Costumes by Edith Head
Texto de Vítor Pavão dos Santos
Jornal
Se7e 4-11-81
Coisas boas em jornais
«Costumes by Edith
Head» é uma das frases de maior prestigio na história de Hollywood. De facto, a
grande figurinista, soube aliar a mais elevada qualidade ao maior profissionalismo,
com uma versatilidade e um talento difíceis de igualar. Responsável por mais de
500 filmes, desenhou todos os géneros, de ternurentos melodramas a violentos westerns,
de movimentadas comédias a apavorantes filmes de terror, de musicais alegres e
dramas sombrios, de esplendores bíblicos a sórdidos policiais.
Edith Head (1898-1981). 1955. Hollywood. Allan Grant.
As suas qualidades de trabalho eram lendárias. Entre 1937 e 1942, nunca desenhou menos de 35 filmes por ano. Com rara flexibilidade e profunda compreensão dos temas tratados, demonstrou amplamente como um vestido pode caracterizar uma personagem sem se tornar demasiado notado, mas antes se integrando no conjunto e contribuindo para a criação da atmosfera requerida para cada filme. Sempre
simpática, era tão popular entre as stars,
que procurava se sentissem bem dentro dos vestidos que lhes desenhava,
como entre as equipas técnicas, com as quais colaborava estreitamente. No
entanto, Edith Head era uma mulher de temperamento forte. Por exemplo, decidiu que
o ano do seu nascimento era 1907 e embora toda a gente soubesse que era muito mais
velha, nunca se lhe descobriu a idade exacta. Nem agora quando morreu, o segredo
foi revelado. Até a conservatória de Los Angeles, onde foi registada, ardeu há muitos
anos. E não faltaram línguas maldosas que falassem de fogo posto...
Sabe-se
que teve uma boa educação, tirou um curso universitário e casou, com brevidade,
com um tal mr. Head, do qual guardou o nome. Em 1923, era professora de
Espanhol e estudava arte, à noite, quando respondeu a um anúncio que pedia
desenhadores para a Paramount. Como pagavam bem, embora quase não soubesse
desenhar não se atrapalhou, pediu alguns desenhos emprestados a uma colega e
mediante este expediente apresentou-se a Howard Greer, que era então quem
vestia as stars do estúdio, e logo a
admitiu. E não se arrependeu, pois ela revelou-se uma grande trabalhadora, com
raro talento para aprender os segredos da profissão.
Por
isso, em 1927, quando Greer deixou o estúdio, Edith Head estava já tão
integrada que foi elevada à categoria de chief
designer e primeira assistente do grande Travis Banton, mundialmente famoso
pela fantasia delirante, mas de gosto impecável, com que vestia Marlene
Dietrich nos filmes de Joseph von Sternberg. Ofuscada
pelos triunfos de Travis Banton, a jovem Edith Head desenhava montes de filmes
série B, que não davam nas vistas mas lhe iam fornecendo uma enorme experiência.
Desenhos de Edith Head para Dorothy Lamour no filme Road to Bali (1952).
Encontrados em thesilverscreenaffair.blogspot.pt e bid.profilesinhistory.com
Um
sucesso chamado «Sarong»
Acontecia
que Banton bebia que se fartava, estava dias e dias sem aparecer no estúdio, era
malcriado para toda a gente, só fazia o que lhe apetecia. Como tudo isto começasse
a pesar mais que o seu enorme talento, a Paramount, em 1937, não lhe renovou o
contrato, oferecendo então o lugar de head
designer a Edith Head, que se iria manter à frente do departamento até
1967. Ser
sucessora de alguém tão famoso como Travis Banton, não era coisa nada fácil. Os
problemas começaram logo com Claudette Colbert, então a maior star
do estúdio, que detestou os vestidos que Edith Head lhe desenhou para Zaza (1938) e se recusou a voltar a ser vestida
por ela, embora sem razão, pois eram lindos. Melhor andaram as coisas com Mae
West, que sabia exactamente aquilo que queria vestir e se deu tão bem com Edith
Head que sempre a chamou para os seus filmes. Ainda em 1970, quando fez o seu
célebre comeback em Myra Breckinridge (filme inédito em Portugal), declarou: «Edith
Head é a única desenhadora capaz de vestir Mae West como Mae West». E era!
