Texto de
Pedro Ferreira Mendes
Revista
ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO
Abril 2008.
Pedro Ferreira Mendes
Revista
ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO
Abril 2008.
Desenho de Cassiano Branco, sem data e sem titulo. Encontrado em www.ufp.pt |
Homem
de personalidade vincada, Cassiano Branco
construiu um percurso à
margem do poder político sem nunca dele se auto-excluir. Modernista por
convicção, veio a enredar-se num barroquismo oficial, fosse por ironia, como
sugerem alguns autores, ou simplesmente por espírito ecléctico.
Cassiano Branco (1897-1970) |
Quando passam 38 anos
sobre a sua morte, Cassiano Viriato Branco tem reservado um lugar na História
como um dos mais importantes arquitectos da década de 30 em Lisboa. Homem de
personalidade vincada e exímio desenhador, construiu um percurso à margem do
poder político. Modernista por convicção, enredou-se, especialmente a partir do
final dos anos 30, num barroquismo oficial, fosse por ironia, como sugerem
alguns autores, ou simplesmente pelo espírito ecléctico que sempre o
caracterizou. Outra imagem possível é a de um dândi amante das artes, fumador
inveterado, de figura imponente e feitio difícil, criador de uma arquitectura
‘cinematográfica’ que fez escola, ao ponto de hoje ser difícil distinguir os
edifícios que foram por ele desenhados dos que são cópias.
Filho de um pequeno
industrial, Cassiano Branco nasceu em Agosto de 1897 na freguesia lisboeta de
São José. Aos 16 anos, depois de reprovar pela segunda vez na cadeira de
Desenho e Figura de Ornato, foi suspenso por indisciplina e acabou por
abandonar a Escola de Belas Artes. Até ingressar no Curso de Arquitectura da
Escola de Belas Artes de Lisboa (EBAL), frequentou o Ensino Técnico-Industrial
e ajudou o pai na gestão de uma fábrica de perfumes.
Desenho da proposta de Cassiano Branco para a Baixa Pombalina em Lisboa, in: Arquitectura portuguesa e cerâmica e Edificação (reunidas), Nº 32, 1937 e Desenho de Cassiano Branco: 1930, Cidade do Cinema Português, Cascais.
Sobre o seu
temperamento, Hestnes Ferreira e Fernando Silva escreveram: “Como todos os
jovens da sua geração, viveu anos férteis em acontecimentos políticos que nele
alicerçaram convicções democráticas de tradição familiar, revelando desde cedo
uma personalidade forte e nada disposta a compromissos.” José-Augusto França
descreveu-o como um “individualista ferrenho”, enquanto Troufa Real, que o
visitou no seu ateliê “de ambiente artesanal”, testemunhou que, quase nunca
recorrendo a colaboradores, “desenhava os seus projectos até ao mais ínfimo
pormenor, de uma forma ritualizada, com lápis wolfe que afiava a canivete e
colocava disciplinadamente sobre o estirador como um exército”.
Arquitecto Cassiano Branco, 1933. Edifício, Rua Nova São Mamede, 17, Lisboa. Arquitecto Cassiano Branco, 1934. Victória Hotel, Avenida da Liberdade, 168/70. Lisboa.
Sobre a sua obra, Ana
Tostões, no livro “Arquitectura Portuguesa do século XX”, considerou-o “talvez
a personalidade mais poderosa e inventiva do modernismo”, enquanto Paulo Tormenta
Pinto, numa monografia recentemente lançada pela Caleidoscópio, observou que “a
sua isenção em relação ao Estado veio a legitimar-se como a mais interessante
face deste arquitecto, que funcionou num limite interpretativo algo instável
entre o Estado e a sociedade em geral”.
A ligação de Cassiano
Branco aos poderes públicos resumiu-se praticamente ao ‘embelezamento’ de obras
de engenharia, como as barragens de Santa Catarina (no Vale do Sado) ou de
Belver. De resto, sobraram algumas tentativas, sempre goradas, de produzir para
o Estado, como demonstra a sua repetida participação (1937 e 1955) no Concurso
para o Monumento ao Infante de Sagres, ou a sua proposta para uma ponte sobre o
rio Tejo, de 1958, que partiria da zona da Lapa. Antes, no período mais fértil
da sua produção, tentou por duas vezes o lugar de professor da cadeira de
Desenho Arquitectónico, Construção e Salubridade das Edificações na Escola
Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL), perdendo o lugar para Cristino da
Silva, em 1933, e para Luís Alexandre Cunha, dois anos depois.
Arquitecto Cassiano Branco - Cine-Teatro Éden, anos 90 e desenho de Cassiano Branco; arranha-céus para a Avenida da Liberdade em Lisboa. Fotos copiados do catálogo da exposição Cassiano Branco, uma obra para o futuro.
