Perguntai
a um sapo o que é a beleza, o verdadeiro belo. Responder-vos-á que consiste na
sua mulher, com os seus belos olhos redondos que se projectam para fora da
pequena cabeça, o pescoço grosso e achatado, o ventre verde e as costas
castanhas. Interrogai o diabo: dir-vos-á que o belo é um par de cornos, quatro
patas com garras e um rabo.
Aparentemente,
beleza e fealdade são conceitos que mutuamente se exigem: habitualmente
entende-se a fealdade como o oposto da beleza, de modo que bastaria definir a
primeira para se saber o que é a outra. Mas as diversas manifestações do feio
através dos séculos são mais ricas e imprevisíveis do que comummente se julga.
Por isso, não só os textos antológicos, mas também as ilustrações
extraordinárias deste livro, levam-nos a percorrer um itinerário surpreendente
entre pesadelos, terrores e amores de quase trinta mil anos, onde os actos de
repulsa caminham de mãos dadas com comoventes movimentos de paixão, e a
rejeição da deformidade é acompanhada de êxtases decadentes que, as mais das
vezes, são violações sedutoras de todos os cânones clássicos.
In
Introdução, HISTÓRIA DO FEIO de Humberto
Eco (direcção), Editora Difel, 2007.
.
Para
eles eram feios
Relatórios de leitura e
recensões
«As composições de
Johann Sebastian Bach são totalmente sem beleza, harmonia e sobretudo, clareza.»
(Johann Adolph Scheibe, Der critische Musikus, 1737)
«Uma orgia de barulho e
vulgaridade.»
(Louis Spohr aquando da
estreia da 5ª sinfonia de Beethoven)
«Se (Chopin) tivesse
sujeitado as suas músicas ao juízo de um perito, ele tê-las-ia rasgado… Em todo
o caso, gostaria de ter sido eu a fazê-lo.»
(Ludwig Rellstab, Iris im Gebiete der Tonkunst, 1833)
«O Rigoletto é carente
no plano melódico. Esta ópera não tem nenhuma possibilidade de inserir-se no
reportório.»
(Gazette Musicale de Paris, 1853)
«Estudei durante muito
tempo a música daquele velhaco. É um bastardo sem qualidade.»
(Tchaikovsky no seu Diário, acerca de Brahms)
«Dentro de cem anos, Les fleurs du mal serão recordados com
uma curiosidade.»
(Émile Zola, por
ocasião da morte de Baudelaire)
«Terá tido os dotes de
um grande pintor, mas faltou-lhe vontade.»
(Émile Zola sobre
Cézanne)
«É a obra de um louco.»
(Ambroise Vollard em
1907 sobre Les demoiselles d’Avignon
de Picasso)
«Serei talvez duro para
compreendê-lo, mas não consigo capacitar-me do facto de que um senhor possa
empregar trinta páginas para descrever como se dá voltas e mais voltas na cama
antes de adormecer.»
(Relatório de leitura
sobre a Recherche de Proust)
«Senhor, sepultaste o
vosso romance num cúmulo de pormenores que estão bem desenhados, mas totalmente
supérfluos.»
(Carta de um editor a
Flaubert, acerca de Madame Bovary)
«Nos seus romances não
há nada que revele particulares dotes imaginativos, nem a trama, nem as
personagens, Balzac nunca ocupará um lugar de relevo na literatura francesa.»
(Eugène Poitou, Revue des deux mondes, 1856)
«Em O monte dos vendavais, os defeitos de
Jane Eyre [da irmã Charlotte] multiplicaram-se por mil. Pensando bem, a única consolação
que nos restará é o pensamento de que o romance nunca se tornará popular.»
(James Lorimer, North
British Review, sobre Emily Bronte, 1849)
«A incoerência e a
falta de forma das suas poesíolas – não saberia defini-las de outro modo – são espantosas.»
(Thomas Bailey Aldrich, The Atlantic Monthly, sobre Emily Dickinson, 1882)
«Moby Dick é um livro
triste, esquálido, chato e até ridículo… Depois, aquele capitão louco, é de um
aborrecimento mortal.»
( The Southern Quarterly Review, 1851)
«Walt Whitman tem a
mesma relação com a arte que um porco com a matemática.»
(The London Critic, 1855)
«Pouco interessante
para o leitor comum e não bastante aprofundado para o leitor científico.»
(Relatório de leitura
sobre H. G. Wells, A máquina do tempo,
1895)
«A história não chega a
uma conclusão. Nem o caracter nem a a carreira do protagonista parecem chegar a
um ponto que justifique o final. Em suma, parece-me que a história não conclui.»
(Relatório de leitura
sobre Francis Scott Fitzgerald, Este lado
do paraíso, 1920)
«Meu Deus, meu Deus,
não podemos publicá-lo. Acabamos todos na prisão.»
(Relatório de leitura
sobre Faulkner, Santuário, 1931)
«É impossível vender histórias
de animais nos EUA.»
(Relatório de releitura
sobre George Orwell, O triunfo dos porcos,
1945)
«Esta rapariga não
parece ter uma especial percepção ou então o sentimento de como se pode levar
este livro acima de um nível de simples curiosidade.»
(Relatório de leitura
sobre o Diário de Anne Frank, 1952)
«Deveria ser contado a
um psicanalista e provavelmente foi e transformou-se num romance que contém
alguns passos de bela escrita, mas é excessivamente nauseabundo… Recomendo que
seja sepultado por mil anos.»
(Relatório de leitura
sobre Nabokov, Lolita, 1955)
«Os Buddenbrook não são senão dois volumes
em que o autor conta histórias insignificantes de gente insignificante num
estilo insignificante.»
(Eduard Engel sobre Buddenbrook de Thomas Mann, 1901)
«Acabo de ler o Ulisses
e julgo-o um insucesso… É prolixo e desagradável. É um texto grosseiro, não só em
sentido objectivo, mas também do ponto de vista literário.»
(Do Diário de Virginia Wolf)
«Aquele rapaz não tem o
mínimo talento.»
(Manet a Monet sobre
Renoir)
«Nenhum filme sobre a
guerra civil deu dinheiro.»
(Irving Thalberg da
Metro, desaconselhando a compra dos direitos de E tudo o vento levou)
Cartaz de Gone With The Wind (E tudo o vento levou, 1939) de Victor Fleming.
«E
tudo o vento levou será o mais clamoroso fiasco da história
de Hollywood. Estou muito contente por ser Clark Gable e não Gary Copper quem
enfrentará as dificuldades.»
(Gary Cooper, depois de
ter recusado o papel de Rhett Butler)
«Que farei eu com um
tipo com aquelas orelhas?»
(Jack Warner depois do
ensaio de Clark Gable, 1930)
«Não sabe recitar, não
sabe cantar e é calvo.»
(Dirigente da Metro,
depois de um ensaio de Fred Astaire, 1928)
Transcrito da página 393 de HISTÓRIA DO FEIO de Humberto Eco (direcção), Editora Difel, 2007.
Clark Gable (1936), por Alfred Eisenstaedt e Fred Astaire
(1945), por Bob Landry.
(Fotos LIFE Archive e da net)
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