sábado, 3 de novembro de 2012

Cinemas onde vi filmes: O Politeama


«A fachada do novo teatro Politeama depois de retirado o tapume: o emprezario sr. Luiz Pereira à janela.» Foto Joshua Benoliel, copiada da revista Ilustração Portugueza de 22-12-1913.


Ao Politeama fui muitas vezes já adolescente e depois em adulto, creio que deixei de ir lá a seguir ao 25 de Abril, quando comecei a querer ver outro tipos de filmes. No Politeama, fui expulso uma vez porque não tinha idade para ver o filme (já não recordo qual, sei que tinha 15 ou 16 anos e o filme era para maiores de 17), mas o "sacana" do porteiro que já me tinha cortado o bilhete, quando reparou em mim, foi-me buscar ao hall e meteu-me na rua. Geralmente ia para os lugares mais baratos que era no chamado galinheiro e parecia que estava no 3º anel do estádio da Luz.
Anos depois em 1989, voltei ao Politeama para fazer as luzes de uma peça (Final de Samuel Beckett), encenada pelo Mário Viegas, que tinha conseguido o empréstimo? da sala entre as 19h e as 21h, porque as sessões de cinema continuavam às 14h, 16h e 21,30h. Passei cerca de três noites no Politeama depois da última sessão de cinema, o que quer dizer que só começava a trabalhar por volta da meia noite. O Mário Viegas pediu à Secretaria de Estado da Cultura alguns projectores e a mesa de comando e eu montei todo o material. 


A sala do Politeama em 1944/45. Estúdio Mário Novais.


Estava sozinho  e digo-vos que é um bocado assustador estar num edifício antigo, sozinho durante toda a noite, ouve-se o ranger das madeiras e parece-nos outra coisa. Além disso circulavam umas histórias de fantasmas (como existem em vários teatros antigos), mas o esquisito é que de vez em quando cheirava a rosas nos bastidores e não havia lá flores nenhumas, nem outra coisa que pudesse deitar aquele cheiro. Tentava não pensar nisso e lá fiz o trabalho de iluminação, que foi difícil, porque a parte principal da iluminação, teve que ser montada no galinheiro e dentro do palco não havia sitio para pendurar projectores. Tive que os pendurar na cortina corta-fogo (que é toda em ferro) e segurá-los com arames. A iluminação da peça no palco, foi mais difícil porque o écran subia e quando descia para as sessões de cinema, não podia haver projectores no seu caminho, o que colocou algumas limitações, mas lá se fez um trabalho digno e a peça ganhou o prémio do espectáculo teatral do ano. Muitas vezes encontra-se referências na net e não só, dizendo que foi o Filipe La Féria, que reabriu o Politeama para o teatro (desde os anos 60). Não é verdade, foi o Mário Viegas em 1989 e ainda nesse ano voltei a fazer iluminação de uma peça de A Barraca, que aproveitou a ideia do Viegas e fez lá no Politeama a peça " O Menino de sua Mãe", baseado em Fernando Pessoa, com a Maria do Céu Guerra, a Ilda Roquete e o José Maria Pinto.


Teatro Politeama em 1990, à espera do La Féria. 1990. Michel Waldmann.


Os 75 anos do Politeama
Texto de Manuel Cintra Ferreira em 1988

EMERGINDO das camadas de sujidade que lhe desfiguravam a fachada, o velho Teatro Politeama retoma uma imagem que ainda há poucas décadas era a de uma das salas mais populares de Lisboa. A limpeza que ali decorre tem a ver com os novos projectos que a Lusomundo tem para a velha sala da Rua das Portas de Santo Antão, procurando reconquistar o público com uma programação mais cuidada, estando a inauguração prevista  para o dia 6, data em que o Politeama comemora os 75 anos de existência. Não são muitas as salas que se podem orgulhar de terem resistido ao camartelo durante tanto tempo, e menos ainda as que prosseguem o mesmo tipo de actividade. 