Estávamos
em plenos anos 30, na época em que, na Metro-Goldwyn-Mayer, o famosíssimo
Adrian dispunha de rios de dinheiro para deslumbrar o mundo com a flamboyance dos vestidos que desenhava para Greta Garbo, Joan
Crawford e Norma Shearer. No entanto, apesar de tal concorrência, Edith Head,
num estúdio com muito trabalho e poucos meios, não tardou a impor o seu estilo
e a sua aparente simplicidade, conseguindo que os vestidos que desenhava fossem
os mais copiados pelas mulheres americanas. E isto era o maior sucesso, pois
significava que sabia tornar próximas do público as personagens que vestia.
Modelos usando vestidos desenhados por Edith Head. 1941. Peter Stackpole.
Fotos de LIFE Archive
Um
dia, lá por 1936, enrolou com tal arte um pano estampado à volta de uma rapariga
sorridente e lânguida, chamada Dorothy Lamour, que o sarong se tornou uma moda que
durou muitos anos e todos os estúdios copiaram. Mas o boom tremendo de Edith Head chegou em 1941, quando
vestiu Barbara Stanwick com uma série de vestidos de cintura alta e influência
espanhola, em The Lady Eve (As três noites de Eva). Antecipando-se às modas, como
frequentemente iria acontecer, ela dava o sinal de partida para a loucura do south
american way, que dominaria nos States durante a guerra. Mas, para além
disso, criava possibilidades insuspeitadas a uma grande star, que ninguém até então tinha sabido como vestir
para a transformar numa mulher sofisticada. Ficaram
grandes amigas e a magnífica Barbara Stanwyck nunca mais a dispensou, levando-a
atrás de si, durante sete anos, para os vários estúdios em que ia trabalhando,
embora a Paramount não gostasse nada de emprestar a sua preciosa costume designer.
Por
esse tempo, tinha o estúdio descoberto uma rapariguinha, de aparência adolescente
mas cheia de potencialidades. O departamento de penteados deu-lhe uma madeixa
sobre o olho, que o mundo inteiro iria copiar. Quanto ao resto, transformar a
miúda miope na provocante Veronica Lake, foi obra de Edith Head. E acertou em
cheio, como acertou depois com Betty Hutton ou com Paulette Goddard.
Desenho de Edith Head para Hedy Lamarr em Sansão e Dalila e a própria no filme (1949).
Fotos de flapperdays.blogspot.pt
O
vestido certo na cena certa
Por
meados dos anos 40, todas as stars
disputavam Edith Head, pois sabiam que ela as valorizava ao máximo, sem
as afogar num exagerado «decorativismo». Olivia
de Havilland atribui-lhe uma boa parte da responsabilidade do seu êxito nos
dois filmes em que ganhou o Oscar
para a melhor actriz do ano: To Each His Own (Lágrimas de mãe,
1946), onde atravessava várias épocas e várias
idades; The Heiress (A Herdeira, 1949), onde os seus vestidos 1850 tinham
rigor histórico, mas eram «compreensíveis» para o público actual. É a actriz quem
afirma: «Cada um dos vestidos desenhados por Edith Head eram sempre perfeitos.
Bastava-me vesti-los para me transformar na mulher que tinha de interpretar.»
De facto, nada desenhado por Edith Head era gratuito, tudo se conjugava para
acentuar um determinado momento de um determinado filme. E, no entanto, o seu
estilo simples, directo, «jornalístico», beneficiava pouco da súbita riqueza
que a II Grande Guerra trouxera à Paramount.
É que quando havia superproduções, pensavam sempre para as desenhar em alguém
mais ligado a coisas espectaculares. Pois se até Cecil B. De Mille, o produtor supremo,
trabalhava sempre, dentro da Paramount, com a sua equipa própria. Era um bocado
de mais e Edith Head reagiu com violência, e fez muito bem. Por isso, quando De
Mille realizou uma das suas obras mais belas e arrebatadas, Samson and Delilah
(Sansão e Dalila, 1949), foi ela, integrando-se admiravelmente na grande tradição
demilleana, quem inventou aquela inesquecível teoria de caudas, sedas roçagantes,
cascatas, para já não falar das penas de pavão, que envolvem Hedy Lamarr. Raramente
se terá conseguido algo de mais espectacular. Quem é que dizia que a Head só
fazia coisas sóbrias?
