por
Trindade Santos
Jornal de Letras, 31 Agosto 1982
Jornal de Letras, 31 Agosto 1982
Coisas boas em jornais
JAZZ
O Jazz é a única música
em que a mesma nota pode ser
tocada todas as noites, sempre diferentemente.
São
as realidades ocultas, o subconsciente que se esconde
no corpo, quem dá a
ordem: sentes isto — toca aquilo.
Ornette
Coleman
Ornette Coleman. Londres, UK. 1981. Foto davidcorio.com
John Coltrane (com Miles Davis desfocado). Foto sem data da net.
Quando se toca jazz
toca-se o que acontece a todo o
momento — qualquer coisa que nunca se tinha
dito.
John
Coltrane
O jazz não tem nada a
ver com a música escrita. Quando tenta
receber influências da música
contemporânea não é jazz nem é bom.
Igor
Stravinsky
Igor Stravinsky compondo em um clube nocturno deserto de Veneza. 1957. Veneza, Itália. Gjon Mili. Foto LIFE Archive.
Jazz é a indecência sincopada
e contrapontada.
New
Orleans Times Picayune — 1914
Hot can be cool and
cool can be hot and each
can be both. But hot or cool, man, jazz is jazz.
Louis
Armstrong
Louis Armstrong. NY, EUA. John Loengard. Foto LIFE Archive.
Jazz sem batida é como um
telefone
arrancado da tomada: não pode comunicar.
Leonard
Feather
A diferença básica
entre a música clássica e o jazz nota-se no facto
de a clássica ser sempre
maior no papel que quando tocada. Pelo
contrário, no jazz, o que se ouve é
sempre mais que o que é tocado.
André
Previn
O Jazz é uma linguagem.
É as pessoas a viverem no
som: a falarem, a rirem, a chorarem, a construírem,
a
pintarem, a matematizarem, a abstraírem, a extraírem,
a darem, a tirarem, a
fazerem. Por outras palavras: a viverem.
Willis
Conover
Willis Conover. Foto de old.enciclopedia.com.pt
BLUES
Ponham os vossos negros
alegres e bem dispostos.
Façam-nos dançar ao som de um tambor.
Mercador
de escravos anónimo, séc. XV III
O blues é sentimento e forma.
É singular e
plural, à vontade...
Ralph
J. Gleason
Os blues nasceram do
nada, da carência, do desejo.
W.C.
Handy (autor de St. Louis Blues)
W.C. Handy em sua casa compondo ao piano. Foto de themusicsover.com
Son House com a sua guitarra. Foto de musicianbynight.blogspot.pt
Lembro-me, quando era
rapaz, de estar sempre a
cantar nos campos. Não era bem cantar, trautear,
talvez. Mas foi assim que fizemos canções sobre
o que se passava connosco nessa
altura. Penso que
foi assim que começaram os blues.
Son
House
Quem quer que cante
blues está derrotado.
Oprimido, perturbado com qualquer coisa,
sem chegar a
Deus, procura uma maneira de
se aliviar... Os blues fazem-no ficar triste e
chorar.
Mahalia
Jackson
Mahalia Jackson discursando durante a grande manifestação pelos direitos civis nos EUA,
convocada por Martin Luther King. 1963. Washington. Francis Miller. Foto LIFE Archive.
ROCK
A cena da música
popular é hoje diferente de qualquer cena em que
eu possa pensar na história da
música. É completamente feita por,
para e de miúdos, dos oito aos oitenta e
cinco. Escrevem as canções,
cantam-nas, tocam-nas, gravam-nas, são deles. Ainda
compram os
discos, criam o mercado, lançam as modas, na música, no vestir, na
dança, no cabelo, na fala, nas atitudes sociais.
Leonard
Bernstein
Um concerto de rock é
de facto um ritual
envolvendo a invocação e transmutação da energia.
William
Burroughs
Leonard Bernstein dirigindo durante um ensaio. 1956. EUA. Alfred Eisenstaedt.
