por
João Lopes
Expresso, 7-11-1992
Coisas boas em jornais
Michel Waldmann é um fotógrafo belga que residiu em Lisboa durante alguns anos. Trabalhou como fotógrafo oficial da Fundação Europália (grande festival cultural realizado na Bélgica, que em 1991, teve Portugal como país-tema). Entre 1990 e 1991 fez em fotos, um fabuloso inventario de Cinemas, Teatros e Cine-teatros de Portugal, tendo percorrido o país de norte a sul. Falta dizer, que passados vinte anos, muitas destas salas foram recuperadas. Mais tarde irei colocar as restantes fotos de Michel Waldmann.
Cine-Teatro de Mealhada, (Cine-Teatro Messias). 1990/91.
FOI com o
filme Cinema Paraíso, do italiano Giuseppe Tornatore, que a paixão pelos
velhos cinemas se transformou em símbolo decadente das transformações por que
tem passado o cinema e o seu consumo. Que o filme não passasse de um melodrama
banal, muito distante das glórias do género, eis um pormenor que não exclui o
reconhecimento de que Tornatore sabia tocar uma nota sensível da actualidade audiovisual:
a degradação, ou mesmo a perda, dos lugares tradicionais de acesso aos filmes,
à sua sedução e aos seus mundos imaginários.
É desse desencanto
que testemunham também estas imagens assinadas pelo belga Michael Waldmann. Fazem
parte de um conjunto de 40 fotografias a preto-e-branco — «Cineteatros, a
arqueologia do presente/ausente» — expostas, (...), em Coimbra, no
âmbito dos 120 Encontros de Fotografia. A sua lógica pouco ou nada tem a ver
com a celebração de um tempo outro, eventualmente marcado por uma relação ideal
com o cinema. Não há nostalgia nestas visões porque não há vida social (nem ressonância
mitológica) que as venha contaminar. Waldmann fotografou as salas do nosso
país, menos como sinais de uma existência colectiva que nelas reconhecesse um
espaço privilegiado de reunião, e mais como objectos culturais não
identificados, ruínas austeras, por vezes agressivas, de uma história a que já
não pertencemos. Talvez sejam isso mesmo as velhas salas: símbolos de uma relação
com o cinema que, por
boas e más razões, já não podemos repetir.
Cine-Teatro de Mértola (Cine-Teatro Marques Duques). 1990/91.
Vem a propósito
lembrar que essa relação, o seu significado e a sua possível herança, é também
uma questão vital do actual estado de coisas do cinema em Portugal. Mais
concretamente: que salas preservar, como e para quê? Estas fotografias contêm, pelo
menos, uma resposta: a degradação e o aniquilamento (havia, em Lisboa, um
cine-teatro chamado Monumental...) chegaram longe de mais.
Em termos
práticos, ou melhor, institucionais, vive-se uma conjuntura de algumas respostas
imediatas e de poucas, ou nenhumas, alternativas globais.
A SEC, o IPC e a
Direcção Geral de Espectáculos estão a pôr em prática um projecto de apoio a
redes de infra-estruturas culturais. Verba disponível: 200 mil contos mais a colaboração
local das autarquias. Para António-Pedro Vasconcelos, coordenador do Secretariado
Nacional do Audiovisual, importa favorecer respostas mais globais, capazes de
articular o apoio às salas com o reactivar da distribuição independente e a redefinição
dos mecanismos de concorrência no mercado dos filmes. São temas em aberto,
cujos fantasmas as imagens de Waldman expõem com a justeza de um olhar que sabe
que está a perder os seus objectos eleitos.
Cine-Teatro da Golegã (Cine-Teatro Gil Vicente). 1990/91.
JOÃO LOPES
Expresso, 7-11-1992
Cinema Esplanada Vista Alegre em Beja. 1990/91.
Cine-Teatro de Ílhavo (Atlântico Cine-Teatro). 1990/91.
Cinema Império em Lisboa. 1990/91.
São João Cine (Cine-Teatro São João e agora Teatro Nacional São João). 1990/91.
Cinema Lys depois Roxy. 1990/91.
«Michel Waldmann, nasceu em 1950 em Bruxelas, Bélgica. Vive em Lisboa, Portugal. Estudou fotografia na I.N.R.A.C.I., Bruxelas. Fotojornalista free-lance. Exerceu também, durante os anos, 60, 70 e 80, como Técnico no teatro e no cinema: (régie som e luz, cenários e adereços, luzes, registo de som, câmera e projeções . Fotógrafo oficial da Fundação Europália Internacional para: Europália 87 Áustria, 89 Japão, 91 Portugal e 93 Mexico. 1976-77-78, trabalha em Israel: Fotografia submarina da fauna e flora do Mar Vermelho, 1982-1995, Trabalha com Les Baladins du Miroir: história e vida de um grupo de teatro ambulante, 1984, Trabalha dois meses na Noruega: os cemitérios marítimos dos grandes barcos petroleiros depois do segundo choque petrolífero e a reabertura do Canal do Suez. 1993, Trabalha dois meses em Moçambique: a vida social, o comércio, os campos de desarmamento da ONU, um ano após o fim da guerra colonial e um ano antes das eleições democráticas. 1994, Trabalha na Índia: os pequenos ofícios e a vida social nas ruas de Bombaim, Goa e Cochim. Desde 1997, Trabalha vários meses por ano em Portugal: as mudanças na vida social, política e religiosa, a paisagem, a arquitetura o comércio, as artes, etc...» (texto de 31-03-2006, encontrado no Arquivo Fotográfico da CML)
(Fotos de Michel Waldmann copiadas do jornal Expresso)
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