Pormenor do vestido de Edith Head para Hedy Lamarr em Sansão e Dalila.
Foto de flapperdays.blogspot.pt
Entretanto,
em 1947, em Paris, num golpe mágico que deixou de boca aberta o mundo incrédulo,
Christian Dior mudou por completo a silhueta feminina, instaurando o new
look. Sempre com medo de que os vestidos
dos filmes passassem muito rápido de moda, Hollywood. tentava ignorar essa
nova moda. Foi Edith Head quem se atreveu a trabalhar a nova silhueta,
equilibrando-a em termos de cinema. E
Bette Davis foi a primeira star a exibir
o new look, em June Bride
(Noiva da Primavera, 1948). E ficou tão chic
que nunca mais dispensou Edith Head,
impondo-a quando foi à Fox fazer All About Eve (Eva, 1950), embora todo o
resto do elenco fosse vestido pelo famoso
Charles LeMaire. Na verdade, Bette Davis aparecia perfeita, muito elegante e apenas
com uns toques de extravagância, ao interpretar, nesse filme, a temperamental actriz teatral Margo Channing. Mas melhor para
Edith foi vestir uma star como uma star, ou seja, Gloria Swanson como Norma
Desmond, rainha do cinema mudo, vivendo a esperança
de um regresso impossível, em Sunset
Boulevard (O Crepúsculo dos Deuses, 1950). A personagem podia prestar-se aos maiores exageros, mas a figurinista soube, com imensa subtileza, manter-lhe a humanidade, dando-lhe apenas os necessários
elementos de exotismo e glamour que distinguem uma superstar de um ser humano. Um triunfo absoluto.
Desenho de Edith Head para Grace Kelly no filme Ladrão de Casaca (1955) e Grace Kelly.
Fotos de sheris-musings.tumblr.com
A favorita de Hitchcock
Outra
actriz que não dispensava Edith Head era Ingrid Bergman, que a exigiu em Notorious
(Difamação, 1946), onde exibia um vestido de veludo negro com um decote de
cortar o fôlego. Mas mais importante que a dita dècolletage foi o facto de, nesse
filme, Edith encontrar Alfred Hitchcock, que viu nela a colaboradora ideal, inteligente
e sóbria, capaz de fazer vibrar uma sensação no momento exacto. Fizeram nove
filmes juntos, dois deles com Grace Kelly, cujo tipo distante e um tanto misterioso,
mas também, desenvolto, a figurinista ajudou a modelar com grande sabedoria,
ajudando a torná-la a mulher famosa que ainda é hoje. Edith
Head considerava mesmo como seu trabalho preferido To Catch a Thief (Ladrão de Casaca, 1955). E contava: «Hitch
disse-me: Não quero, de maneira nenhuma, cores fortes. Por isso, usei em todo o
filme os mais pálidos tons de pastel. Depois, quando ela (Grace Kelly) aparece
com o vestido dourado, o climax torna-se assim muito mais eficaz.» Nos anos 50,
com a decadência dos estúdios e o enorme decréscimo dos filmes produzidos,
Edith Head passou a ter mais tempo para estudar os seus trabalhos. Foi a sua
época mais marcante. Até lhe deram oportunidade para desenhar uma passagem de
modelos, cheia de cor e imaginação, em Lucy
Gallant (Orgulho contra orgulho, 1955); onde uma das suas estrelas preferidas,
Jane Wyman, interpretava uma desenhadora de modas. E nunca a primeira Mrs.
Ronald Reagan apareceu tão fascinante e sofisticada.
Desenhos de Edith Head para Audrey Hepburn nos filmes Férias em Roma (1953) e Sabrina (1954).