Nessa década de 30,
Cassiano Branco tornara-se o arquitecto mais cobiçado por uma classe média
emergente. “Os encargos de Cassiano eram formulados por pessoas de um perfil
específico, ou seja, alguém que queria algo ‘moderno’, de baixo custo e de
enorme efeito, e que suscitasse um desejo sedutor de urbanidade, que era
conseguido pela inteligente consciência da capacidade dos materiais”, como
notou Tormenta Pinto. Um “certo sentimento de ilusão na sociedade” que o afastou
sempre do caminho de outros ilustres arquitectos seus contemporâneos, como
Pardal Monteiro ou Cristino da Silva.
Arquitecto Cassiano Branco - 1933. Moradia, Avenida António José de Almeida, Lisboa e Arquitecto Cassiano Branco - 1933. Rua Xavier Cordeiro, 19/21, Lisboa.
Nesses anos, Cassiano
Branco dedicou-se a criar, em eixos como a Av. António José de Almeida, Av.
Pedro Álvares Cabral, Rua do Arco de São Mamede ou Rua Castilho, uma
arquitectura serial, simples mas com notável efeito plástico, manipulando com
mestria jogos de claros escuros, através de subtracções da forma ou avanços e
recuos dos planos dos alçados. Tornava-se “no arquitecto da Lisboa não monumental,
da Lisboa de todos os dias dos anos 30”, como escreveu Paulo Varela Gomes. Ao
mesmo tempo, empenhava-se em marcar fortemente a cidade com uma imagem de
progresso, desenvolvendo projectos que se tornaram ícones, como o programa de
remodelação do Cinema Éden (que acabou assinado pelo engenheiro Carlos Dias,
mas que estudiosos da obra de Cassiano Branco, como Hestnes Ferreira, não
hesitam em lhe atribuir a autoria), ou o Victória Hotel, considerado uma das
grandes obras da arquitectura portuguesa, pela forma magistral de como utilizou
os valores volumétricos do código modernista. Classificado como Imóvel de
Interesse Público em 1984, ali funciona hoje o centro de trabalho do Partido
Comunista Português.
Já destruídos, o quiosque-esplanada do Café Paladium, de 1933 (uma estrutura em ferro forrada a vidro, de onde se gozava uma vista privilegiada sobre o coração da cidade) e o Café Cristal, de 1940 (com desmesurados espelhos) foram outros signos modernistas de uma Lisboa virada ao ócio, que tinha em Cassiano Branco um dos seus principais instigadores e na Avenida da Liberdade o palco principal.
Arquitecto Cassiano Branco - 1937. Prédio, Avenida Defensores de Chaves, 27, Lisboa. |
Já destruídos, o quiosque-esplanada do Café Paladium, de 1933 (uma estrutura em ferro forrada a vidro, de onde se gozava uma vista privilegiada sobre o coração da cidade) e o Café Cristal, de 1940 (com desmesurados espelhos) foram outros signos modernistas de uma Lisboa virada ao ócio, que tinha em Cassiano Branco um dos seus principais instigadores e na Avenida da Liberdade o palco principal.
Este assumir de uma
vontade expressa de cosmopolitismo, combinado com o seu apurado sentido
cinematográfico, levara-o, em 1930, a gizar um ousado plano para a Costa de
Caparica, que hoje, à distância de 78 anos, sugere uma saudável loucura
hollywoodesca.
Arquitecto Cassiano Branco - 1936. Rua Palmira, 33A/35,
Lisboa e 1948. Avenida Fontes Pereira de Melo, 22. Lisboa.
Lisboa e 1948. Avenida Fontes Pereira de Melo, 22. Lisboa.
Após ter projectado (em
1939) o Coliseu do Porto, cuja autoria ficou envolta em polémica, como no Éden,
o trabalho de Cassiano Branco perdia fulgor. Ainda assim, no meio de projectos
de gosto duvidoso, como o Grande Hotel do Luso, a Junta Nacional da Vinha e do
Vinho ou um arranha-céus para a Avenida da Liberdade (chumbado pela autarquia
lisboeta), viria a assinar outras propostas, também de menor depuração formal
mas de maior interesse arquitectónico, como os blocos de apartamentos para a
Rua Rodrigues Sampaio e Av. António Augusto Aguiar. Nos prédios para a Fontes
Pereira de Melo (com cobertura cónica), Praça de Londres (60 metros de altura,
com chaminé gigantesca e esfera armilar) e Av. de Roma (com uma figura escultórica
no topo), reforçou a ruptura com o modernismo, seguindo uma via mais
tradicionalista e de personificação do imóvel.