A sala do Politeama. 1944/45. Estúdio Mário Novais. Ver as fotos seguintes.

Félix Ribeiro no seu livro  Os Mais Antigos Cinemas de Lisboa  dá conta da forma com surgiu o Teatro Politeama, uma obra a cargo do arquitecto Ventura Terra, e resultado da iniciativa de Luís António Pereira. A sala foi inaugurada a 6 de Dezembro de 1913, na presença do então Presidente da República Manuel de Arriaga e de Afonso  Costa, com a opereta Valsa de Amor
Este tipo de espectáculo terá ali, carácter dominante durante algumas décadas; apesar de, logo no ano seguinte, a 10 de Setembro de 1914, terem tido início as exibições cinematográficas com o filme de Carmine Gallone La Donna Nuda (A Mulher Nua) interpretado por Lyda Borelli, uma das actrizes italianas que António Ferro incluiu no Grandes Trágicas do Silêncio. Só a partir do princípio da década de 30 a sala passará a apresentar maioritariamente uma programação cinematográfica, embora o seu palco continue a ser usado, com frequência  até fins dos anos 40 por várias companhias de teatro, entre elas a Companheiros da Alegria. 


Hall ou a sala de fumo do Politeama. Aumentando a foto dá para perceber que o filme que está nos cartazes é A Mulher do Cabelo Vermelho (Lady with Red Hair, 1940) de Curtis Bernhardt, que estreou em Portugal em 28 de Dezembro de 1944 e saiu de cartaz em 04-01-1945, o que significa (em principio), que todas as fotos do Estúdio Mário Novais, são de 1944 ou inicio de 1945. Mas, também pode ter acontecido ter havido uma reposição do filme anos depois. Ver a seguir os anúncios dos filmes no Diário de Lisboa de 1944 e 45.

Seria ainda outra das «trágicas» italianas, Francesca Bertini, a inaugurar em 1927, uma temporada de maior regularidade na apresentação de filmes, com Monte Carlo (O Fim de Monte Carlo), realizado em 1927 por Mario Nalpas. Com estreias e reposições de filmes que então se incluíam numa designação de «filme d'arte», herdeira daquela que no começo do século teve início em França com O Assassinato do Duque de Guise, a sala adquiriu um certo prestígio. Foi lá que teve lugar, em 1916, a estreia do famoso Cabíria, de Pastrone, que se diz ter influenciado Griffith para o seu  Intolerância, e lá teve lugar  também aquele que se pode considerar o primeiro acto de censura sobre um  filme em  exibição em Portugal. Foi em 1917, em Novembro, quando o país estava em guerra, e era ministro da dita o general Norton de Matos que mandou retirar de exibição o filme de Thomas Inos, Civilização. As razões invocadas tinham a ver com as teses pacifistas que Civilização defendia (o filme, americano, datava  de 1916 e fora feito antes da intervenção dos EUA na Grande Guerra). A proibição não foi recebida de bom grado e deu origem a uma certa agitação em frente do cinema, que provocou mesmo a intervenção da GNR a cavalo. 


Anúncios no Diário de Lisboa em 28-12-1944 e 04-01-1945.


Quando nos anos 30 as sessões  de cinema  entraram numa relativa regularidade, o modelo utilizado, era, regra geral, o «double bill», o programa duplo, à excepção de uma ou outra obra de prestígio que por si só fosse suficiente para atrair  o público. 
No chamado lote dos filmes «de prestígio», durante o mesmo período, são vistos,  O Último Escravo, de Leo McCarey, O Malvado Zaroff,  de  Ernst Schoedsack, Não Sou  um  Anjo, com Mae West, Os Quatro Espiões de Hitchcock e O General Morreu  ao Amanhecer de Milestone, entre outros. Vale a pena destacar que, em 1937, é apresentado no Politeama A Filha do Bosque Maldito, o segundo filme a usar a nova fórmula do Technicolor dois meses depois da estreia do primeiro filme feito com este processo: A Feira da Vaidade. A programação durante esses anos divide-se entre a Columbia, a Warner Brothers e a Paramount, ainda que em breve a segunda ao lado da RKO, passasse a ocupar, quase exclusivamente, aquela sala, no que foi, talvez; o período mais rico da sua existência. Antes, porém, a  sala do Politeama serviu ainda de lançamento a uma curiosa experiência. 


