha mais ou menos este tamanho de gente (aqui estou com 7 anos com bom aspecto porque era o casamento da minha irmã Emília em 1961), quando apanhei bolas de ténis para o senhor que está na foto ao lado. Chama-se João Lagos, nasceu em 1944, portanto tem mais 10 anos que eu. Quando apanhei bolas para ele (deve ter sido por volta de 1963/64) no CIF, tinha ele 18/19 anos e eu 9/10 anos. Foto de António Pedro Ferreira do jornal Expresso. Na foto da direita está Roger Federer num campo de terra batida rodeado de apanha-bolas com equipamento próprio e até bonés e sapatos de ténis. No CIF por volta de 1963/64 não tínhamos nada disto, excepto o campo que era parecido e até as bolas eram de outra cor (brancas). Hoje até cursos existem para apanha-bolas; mudam-se os tempos, como dizia o Camões. Foto encontrada em www.tenis.pt


O meu primeiro "trabalho" na vida foi a apanhar bolas de ténis no CIF, eu e outros miúdos da Quinta da Calçada e também de Telheiras. Devia ter uns oito anos quando comecei e deve ter durado até quando saí da escola que foi aos 10 (isto em 1964). O CIF era e é a sigla de Clube Internacional de Futebol e as suas instalações eram no fim do Campo Grande, começavam ao lado da Sanzala, onde mais tarde se construiu o bingo do Sporting e ia até á azinhaga dos Ameixiais (nem sabia que se chamava assim), que é aquela que vem do antigo Canil até Telheiras e que era o que separava o CIF do colégio Alemão, e ainda pela Segunda Circular e pela estrada de Telheiras a norte. A entrada principal era por trás da Sanzala e ficava perto dos portões do antigo campo de futebol do Benfica. Tinha ainda outra entrada em Telheiras Velha e outra de frente para a segunda circular e que era por onde nós entrávamos quando iamos apanhar bolas ou então saltávamos o muro.


Noticias sobre o CIF em 1968 e 1969 e que dão para ter uma ideia do que era esse clube; na noticia de 1969 já se anuncia a saida do Campo Grande e a ida para o Monsanto onde ainda estão, mais o emblema do CIF encontrado na net. Clique para poder ler.


O CIF tinha vários campos de ténis (uns seis se bem me lembro), um deles o nº 1 tinha uma bancada com uma parte coberta, tinha um campo de futebol: aqui vi várias vezes antigas glórias do Benfica e Sporting que jogavam juntos numa equipa chamada SOV; tinha um olival (nós chamávamos-lhe assim) enorme, cheio de árvores de vários tipos e de vegetação densa. Das coisas que recordo bem era que além de apanhar as bolas, também as tínhamos de as ir procurar ao olival quando elas saiam fora do campo (é que havia cada nabo a jogar), o que fazia às vezes a gente dizer que não as encontrava para eles se chatearem e irem embora mais cedo e nós podermos ir para casa. Tínhamos de passar o rodo para alisar o campo, varrer e pintar as linhas, montar a rede (ajudar), regar, etc. Lembro ainda de um dos jogadores, um ricalhaço chamado (?) Neto que tinha um mau perder danado e que quando perdia uma jogada mandava boladas com força nos apanha bolas.


Muro do CIF de frente para a segunda circular e que era por onde nós entrávamos quando íamos apanhar bolas.  Ao fundo é o final do Campo Grande e o edifício grande á direita é o antigo Colégio de São Vicente de Paulo onde em miúdo ia todos os anos á praia em excursões organizadas por umas senhoras religiosas de lá. O edifício que se vê através do portão era as traseiras dos balneários, bar e escritórios e nesse espaço das traseiras, foi construído a certa altura um campo de mini-ténis (creio que era só para os apanha-bolas) que era jogado com umas raquetes de madeira a imitar as de ténis a sério.


Foi ali que dei as minhas primeiras fumaças em cigarros e charutos e também em bebidas de vários géneros que as pessoas que iam lá jogar (para nós era tudo gente rica), ás vezes deixavam por lá á mão de semear. Havia um encarregado que creio que se chamava Manuel (que vivia lá) e que era mau como as cobras e que tinha um cão também muito mau que ele só dominava á pancada com um pau. Este Manuel mandou-me embora umas duas ou três vezes e lá tinha de ir a minha mãe Maria dos Anjos pedir por favor para eu voltar já que os tostões que eu trazia para casa faziam muita falta.


Campo de futebol do CIF em meados dos anos 60.  Era aqui que se realizava um campeonato amador?, onde vi jogar as antigas estrelas do Benfica e do Sporting numa equipa chamada SOV. É pena mas não consegui nenhuma foto dos campos de ténis, nem informações sobre o SOV.