Fotos de sheris-musings.tumblr.com
Em
1953, a Paramount descobriu uma miúda cheia de espontaneidade, muito esguia e
ossuda. Vesti-la foi um dos triunfos de Edith Head, pois em vez de lhe camuflar
o seu corpo nada convencional, decidiu acentuá-lo e mostrá-lo tal qual. E assim
nasceu, com Audrey Hepburn vestida por Edith Head, em filmes como Roman Holiday (Férias em Roma, 1953) e Sabrina
(1954), um novo tipo de mulher, uma nova beleza. Por isso, embora Audrey
Hepburn talvez fique na história da fashion como a musa inspiradora de Hubert de Givenchy, é bom não esquecer que
quem lhe compreendeu o charme e o evidenciou
foi Edith Head. Outra star que causou sensação na América, e beneficiou
do «tratamento» de Edith Head, foi Sophia Loren, que ela vestiu muitas vezes, mas
cuja personalidade definiu admiravelmente em That Kind of Woman (Uma certa
mulher, 1959). Embora trabalhando durante décadas com orçamentos reduzidos, foi
ironicamente quando lhe deram possibilidades de desenhar vestidos aos montes
para Shirley MacLaine, sem limite de verbas, em What a Way To Go (Ela e os
seus maridos, 1963), que Edith Head realizou um dos seus trabalhos mais óbvios
e falhos de estilo, embora aparentemente espectacular.
Edith Head e os seus Oscars.
Foto de sheris-musings.tumblr.com
Uma
cabazada de «oscars»
Em
1966, quando a Paramount foi absorvida pela multinacional Gulf+Western, todos
lamentaram que Edith Head fosse obrigada a abandonar o seu estúdio de tantos
anos. Mas ei-la que aparece, triunfante, com um contrato para head
designer dos Universal Studios, onde continuaria, desenhando sempre, até
morrer, embora parando para fazer conferências, dar aulas nas universidades, e
escrever dois livros de memórias: The dress doctor e How to dress for sucess. Numa
época em que os verdadeiros profissionais de Hollywood quase tinham já desaparecido, Edith Head fez valer a sua tremenda experiência, sobretudo na difícil
arte de desenhar fatos de homem. E com
tal brilho que, inesperadamente, em 1973, com The Sting (A Golpada),
o modo impecável como vestiu, à moda
dos anos 30, Paul Newman, Robert Redford
e Robert Shaw, caracterizando com exactidão cada uma das personagens, lhe valeu
o seu oitavo Oscar.
Desde
que, em 1948, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood resolveu instituir um Oscar para o melhor costume designer, Edith Head foi distinguida
nos seguintes anos: 1949: The Heiress (A Herdeira); 1950: All About Eve (Eva) e Samson
and Delilah (Sansão e Dalila), nas
duas modalidades, respectivamente preto e branco e a cores; 1951: A Place in The Sun (Um
lugar ao sol); 1953: Roman Holiday (Férias em Roma); 1954: Sabrina; 1960: The Facts of Life (Coisas da vida); 1973: The Sting (A golpada). Uma cabazada de Oscars como mais ninguém tem.
Desenhos de Edith Head para Bette Davis e Natalie Wood nos
filmes All About Eve (1950) e (1953) e Inside Daisy Clover (1965).
Fotos de sheris-musings.tumblr.com
O
mais curioso é que Edith Head, sempre inultrapassável ao vestir as stars, pouco acertava consigo própria. Quando se
arranjava para festas, toda decotada e cheia de jóias, com a sua eterna franja
e óculos escuros, arrancava boas gargalhadas das sofisticadas que lhe deviam a
sua elegância. Chegou mesmo a aparecer nas listas das mulheres mais mal
vestidas. Mas ela pouco se ralava. Ligada, desde 1933, ao art director Wiard (Bill) Ilheu, com quem casou em 1940,
levava uma vida privada pacata e muito confortável, longe da multidão. Gostava
de viajar e, em 1952, passou por Lisboa, dando uma saborosa entrevista a «O Mundo
Ilustrado», declarando-se encantada com o Museu Nacional dos Coches, dizendo que
Carmen Miranda lhe ensinara a dizer «obrigada» para se desembaraçar em Lisboa, revelando
ser Balenciaga o seu costureiro preferido (pois quem havia de ser?). E a entrevistadora
rematava: «E para terminar, encarregou-nos de dizer às mulheres portuguesas que
as achou bonitas e muito bem vestidas.»
Ora
digam lá se Edith Head, além de uma grande figurinista, não era mesmo uma
simpatia de pessoa?
Texto de Vítor Pavão dos Santos
Texto
e Titulos em
Jornal
Se7e
4-11-81
Edith Head preparando o vestido para Grace Kelly no
filme Ladrão de Casaca. 1955. Hollywood. Allan Grant.
Foto LIFE Archive
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