quarta-feira, 8 de maio de 2013

Esplendor na Relva, Elia Kazan, 1961


por 
João Bénard da Costa


Deannie Loomis na aula, lendo o poema que dá o titulo ao filme.
Foto encontrada em www.dvdbeaver.com

“Eu sei que Deannie Loomis não existe / mas entre as mais essa mulher caminha / e a sua evolução segue uma linha / que à imaginação pura resiste.”
Começa assim o soneto intitulado “Esplendor na Relva”, que Ruy Belo inseriu em Homem de Palavra[s]. Deannie Loomis (aliás Wilma Deannie Loomis) é o nome da protagonista interpretada pela fabulosa Natalie Wood. O pretexto (em sentido literal) é o filme de Elia Kazan Splendor in the Grass (1961), com argumento de William Inge.
Hoje, o filme ganhou ressonâncias míticas, associado aos idos de 60 e aos Maios de tal década. Na altura, não as teve e foi mesmo, da América a Portugal, implacavelmente zurzido pela crítica que o achou piegas e cabotino. O público também não ligou peva. Mas para alguns - poucos, e certamente não felizes - foi paixão tão devastadora como a que, no filme, os adolescentes Deannie Loomis e Bud Stamper (Warren Beatty) tiveram um pelo outro. Ruy Belo foi desses. Aliás, não certamente por acaso, foi ele o único poeta que conheço a cantar as duas mulheres mais intensas dos late fifties e dos early sixties: Marilyn Monroe (esse assombroso poema chamado “Na Morte de Marilyn”, que vem no Transporte no Tempo e em que nos pede para “em vez de Marilyn dizer mulher”) - e Natalie Wood.

 Warren Beatty & Natalie Wood by Eliot Elisofon. 1961.

Eu sei que Ruy Belo não cantou Natalie Wood mas Deannie Loomis. Mas também sei que Natalie Wood “não existe / mas entre as mais”, etc. E há nesse verso um prodígio de adequação poética.
É quando se diz que “a sua evolução segue uma linha / que à imaginação pura resiste”. Resiste à “imaginação pura” (no sentido de “pura imaginação”) ou resiste, “pura”, à imaginação? Ou seja, o adjetivo “pura” refere-se à imaginação ou a Deannie Loomis? Ou - pode ser também - à “linha que resiste”? Nestas três perguntas está o cerne de Deannie Loomis, de Natalie Wood e de Splendor in the Grass. São mulheres e filme da nossa imaginação? São mulheres e filme que resistem à nossa imaginação? Ou são mulheres e filme que resistem a uma linha evolutiva que só na nossa imaginação existe? Não sei, como provavelmente Ruy Belo não saberia, mas, como também ele escreveu (na “explicação preliminar” à 2ª edição do livro): “Ninguém no futuro nos perdoará não termos sabido ver esse verbo que tão importante era já para os gregos.” E, emSplendor in the Grass, tudo está no ver, que traz a história dos meninos e moços de Kansas - meninos e moços dos anos 20, de antes da Depressão - à dimensão das mais belas histórias de amor e de morte jamais contadas.

Natalie Wood e Warren Beatty na cerimonia dos óscar's de 
1962, onde recebeu o óscar de melhor actriz. 1962. Allan Grant.

