Tinha 18 anos quando isto aconteceu. Foi numa sexta-feira e creio que por volta das 23/24h, talvez, até mais tarde, porque o Clube, já devia ter fechado. Muitas vezes no verão, costumávamos ficar à conversa no largo do Bairro da Quinta da Calçada, até às tantas, porque no outro dia não íamos trabalhar e uma vez, ouvimos um barulho, primeiro ao longe e depois aproximando-se. Ouvimos uns "cascos" como os dos cavalos e até pensamos que fosse um cavalo fugido do Hipódromo. Depois, foi tudo muito rápido, vindo da rua do campo da bola, por detrás da minha casa, aparece-nos uma vaca enorme a toda a velocidade. Parou uns segundos, olhou para o largo e creio que para nós e desatou a correr passando por trás da escola primária, e indo pela rua da árvores acima. A memória que ficou, foi de uns olhos enormes, de terror?, o tamanho enorme da vaca e uma cor esbranquiçada. Nós ficamos espantados (se calhar de boca aberta) até porque quando a vaca parou, estávamos a uns trinta metros dela, mas logo de seguida começamos a correr atrás da vaca, mas ela corria muito mais que nós. Quando chegamos ao Largo das Fonsecas, já não havia rasto da vaca. Continuamos a conversar por ali a ver se acontecia mais alguma coisa mas só no dia seguinte, soubemos da largada de touros e das "touradas" que houve. Falou-se na altura de muitas mortes, de assaltos, etc. Até que (40 anos depois) encontrei esta reportagem nas minhas buscas a jornais antigos. Leiam que tem graça.
É pena a foto ser péssima mas, à direita dá para ver
o touro a investir contras as pessoas e o carro.
o touro a investir contras as pessoas e o carro.
Foto copiada do Jornal A Capital
LISBOETAS VIRAM BICHO NAS RUAS DA CIDADE - 1972
(excerto)
«Andaram
touros à
solta pela via Pública. A excitação lia-se nos rostos da pequena multidão que, a noite
passada, fugia a sete pés o mais à frente possível dos doze gordos touros que
corriam à desfilada pelo Campo Grande e Avenida
da República. As
forças da ordem sorriam no centro do borborinho. A Câmara Municipal de Lisboa não
só aprovou o acontecimento, como o
promoveu. Era tudo a brincar. É festa. Festas da Cidade. De Lisboa..
O
homem parecia de gesso, tal a cor esbranquiçada, doentia; respirava ainda a custo quando disse, sem
conseguir acertar com a chama do isqueiro
na ponta do cigarro:
—
Um susto como este só me lembro de ter tido quando, há anos, me caiu o candeeiro aos pés da cama... Mas
adiante: ontem à noite, ia eu muito bem a tomar o fresco, na Rua de Entrecampos
(eu moro no Bairro de S. Miguel), quando, chegado a uma esquina, oiço uma vozearia
infernal e uma multidão a correr, vinda do Campo Grande. Naquele segundo pensei
um milhão de coisas! Palavra! Eu comecei também a correr, mas pela Rua de
Entrecampos, claro... Quando cheguei ao pé do novo Viaduto para o caminho de ferro ouvi vozes vindas de cima.
O que havia de me vir à cabeça? Só isto: que era o Apocalipse: Depois serenei, e
reparei que eram pessoas como eu, que estavam encarrapitadas lá em cima. Continuei
a serenar e verifiquei que aquela gente estava
ali para assistir a alguma coisa. Subitamente,
foi como se tivesse visto bicho. E vi! Vi um toiro a correr desenfreadamente
pela Avenida da República! Estava eu muito bem a vê-lo, quando vejo outro a correr mas em direcção
a mim!
Pausa
para respirar
—
Depois, não sei porquê, não me lembro de quase mais nada, até ao momento em que
dei comigo já perto da praça ajardinada do Campo Pequeno. Não sei em quanto
tempo percorri aquele quarteirão!... Mas notei que estava com a respiração ofegante.
Devo, portanto, ter corrido muito! Sempre
acontece cada coisa a um homem! O meu nome não; não interessa o meu nome. Sou
um lisboeta. Isso sou, olá se sou.»
Sábado,
29 de Julho de 1972
A CAPITAL
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