quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Requiem Para Pier Paolo Pasolini


de Eugénio de Andrade



Eu pouco sei de ti mas este crime
Pier Paolo Pasolini. 1968.
torna a morte ainda mais insuportável.
Era novembro, devia fazer frio, mas tu
já nem o ar sentias, o próprio sexo
que sempre fora fonte agora apunhalado.
Um poeta, mesmo solar como tu, na terra
é pouca coisa: uma navalha, o rumor
de abril podem matá-lo – amanhece,
os primeiros autocarros já passaram,
as fábricas abrem os portões, os jornais
anunciam greves, repressão, dois mortos na primeira
página, o sangue apodrece ou brilhará
ao sol, se o sol vier, no meio das ervas.
O assassino, esse seguirá dia após dia
a insultar o amargo coração da vida;
no tribunal insinuará que respondera apenas
a uma agressão (moral) com outra agressão,
como se alguém ignorasse, excepto claro
os meretíssimos juízes, que as putas desta espécie
confundem moral com o próprio cu.
O roubo chega e sobra excelentíssimos senhores
como móbil de um crime que os fascistas,
e não só de Salò, não se importariam de assinar.
Seja qual for a razão, e muitas há
que o Capital a Igreja e a Polícia
de mãos dadas estão sempre prontos a justificar,
Píer Paolo Pasolini está morto.
A farsa, a nojenta farsa, essa continua.


Requiem Para Pier Paolo Pasolini, de Eugénio de Andrade, in Pretextos para Dizer, 
1978, Voz de Mário Viegas. Carregado no Youtube por pfv67 em 08/11/2009 


(foto LIFE Archive)





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