Sirvo-me do exemplo mais conhecido, também ele poético, e que dá o título ao filme. No liceu de Natalie Wood, onde ela entrava sempre com três livros apertados ao peito, um deles de capa azul, a aula de literatura, nesse dia, não era sobre Os Cavaleiros da Távola Redonda mas sobre Wordsworth e a Ode of Intimation to Immortality. Deannie/Natalie chegava de vestido grenat muito escuro, gola de rendas. Todas as colegas sabiam - e ela também, embora ninguém lho tivesse dito - que Bud/Warren, incapaz de separar por mais tempo o desejo e o amor, tinha enganado, na véspera à noite, a fome do corpo dela, no corpo de Juanita, única da turma que não se ficava pelos beijos. Nada seria mais, para eles, como antes fora. Como também se diz no filme (noutro contexto), Deannie trazia, debaixo do vestido, o primeiro golpe na sua própria carne.
E é quando todo o mundo vacila à roda dela que a professora a interpela para lhe perguntar o que é que o poeta quis dizer com os versos famosos: “No, nothing can bring back the hour / the splendor in the grass, the glory in the flower.” Para a estúpida e pedagógica pergunta não há resposta, ou a esse nível só há a que Natalie Wood comoventemente tenta articular. Mas não é nada disso que o poeta quis dizer.
O que conta, o que o poeta quis dizer, é o que Natalie só naquela altura sente e sabe, ou pressente e entrevê. Por isso, o que conta e o que o poeta quis dizer é o espantosotravelling que arranca Deannie do lugar e a põe diante da professora atónita, depois daquele outro em que sai a correr da aula e nos atira com a porta na cara e, por fim, esse plano em que a vemos, sozinha, na profundidade de campo do corredor do liceu, até ir parar à enfermaria. Nesse minuto de cinema, sabemos, para além das palavras, que “that radiance that was once so bright / Is now forever taken from my sight”. Irradiância que, no filme, foi entre o plano inicial (Deannie e Bud a namorar nas cataratas, e ela com tanto medo de não aguentar mais) e essa sequência, também nas cataratas, em que Bud fez com Juanita o que não fez com ela e de que essas cataratas são a mais poderosa das metáforas.
O “esplendor na relva” é o que vimos até à aula: são os planos em que se deita de bruços na cama (Warren Beatty deita-se da mesma maneira); é o búzio encostado ao ouvido; são os ursos de pelúcia coexistindo com o retrato dele; é o dia em que entrou no liceu ao lado dele, tão orgulhosa, de blusa amarela e saia branca; é o plano da ducha dos rapazes; é a noite de chuva no carro amarelo e Deannie a dizer a Bud que ficará para sempre à espera dele; é uma saia cor-de-rosa que funde em negro; é, sobretudo, a estarrecedora sequência em que Bud a obriga a ajoelhar-se-lhe aos pés e ela desata a chorar. Aflitíssimo, Bud diz-lhe que era uma brincadeira. E ela a responder: “Não posso brincar com estas coisas. Eu era capaz de fazer tudo o que tu me pedisses. Tudo. Juro que era.”

  Warren Beatty & Natalie Wood by Eliot Elisofon. 1961.

Mas é depois da sequência da aula que o filme atinge o máximo de beleza e tensão, desde longo período em que Deannie se isola até à crise que a leva ao manicómio. Natalie Wood começa por cortar os cabelos ao espelho (iniciaticamente) e, depois, veste-se de encarnadíssimo (bandelette encarnada, colar encarnado) para se oferecer a Bud na sequência da festa, para ser recusada por Bud e, depois, correr pelos rails até às cataratas (terceira e última presença delas no filme) e mergulhar nas águas, onde até a morte lhe frustram.
Mas nem Wordsworth nem Kazan terminam no desespero ou nesse desespero. Após os versos que dão título ao filme, Wordsworth diz: “We will grieve not, rather find / strength in what remains behind.”
Não estou nada certo que seja “força” o que Natalie Wood encontrou na relva da clínica, entre velhas catalépticas e enfermeiras de olhar estranho. Não estou nada certo que seja “força” o que Warren Beatty encontrou na universidade para onde o mandaram, ou na noite de Nova York em que o pai lhe pagou uma “rapariga parecida com Deannie”. Mas “o que ficou para trás”, isso, introduz-se a cada plano do lento desmoronar deles, das famílias deles, da América da crise de 29, de um mundo com tais valores.
Elia Kazan disse preferir no filme a sequência em que Deannie regressa à casa paterna, ao que dizem “curada”, e conversa com a mãe que lhe diz que tudo o que fez foi para bem dela. Já está noiva do “rapaz de Cincinatti”, que conheceu no hospital e Bud já está casado com Angelina, que não tinha entrado na história e até já tem um bebê. Deannie vai visitá-los, com as amigas. Não há uma palavra sobre o passado e há só o passado. Depois do “esplendor na relva”, Bud fica com as capoeiras e ela com um companheiro das trevas. “Como numa tragédia grega: sabemos o que vai acontecer e só podemos ver o que acontece.”
Estas palavras são de Kazan. Mas esta tragédia americana não acaba em mortes violentas. Só na morte que cada um de nós traz dentro de nós, feita de tudo “what remains behind”. “We will grieve not” e, por isso mesmo, a nossa dor é muito maior. De Deannie Loomis e de Bud Stamper me despeço com outro poema de Ruy Belo: “Mas agora que cantei da tristeza / não observo já os mais leves traços / e a minha maneira de me matar / é deixar cair ambos os braços.” É a isto que se chama “intimação à imortalidade”?