Arquitecto Cassiano Branco - 1936. Projecto do Coliseu do Porto. Desenho encontrado em www.educare.pt |
Arquitecto Cassiano Branco - 1945/46. Estudos para o Cinema Império. Lisboa |
Doze
dias detido na PIDE
Como Pedro Vieira de
Almeida e José Manuel Fernandes acentuaram, numa análise à obra de Cassiano na
"História da Arte em Portugal", foi surpreendente a versatilidade do
arquitecto “para desenvolver em simultâneo obras de linguagem moderna e outras
de estilo tradicional português”, de que é exemplo extremo o Portugal dos
Pequenitos em Coimbra (parque temático para crianças recheado de símbolos
patrióticos). Em 1958, por motivações estritamente políticas (sempre criticou
‘à boca aberta’ a pequenez mental da vida nacional), ou também por estar magoado
com o Estado Novo por nunca lhe ver reconhecida a obra (acabara de ‘chumbar’ o
seu projecto para a ponte sobre o rio Tejo), envolveu-se na campanha
presidencial de Humberto Delgado, acabando por estar 12 dias detido nos calabouços
da PIDE.
Até 1965 viria a desenvolver poucos projectos, num tempo que decididamente já não era o seu. Cassiano Branco morreria com dificuldades financeiras (chegou mesmo a ter de alienar a sua biblioteca) a 24 de Abril de 1970, antes de poder assistir à queda do Estado Novo, que nunca o considerou.
Arquitecto Cassiano Branco - Década de 30. Prédio de apartamentos, Rua Rodrigues Sampaio, 17 Lisboa e Arquitecto Cassiano Branco - 1938. Grande Hotel do Luso.
Até 1965 viria a desenvolver poucos projectos, num tempo que decididamente já não era o seu. Cassiano Branco morreria com dificuldades financeiras (chegou mesmo a ter de alienar a sua biblioteca) a 24 de Abril de 1970, antes de poder assistir à queda do Estado Novo, que nunca o considerou.
Tratou a História de o
consagrar como um dos mais respeitados nomes da arquitectura do século XX em
Portugal, apesar de muitos dos seus edifícios continuarem a desaparecer,
desabrigados da mais do que justificada e urgente classificação de Imóvel de
Interesse Público. No ano passado, foi a vez do camartelo se abater sobre uma
das quatro moradias, a n.º 14, que Cassiano Branco desenhou para a Avenida
António José de Almeida, em 1933, perdendo-se para sempre a possibilidade de se
ler, em dezenas de metros, a diversidade conceptual que o arquitecto expressava
e a lógica sequencial da sua linguagem.
CASSIANO
BRANCO: DADOS BIOGRÁFICOS
1897 –
Nasce em Lisboa, no mês de Agosto
1912 –
Inscreve-se na Escola de Belas Artes, ali se cruzando com Pardal Monteiro,
Cristino da Silva, Cottineli Telmo, Carlos Ramos, Jorge Segurado, Paulino
Montez, entre outros
1914 –
Abandona a Escola de Belas Artes, depois de reprovado pela segunda vez na
cadeira de Desenho de Figura, e começa a frequentar o Ensino Técnico-Industrial
1917 –
Casa-se com Maria Elisa Soares Branco
1920 –
Matricula-se no Curso de Arquitectura da Escola de Belas Artes de Lisboa (EBAL)
Arquitecto Cassiano Branco - Coliseu do Porto. Foto sem data encontrada em myout.net |
1925 –
Viaja pela primeira vez à capital francesa, por ocasião da Exposição de Artes
Decorativa de Paris
1926 –
Termina o curso de arquitectura, a que se seguirão dois anos de tirocínio com o
arquitecto José da Purificação Coelho
1928 –
Elabora o seu primeiro projecto como arquitecto, o Stand Rios de Oliveira, na
Avenida da Liberdade, em Lisboa
1929 –
Recebe uma encomenda da Câmara Municipal de Lisboa para ampliação do
Cine-Teatro Éden, em Lisboa, para a qual fará três propostas. O projecto final
será assinado pelo engenheiro Carlos Dias e entregue em 1933 à autarquia
lisboeta
1930 –
Apresenta um Plano de Urbanização da Costa de Caparica, que inclui hotel de
luxo com 1500 quartos, ampla piscina de cimento assente na praia, teatro ao ar
livre para crianças, cinema, casino e campos desportivos
Arquitecto Cassiano Branco - 1937/61. Portugal dos Pequenitos. Coimbra.
Foto do espólio de Cassiano Branco encontrada em www.ufp.pt
|
1933 –
Concorre, com Cristino da Silva, Carlos Ramos e Paulino Montez, entre outros,
ao lugar de professor da cadeira de Desenho Arquitectónico, Construção e
Salubridade das Edificações na EBAL. A candidatura é ganha por Cristino da
Silva.
1938 –
Volta a concorrer a professor da EBAL para leccionar a mesma cadeira, sendo
desta vez excluído a favor de Luís Alexandre da Cunha.
1958 –
Apoia a candidatura do general Humberto Delgado à Presidência da República,
chegando a ser detido pela PIDE 12 dias, entre 4 e 16 de Junho
1970 – Morre a 24 de Abril, em Lisboa, com 72 anos
Texto de Pedro Ferreira Mendes
Revista ARQUITECTURA & CONSTRUÇÃO
Abril 2008,
Fotografia Fernando
Guerra
Produção fotográfica
Sérgio Guerra
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