William S. Burroughs. 1959. Paris, França. Loomis Dean. Fotos LIFE Archive.
Agora dedicamo-nos à dinâmica.
Trabalhámos o alto nos
últimos
dois anos e nos próximos seis meses
vamos atacar o ensurdecedor.
Jerry
Garcia
Rock é a corrupção do
Rhythm & Blues, que
já era a diluição dos blues. A música de
massas de hoje
é a vulgarização da vulgarização.
Benny
Green
Jerry Garcia.1993. E, Mick Jagger, 1989. Fotos LIFE Archive.
Lembro-me de — quando
era
muito novo — ter lido num
artigo do Fats Domino uma
frase que realmente me
influenciou:
«Nunca se deve cantar as letras com clareza».
Mick
Jagger
O Rock and Roll bem
podia ser resumido
nestas palavras: monotonia tingida de histerismo.
Vance
Packard
Nasci numa geração que
ainda
levava a música ligeira a sério.
Noel
Coward
Encaro toda a música
pop como irrelevante no sentido
de que nos próximos 200 anos ninguém há-de
ouvir
a música que se faz hoje. Acho que se há-de ouvir
Beethoven. A música pop
é só diversão. Essa é uma
das razões por que me não levo a sério.
Elton
John
Noel Coward. 1955. Las Vegas, Loomis Dean.
Elton John, 1984. Fotos LIFE Archive.
Elton John, 1984. Fotos LIFE Archive.
Um cantor folk é alguém
que canta de ouvido pelo nariz.
Anónimo
Um cantor folk é um
intelectual que canta
canções que nunca ninguém escreveu.
Anónimo
Uma canção popular
compõe-se a si própria.
Irmãos
Grimm (séc. XVII - XVIII)
As canções populares
são
— como todas as outras —
compostas por indivíduos.
Tudo o que o povo faz é
escolher aquelas que devem ficar.
H.L.
Mencken
A música de cinema é
ruído.
Dói-me ainda mais que a ciática.
Sir
Thomas Beecham
Marshall McLuhan. Foto sem data de www.festivalkarsh.ca
Cole Porter. Foto sem data de biografiasgls.blogspot.pt
Cole Porter. Foto sem data de biografiasgls.blogspot.pt
Depois de adaptar a
Sexta de Beethoven à sua Fantasia,
Walt Disney gritou: «Boa! Vamos lançar o
Beethoven!»
Marshall
McLuhan
A minha única
inspiração é
um telefonema de um produtor.
Cole
Porter
A música de filmes tem
com o filme
a mesma relação que aquilo que agora
alguém está a tocar no piano
da sala
tem com o livro que estou a ler.
Igor Stravinsky
Acham que, se eu
continuar a gritar — a
Música acabou! —
eles vão deixar de me mandar os
discos?
Trindade
Santos
O
disco da quinzena
Capa do álbum Sandinista dos Clash. Foto da net.
Nem sempre se pode dizer tudo a toda a gente durante
o tempo todo. (Só de quinze em quinze dias). Por isso é que os discos sobem e descem,
vão e vêm, ouvem-se e esquecem-se. É raro. Mas dá-me a sensação de que vou
ouvir este durante algum tempo. Para variar, é um daqueles que diz tudo a toda
a gente. Mas só foi feito uma vez. Sandinista!
dos Clash (CBS). Vale a pena ser jovem para poder gostar dele.
Trindade Santos
Jornal de Letras, 31 Agosto 1982
José Gabriel Trindade Santos é professor de Filosofia Antiga, membro do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa e professor permanente dos Programas de Pós-Graduação das Universidades Federais de Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Tem obra publicada, sobretudo em Portugal, Brasil e Itália, incluindo mais de meia centena de livros e capítulos de livros, e artigos especializados na sua área de docência e investigação. Fez durante muitos anos critica musical em várias publicações.
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