Texto de João Bénard da Costa
"Folha da Cinemateca", sem data
encontrada em www.focorevistadecinema.com.br

Elia Kazan falando com Natalie Wood e Warren Beatty ouvindo Joan Collins 
(sua namorada na altura) durante as filmagens de "Splendor in the Grass".1961.

 Elia Kazan falando com Warren Beatty durante as filmagens de "Splendor in the Grass".1961.

Natalie Wood e Warren Beatty no Festival de Cannes. 1962. Paul Schutzer.

Natalie Wood (Wilma Deannie Loomis) e Warren Beatty (Bud Stamper) em O Esplendor na Relva.
Foto encontrada em www.dvdbeaver.com


"em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais"
Ruy Belo


(Fotos LIFE Archive, excepto as assinaladas)


sábado, 4 de maio de 2013

Marlon Brando e Tarita - Parte 2


A Cinderela dos Mares do Sul


Fotos de Grey Villet


Tarita Teripia, a "Cinderella of the south seas" e Marlon Brando, durante 
as filmagens de "Mutiny on the Bounty" (1962) de Lewis Milestone no Tahiti.


«Em suas memorias, Tarita conta que quando conheceu Brando, não sentiu nada: "Para mim, o papel só significava um trabalho muito bem pago". Marlon Brando, que tinha o dobro da idade de Tarita, divorciou-se da actriz Movita Castañeda para casar-se com ela. Em 1966, Brando comprou uma ilha para Tarita, a 20 minutos de voo de Tahití, e que converteu no seu refugio privado. Tiveram dois filhos e não viveram felizes para sempre, em 1972 cada um foi para o seu lado.»
(texto encontrado na net)

Tarita Teripia, durante as filmagens de "Mutiny on the Bounty" (1962) de Lewis Milestone.

 Tarita Teripia e Marlon Brando, durante as filmagens de
"Mutiny on the Bounty" (1962) de Lewis Milestone no Tahiti.

 Tarita Teripia, 19 anos durante as filmagens de
"Mutiny on the Bounty" (1962) de Lewis Milestone.

 Tarita Teripia e Alan Callow numa cena do filme
"Mutiny on the Bounty" (1962) de Lewis Milestone.

 Tarita dançando para o Capitão da Bounty William Bligh (Trevor Howard), numa
cena do filme "Mutiny on the Bounty" (1962) de Lewis Milestone no Tahiti.

 Cena de rodagem no Tahiti com a Bounty ao fundo, para o
filme "Mutiny on the Bounty" (1962) de Lewis Milestone.

O Capitão da Bounty William Bligh (Trevor Howard) e (sentado) o realizador Lewis Milestone, 
durante as filmagens de "Mutiny on the Bounty" (1962) de Lewis Milestone no Tahiti.

O Capitão William Bligh (Trevor Howard) e o Tenente Fletcher Christian (Marlon Brando), 
numa cena do filme "Mutiny on the Bounty" (1962) de Lewis Milestone no Tahiti.




(Fotos Grey Villet e LIFE Archive)


quarta-feira, 1 de maio de 2013

Rio Bravo e a Guerra dos sexos

Rio Bravo de Howard Hawks 
Fotos de Allan Grant - 1958


Howard Hawks avaliando uns collant's com Angie Dickinson 
e John Wayne, durante as filmagens de Rio Bravo. 1958.


Guerra dos sexos
Texto de
Manuel Cintra Ferreira

Coisas boas em jornais

Angie Dickinson tomando banhos de sol durante as filmagens de Rio Bravo. 1958.

Há quem defenda a tese de que Howard Hawks apenas fez comédias ao longo da sua carreira de cineasta. Se nela é difícil encaixar filmes como A Grande Ofensiva, Terra de Faraós e, principalmente, A Vida é.. o Dia de Hoje, já o mesmo não se passa com os seus «westerns», onde as relações entre homem e mulher reproduzem as que têm lugar nos filmes «reconhecidos» como comédias, Duas Feras, Fizeram-me Passar por Mulher, Bola de Fogo, etc.

Howard Hawks dirigindo John Wayne e Angie Dickinson em Rio Bravo. 1958.

O caso mais flagrante é exactamente o «western» mais famoso de Hawks, este genial Rio Bravo. Aqui encontramos todos os «equívocos» que marcam aquelas comédias, mais ou menos camuflados pelas relações de amizade entre os homens. Rio Bravo é, antes de mais, a história de uma «conquista», a do irrascível e misógino John T. Chance (John Wayne) pela glamorosa «Feathers» (Angie Dickinson), em que ela se serve de tudo (golpes «altos» e «baixos») para levar a água ao seu moinho. Chance vai-se deixando «levar», com gosto finalmente, mas nem por isso de forma menos renitente. 