A história do Politeama por Manuel Félix Ribeiro, em OS MAIS ANTIGOS CINEMAS DE LISBOA 1896-1939, edição da Cinemateca. Clique para ler.


Foi no, início de 1940. A distribuidora Lisboa Filme formara-se recentemente e apresentara nessa sala, em Novembro do ano anterior, os primeiros filmes do seu catálogo: A Linha Siegfried  e Precisam-se de 13 Mulheres, ambos alemães, o primeiro um documentário sobre a famosa linha que se opunha à francesa Maginot (isto mesmo no início da guerra). Também alemães foram os filmes que nesses começos de 1940 passaram de forma, original, naquele cinema:  O Chapéu Florentino e Hora de Tentação que apresentavam a particularidade de serem parcialmente dobrados em português. A experiência foi, no entanto, efémera, apesar da curiosidade do primeiro para o qual foi filmada uma introdução, cujo autor tudo indica ter sido Arthur Duarte, e que contava com a participação de, entre outros, Manuel dos Santos Carvalho. Um trabalho que hoje se julga perdido. A nova tentativa de  dobragem morreu à nascença. 


Lista dos filmes para estreia no Politeama, na época de 1948-1949  e planta do Politeama em: Plantas e Programas dos Cinemas de Estreia em Lisboa, época 1948/49. Esta publicação de 1948 era distribuída pela companhia de seguros Mundial Confiança aos clientes.


Os  anos 40 e parte dos 50: são os mais prolixos do Politeama, tanto em qualidade, como no número de êxitos  comerciais. Em parte, como já se disse,  devido a programação com base em  filmes  da  Warner  e  RKO, primeiro,  e da Fox, depois. Em especial os filmes com Errol Flynn que provocavam verdadeiras enchentes: sete semanas para Aventuras de Robin dos Bosques, outras tantas para o Gavião dos Mares, quatro para Vida Nova: Os números podem ter pouco sentido hoje em dia, mas um sucesso comercial,  então, media-se pelas duas ou  três semanas. Imbatíveis foram as 8 semanas com que Casablanca entusiasmou os cinéfilos lisboetas. E não só. Estreado só em 1945, já no fim da guerra, a sua exibição era pretexto para algumas manifestações contra regime,  especialmente no momento do filme em que se canta a Marselhesa cujo coro se  confundia com o da plateia. 


 O Politeama e a Rua das Portas de Santo Antão. A da esquerda é de Alberto Carlos Lima e só se sabe que é posterior a 1913. Possivelmente será da década de 30. A da direita é de Arnaldo Madureira e foi tirada por volta de 1960.

Os anos 50 assistiram ao progressivo predomínio da Fox, em especial a partir de 1954, com a inauguração do Cinemascope, sendo o Politeama a quarta sala a o utilizar o novo formato, depois do Tivoli, S. Jorge e S. Luiz. No fim desse ano, o ecrã largo do  Politeama apresentava a continuação de A Túnica, Demétrio O Gladiador. Mas, o maior sucesso comercial dessa década teria lugar em 1956 com o filme de Hathaway, O Fundo da Garrafa, segundo uma novela de Simenon, que esteve em exibição 8 semanas. Outro triunfo desse anos foi o cómico mexicano Mario Moreno (Cantinflas), cujos filmes, distribuídos pela Columbia, eram quase um exclusivo deste cinema. É a partir de 1957 com Cantinflas na Ribalta, primeiro, e O  Bolero de Raquel, depois. 