Havia também o senhor Armando que era uma espécie de faz tudo mas era um homem razoável e não nos causava problemas. O dia de receber era á sexta feira á noite (pelo menos no inverno) pelas 19/20h, e o que recebíamos tinha a ver com os jogos que fazíamos apanhando bolas e que eram contados á semana, não me recordo bem mas devia ser uma coisa entre 5 ou 10 escudos por semana, talvez um pouco mais e antes de regressarmos a casa íamos a uma taberna de Telheiras comprar alguma coisa doce ou bonecos da bola com esse dinheiro, era a maneira de ficarmos com alguma coisa para nós, coisas de putos.


Fotos das instalações (balneários) do campo de futebol do CIF, acabadinhas de construir em meados dos anos 50.


Nesse tempo a minha escola primária (que foi a de Telheiras e não a da Quinta da Calçada) só tinha horários de manhã ou de tarde (não faço ideia do porquê) e isso fazia com que eu fizesse muitos jogos de ténis, daqueles que os jogadores marcavam horário e pediam apanha bolas. Um dia, calhou-me apanhar bolas logo de manhãzinha para o João Lagos, que veio a ser o maior jogador de ténis de sempre em Portugal (é o que dizem). Nessa altura ele devia ter uns 18/19 anos e o parceiro não veio; então ele disse para mim "pega numa raquete e manda-me umas bolas", que era para poder "puxar". A certa altura "puxou" tanto e com tanta força que me arrancou a raquete das mãos e mandou-a contra a rede do fundo, o que me valeu uns gritos de descompostura, mas geralmente era uma pessoa simpática. Nessa altura o João Lagos estava a despontar no ténis como a grande promessa, foi tricampeão nacional de ténis (1965, 1966 e 1967), (quer isto dizer que quando deixei de apanhar bolas ele foi logo a a seguir campeão por três vezes), e é sportinguista (o que é pena). O campeão naquela altura chamava-se (creio?) Vaz Pinto mas que me lembre não ia ao CIF (passados tantos anos posso estar a baralhar as recordações).


Azinhaga do Ameixiais, parte de Telheiras de que já não existe vestígios, pouco tempo depois de ter sido cortada pela construção da segunda circular. À esquerda ficava e fica o colégio Alemão que tinham começado a construir por esta altura, a parte da árvores á direita eram terrenos do CIF, junto do seu campo de futebol. Foto de 1961.


Azinhaga do Ameixiais, parte do hipódromo, tiradas mais ou menos do mesmo local com 50 anos de diferença (1961 e 2009). Na foto actual em que se vê uns vestígios da antiga azinhaga; começa onde estão os caniços á direita e separa o hipódromo dos campos do CDUL e vai até á entrada principal do hipódromo e creio que já não dá passagem para nada. Foto a cores feita com o google view.



Das coisas boas que fizeram no CIF foi construírem por detrás dos balneários do ténis um campo de mini-ténis, que se jogava com umas raquetes de madeira. Aqui deixavam jogar os apanha bolas quando não havia jogos. Para acabar vou contar uma "aventura" onde estive envolvido e que deu brado durante anos, que foi o "assalto" que um bando de putos entre os 8 e os 12 anos (mais coisa menos coisa) anos fez ás instalações da Sanzala. A Sanzala era um Night-Club e  restaurante só para gente fina e cuja construção era uma cubata enorme, ora a Sanzala, tinha um galinheiro fabuloso com galinhas, patos, etc e até faisões. Este galinheiro fazia paredes meias com o olival do CIF e só uma rede os separava. e nós fomos aos poucos arrebentado a rede que era grossa e nós uns putos, e um dia fizemos o "assalto".


Fotos de 1965, vista geral e entrada da Sanzala que tinha a forma de uma cubata enorme.


Já não me lembro do que surripiámos nem de como foi que aquilo se iniciou, o mais certo foi algum dos mais velhos dar a ideia e os outros foram atrás, mas sei que tirámos muita coisa (galinhas e patos, etc) e levámos para casa. Não sei como eles descobriram (devem ter visto o buraco na rede e deduzido que os apanha bolas estavam metidos nisso) ou então foi quando chegámos á Quinta da Calçada, aquilo espalhou-se e como ainda havia posto da policia a certa altura estávamos todos de cana. Não me recordo de mais pormenores a não ser de só ter saído do posto lá para as oito da noite quando os meus pais chegaram do trabalho e tiveram de ir pedir dinheiro emprestado para pagarem a multa, que foi bastante. Ah, e também da tarei que levei.


Noticia em A Capital sobre a mudança próxima do CIF, de 
Telheiras/Campo Grande para o Monsanto em Outubro 1971.

Planta das novas instalações do CIF em Monsanto. 1971. A Capital.


(fotos do Arquivo Fotográfico da CML)