John Wayne e Angie Dickinson em Rio Bravo.

O que há, antes de mais, e permanece subjacente a essa «submissão» é a desconfiança em relação à mulher que todo o herói de Hawks manifesta. Desconfiança que deriva de feridas pessoais que alguma lhe provocou ou que testemunha num seu amigo, neste caso, Dude (Dean Martin) conhecido como «El Borrachón», por se entregar à bebida depois de abandonado pela mulher que amava (o filme começa com uma espantosa sequência de pelo menos 5 minutos sem palavras, que apresenta Dude no máximo da degradação). Se relação «fiel e verdadeira» aqui existe é a que une Chance e Dude, cada um capaz dos maiores sacrifícios pelo outro (inclusive a própria segurança e vida, quando Dude fica refém dos pistoleiros). Todos os encontros de Chance com Feathers se colocam sob o signo da provocação, que é também, neste meio especial dos personagens hawksianos, a forma de se manifestar admiração, amizade e, mais tarde, o amor. 

Howard Hawks dirigindo John Wayne e Angie Dickinson em Rio Bravo. 1958.

O primeiro encontro dos dois é um dos mais cómicos «gags» do cinema de Hawks, e uma irresistível brincadeira tipicamente hawksiana com a imagem viril de John Wayne (Feathers entra no quarto e surpreende o hoteleiro com as calcinhas de renda da mulher na mão, em frente à cintura de Chance, e quando se despede grita-lhe, «Sheriff, esqueceu-se das calças»!, perante o embaraço dele). E o último é praticamente a rendição incondicional de Chance. De facto o «duelo» Chance-Feathers talvez seja o verdadeiro confronto de Rio Bravo, vindo sobrepor-se à amizade Chance-Dude (este começa a afastar-se quando a relação entre os outros dois adquire uma forma mais íntima). A volta dele tem lugar o conflito clássico do «western», com a cidade ameaçada por um poderoso rancheiro que quer libertar o irmão acusado de assassínio, numa série de acções que são outras tantas provas que os personagens têm de passar para a resolução de todos os conflitos.

Guerra dos sexos
Texto de Manuel Cintra Ferreira
em Expresso, 24 Agosto 96


Howard Hawks dirigindo Angie Dickinson em Rio Bravo. 1958.

Howard Hawks dirigindo Angie Dickinson em Rio Bravo. 1958.

Howard Hawks dirigindo John Wayne e Angie Dickinson em Rio Bravo. 1958.


(Fotos de Allan Grant e LIFE Archive)


sábado, 27 de abril de 2013

As Meninas de Billy Wilder

Irma La Douce de Billy Wilder (1963)


Fotos de Gjon Mili


“Ser honesto é como depenar uma galinha
ao vento, ficas com a boca cheia de penas”.
frase de Moustache (Lou Jacobi) no filme

Shirley MacLaine é a menina principal. Gjon Mili 1963.

É uma "história de paixão, sangue, desejo e morte, ou seja, tudo o que faz a vida valer a pena". Baseado na peça teatral de Alexandre Breffort, Irma la Douce foi um dos grandes sucessos de Billy Wilder. É uma comédia romântica, sim, mas muito incomum; são 147 minutos de um enredo absurdo e delirante, em que os argumentistas Billy Wilder e I.A.L. Diamond parecem querer, a toda hora, atingir o limite de loucura.


Shirley MacLaine é a menina principal. Gjon Mili 1963.

Billy Wilder a dirigir Irma e Moustache. 1963. Gjon Mili.

Billy Wilder no seu escritório em Hollywood com o co-argumentista I.A.L. Diamond. 1960.


Nestor (Jack Lemmon) é um policia honesto que se apaixona por Irma (Shirley MacLaine), uma prostituta das mais requisitadas de Paris. Ela trabalha na Rua Casanova e é aí que tudo acontece. Após ser demitido da polícia por não aceitar participar do acordo entre prostitutas, chulos e policias, ele torna-se o chulo de Irma, mas não quer que ela se encontre com nenhum homem que não seja ele. Com a ajuda do dono de um bar, ele finge que é um lorde inglês muito rico mas, em segredo, trabalha no mercado como estivador e isso o deixa muito cansado, fazendo Irma supor que Nestor perdeu o interesse por ela. Quando Irma tem uma briga com Nestor, ela decide ir para a Inglaterra com o lorde, ou seja, com ele mesmo. Então Nestor acha que é hora de acabar com a farsa e "mata" o lorde. Porém, ele passa a ser acusado de assassinato pelo sumiço do lorde. 
(Sinopse em wikipedia)


Irma (Shirley MacLaine) e Nestor (Jack Lemmon). 1963 Gjon Mili.