«Foi no Politeama por volta de 1916 que se estreou "Cabiria", o famoso filme italiano de Giovanni Pastrone». «Para inauguração da sua temporada 1927/28 o Politeama escolheu um filme da famosa e belissima actriz Francesca Bertini. Assim a partir de Outubro de 1927 pela tela do Politeama, por onde alguns filmes de Francesca Bertini haviam anos antes corrido, voltou a imagem da popularissima actriz italiana a ser projectada». (Manuel Félix Ribeiro)

Será, aliás, Cantinflas a única nota, de êxito a partir do fim da década de 50 quando  a programação começa progressivamente a cair numa irremediável mediocridade. Cinema de características populares, o Politeama passa a reflectir a deterioração dos modelos  da série B, recorrendo profusamente ao «peplum» e ao «western spaghetti», e a um estilo de comédia erótica de características «soft». As recentes tentativas de recuperação da sala não tem sido felizes. 
Ao optar por um filme como Tucker, a obra-prima de Francis Coppola, para a reabertura do Politeama parece haver, por parte dos seus responsáveis, uma decidida vontade de lhe devolver o velho prestígio. 

Manuel Cintra Ferreira 
Expresso, 03-12-1988


Noticia sobre a inauguração do Polytheama em 1913 e critica à Opereta com que o teatro foi inaugurado  no jornal A Capital - Diário Republicano da Noite, dias 5 e 7 de Dezembro de 1913. A noticia da direita é de 1968 e conclui-se dela que a Gulbenkian organizava Bailados regularmente no Politeama e que, tinha havido grandes obras no Teatro.


Entrevista com o Gerente do Politeama em 1970



Em 1970, o critico Eduardo Geada e o jornal A Capital fizeram uma série de entrevistas aos distribuidores de filmes, exibidores e gerentes de cinema, que são um grande retrato da comercialização e exibição de filmes em Lisboa em 1970. Neste caso, o entrevistado é Correia de Melo, gerente do Politeama desde 1967. «Pretendo  fazer voltar ao Politeama o prestígio que antigamente tinha. Determinado público foi-se habituando a ver neste cinema filmes de accão, mas eu gostava de, sem perder o público actual, reconquistar também os espectadores que gostam  de outro género de filmes. Por isso, este ano vamos inaugurar  a temporada com um filme de Carlos Saura. Como a coisa tem  de  ser  feita gradualmente, já comecei a apresentar alguns espectáculos de «ballet» para um público de escol e prossigo com as sessões clássicas dos  «Romances  de Amor» que o Politeama inaugurara há bastantes anos. O meu maior  problema consiste  em obter  filmes de grande nível que chamem o público. Somos um cinema independente a esgrimir sozinhos contra poderosos grupos de exibidores que apanham quase sempre os melhores filmes. A maior parte das vezes somos obrigados a fazer o contrato sem ter visto os filmes ou a aceitar outros para poder escolher o que queremos; chegam mesmo a apresentar-nos apenas uma lista limitada aos filmes de acção. O meu projecto é entremear os filmes de aventuras com outros de maior qualidade, para  o que  seria ideal o apoio de um distribuidor. E claro que o exibidor pode vir a influenciar a programação dos distribuidores se recusar sistematicamente determinado género de filmes bastante maus, que são normalmente os mais baratos. Mas para isso  é necessária a  força de mais de uma sala exibidora que garanta o escoamento e o apoio, do cinema de qualidade.»



Alguns filmes (para não lhe chamar outra coisa), que passaram no Politeama


Este de Michael Curtiz é o melhor de todos os filmes destes anúncios, foi em 1955.


O Politeama em 1965?. Foto copiada de jornal.

 Anúncios em 1966.

Anuncio de 1966.

 Anúncios de 1968 e 1972.


Anos 70 ou 80. Foto copiada de jornal.

Anos 70 ou 80. Foto copiada de jornal.

Há poucos anos atrás, estava assim o Politeama. Antes isso. Foto da net.



(Fotos do Arquivo Fotográfico da CML e da Fundação Calouste Gulbenkian)




Sem comentários:

Enviar um comentário