Uma das piadas do filme é o dono do bar, Moustache (Lou Jacobi), que comprou o estabelecimento já com o nome de Chez Moustache e, portanto, achou mais barato deixar crescer o bigode do que comprar outro letreiro. Segundo as autoridades, ele é um ladrão de galinhas romeno chamado Constantinescu, e também foi professor de economia na Sorbonne, croupier em Montecarlo, coronel da Legião Estrangeira em Marrakesh, soldado em Dunquerque, um dos maiores advogados criminalistas da França e chefe da obstetrícia na África Equatorial Francesa com o dr. Schweitzer... "mas isso é outra história". 
(In, omelete.uol.com.br)

Meninas de Billy Wilder. 1963. Gjon Mili.

Mais Meninas de Billy Wilder. 1963. Gjon Mili.

 Mais Meninas de Billy Wilder. 1963. Gjon Mili.

 Mais Meninas de Billy Wilder. 1963. Gjon Mili.

 Mais Meninas de Billy Wilder. 1963. Gjon Mili.


Billy Wilder contrói uma das mais delirantes sequências quando Lord X começa a contar a sua vida usando como base os filmes ingleses que tinha ido ver ao cinema para treinar a célebre pronúncia, é um perfeito delírio de “Gunga Din e os lanceiros da ìndia, até ao “Lawrence da Arábia”, passando pela “Ponte do Rio Kwai” que lhe caiu em cima, tudo aconteceu ao distinto Lord, mas agora que eles se encontraram o seu destino está traçado. 
(In, amemoriadocinema.blogspot.com)

Irma (Shirley MacLaine) e Nestor (Jack Lemmon). 1963 Gjon Mili


“O amor é ilegal, o ódio não. Você pode odiar quem quiser onde quiser. Mas se você quer ternura, 
carinho, um ombro para chorar, um sorriso, precisa se esconder em becos escuros, como um criminoso!”
frase de Moustache (Lou Jacobi) no filme



(Fotos Gjon Mili e LIFE Archive)


quinta-feira, 25 de abril de 2013

Portugal Abril de 1974


ENVIADO A PORTUGAL
Fotos de Henri Bureau
Texto de Luiz Carvalho
Expresso 24-04-2004


Um suposto membro da PIDE, sendo preso por soldados no Largo do Carmo.
Foto copiada do Expresso

Quando naquela manhã, pela fresquinha, os blindados do capitão Maia desceram de Santarém a Lisboa para mudarem a História, muita gente foi apanhada adormir. A música na rádio era outra, apesar de a senha para o início das hostilidades ter sido uma canção festivaleira, «E Depois do Adeus». A PIDE dormia, o regime ressonava, o reviralho tinha-se deitado tarde entre cervejas e policopiados de propaganda, mas a imprensa estrangeira já estava nas ruas de Lisboa testemunhando para o Mundo a mais pacífica das revoluções, chamada dos Cravos. Muitos dos fotojornalistas, a maioria franceses, que hoje trabalham em agências tão prestigiadas como a Magnum, a Sygma ou a Gamma e que são publicados nas mais destacadas revistas e jornais internacionais, estavam em Portugal no 25 de Abril, iniciando carreiras fulgurantes. O tempo de «quando o povo mais Ordenava»,como se uma bebedeira de liberdade tivesse transformado uma terra de fado numa nave De loucos, foi documentado por Salgado, Le Querrec, Gilles Peress ou Jean Gaumy. Eram muito jovens, ansiavam registar guerras e confusão, depararam com uma grande aventura jornalística a duas horas de casa. Um desses enviados foi Henri Bureau, co-fundador da agência Sygma, cujas fotos publicamos.
Henri Bureau ganhou um prémio World Press Photo com a fotografia de um pide cercado no Largo do Carmo. Por ironia, o homem de gabardina era tão-só um cromo de Setúbal que gostava de se fazer passar por agente da alta autoridade bufa. Michel Puech, fotojornalista, então com 26 anos e a trabalhar para odiário francês «Libération», comenta esta semana na Internet a sua experiência no 25 de Abril e refere, com especial amargura, o facto de ter estado ao lado de Henri Bureau e nem ter visto esta cena. Diz andar há 20 anos a lamentar-se por tal falhanço!

Rossio, em Lisboa. Uma multidão em fúria ataca um suspeito de pertencer à PIDE/DGS.
 Foto copiada do Expresso

O movimento dos capitães foi noticiado em França, na primeira hora, como um golpe militar, o que induziu muitas jornalistas a pensar em tratar-se de mais uma pinochetada, agora na Europa. Henri Bureau foi dos fotojornalistas mais marcantes dos anos 70 e Portugal foi um dos seus feitos.«Não dou tréguas em trabalho, mas em Portugal beijei um colega da Gamma por termos sido os únicos a fotografar a tempo a revolução».
Praça do Rossio, em Lisboa. Uma multidão em fúria ataca um suspeito de pertencer à PIDE/DGS. Os soldados tentam protegê-lo. O homem é arrastado até aos Restauradores, sempre injuriado. Henri Bureau segue de perto a aventura do refém da justiça popular. Ao lado de Bureau, um outro fotógrafo da Magnum, Gilles Peress, acabaria também por fotografar a cena. A «caça ao pide» era um dos passatempos preferidos daqueles dias de brasa. Muitas vezes, no meio de uma multidão concentrada em qualquer esquina para discutir acaloradamente um ponto revolucionário, ouvia-se: «Pide! O gajo é da pide!», e logo todos gritavam, avançando para o suspeito:«Morte à PIDE, o povo vencerá!» Seguia-se uma forte malha na vítima, com os soldados a tentarem acalmar os ânimos e os punhos. Cometeram-se injustiças e humilhações, e muitos verdadeiros pides acabaram por se safar pelas traseiras do exaltado povo. Menos os que foram apanhados com as calças na mão...

Soldados tomando posições nas ruas de Lisboa, dois dias depois do 25 de Abril.
 Foto copiada do Expresso

De Santarém a Lisboa, o caminho era longo para os blindados do capitão Salgueiro Maia. Só havia auto-estrada a partir do Carregado, as máquinas aqueciam, pouco habituadas a aventuras revolucionárias. Os soldados, acordados a meio da noite, viajaram meio estremunhados. A hora de ponta na altura, em Lisboa, era bem mais tranquila do que hoje. Ainda havia carroças a chegar com hortaliças à Praça da Ribeira, mesmo ao lado do cenário onde se desenrolou o encontro do oficial fiel ao regime caduco com o herói Maia. O semáforo caiu para vermelho no Marquês de Pombal e o soldado que conduzia o blindado da frente travou a fundo. O resto da coluna parou para deixar passar a tranquilidade cinzenta que ainda atravessava o país. A revolução começou por respeitar a prioridade e acabou por virar nos mais diversos sentidos, conforme os interesses, a força dos grupos, a vontade popular também. A calma do soldado que lê o jornal no Chaimite ou a alegria dos lisboetas, vestidos de calças largueironas e mini-saias atrevidas e gritando à democracia, são grandes momentos de glória.

 Soldado lendo o jornal dentro de uma Chaimite e populares 
no Marquês de Pombal, três dias depois do 25 de Abril.
Fotos copiadas do Expresso

Depois dos heróis, os protagonistas. Cunhal chega ao aeroporto da Portela e salta para um Chaimite, aclamado por camaradas e curiosos. Deverá ter sido dos poucos abraços que deu a Mário Soares, chegado na véspera a Lisboa, no comboio de Paris. Ao volante do Renault 16, que agora repousa na casa-museu de Cortes, João Soares conduz o pai Mário que salta da janela do carro, acenando aos populares. Os primeiros dias de festa estavam a chegar ao fim. Passado o mar de fé e gente que foi o 1º de Maio, tudo mudou. Os carros de Maia, e os seus homens, voltaram à caserna. Outros militares vieram para a ribalta fazendo de heróis. Cunhal e Soares viraram-se de costas. Foram meses de novas lutas até à implantação de uma democracia à europeia. Portugal voltou a ficar no seu canto, só, enquanto testemunhas como Henri Bureau partiam, levando fotografias que continuam a ser únicas.

Fotografias de Henri Bureau/Sygma/Corbis
Texto de Luiz Carvalho
24 Abril 2004
Expresso

«Cunhal chega ao aeroporto da Portela e salta para um Chaimite, aclamado por camaradas e curiosos.»
 Foto copiada do Expresso

 «João Soares conduz o pai Mário que salta da janela do carro, acenando aos populares.»
 Foto copiada do Expresso