Texto de
Maria João MARTINS
Coisas boas em jornais
ALGUNS DOS GRANDES PRODUTORES DO CINEMA AMERICANO
"O sonho americano
existe e concretiza-se. Aos mais descrentes, aponte-se um pequeno grupo de
«Tycoons» — Darryl F. Zanuck, David O. Selznick, Howard Hughes, Irving Thalberg
e Louis B. Mayer. Todos eles encarnaram os protótipos do «American way of success»:
origens pouco brilhantes, percalços financeiros na juventude, muito esforço e,
porque Deus ajuda quem cedo madruga, a vitória final com auréola mítica e reino
à altura."
Os estúdios que dirigiam eram, eles
próprios, sinais exteriores do triunfo americano. Nota-o bem o escritor Joseph
Kessel ao contar: «A Metro Goldwyn Mayer
construiu as suas instalações sobre um campo de petróleo. O que há de mais
eloquente e brutal que este desdém por um líquido que leva as nações ao confronto,
que esta preferência dada à fábrica de imagens em detrimento da oleosa
riqueza?»
O que se dizia da Metro aplica-se com a
mesma felicidade à Warner Brothers, Paramount, Columbia, 20th Century Fox, às
próprias David O. Selznick Productions e aos homens que as ergueram à custa de
sangue, suor e incondicional determinação; equivalentes cinematográficos do que
Henry Ford fez, nos automóveis. Como ele, destacavam-se pela crueza e desdém.
Mas, ao aço e aos hamburgers, preferiam vender sonhos e tornar gratos os
compradores. O seu dinheiro era, por isso, diferente. Não só por ser muito, mas
por ter vindo do céu.
Daryl Zanuck assistindo a um filme, Hollywood, USA. 1937, foto de Peter Stackpole. |
Darryl F. Zanuck
(1902-1979)
"Pelo amor de
Deus não diga sim, até eu terminar de falar."
Daryl F. Zanuck
«Encontramo-lo» em todo o esplendor do poder
em «Guilty By Suspicion» de Irvin Winkler. Como escreve João Bénard da Costa em
«O Musical» (III volume) «parecia
inventado para fazer de tycoon, e nenhum caricaturista teria inventado melhor».
Os grandes charutos que fumava, as beldades que jamais o largavam, o anti-sentimentalismo
eram características suas que vêm assegurar a credibilidade ao sonho americano.
Nascido, como não podia deixar de ser, numa
família pobre do Nebraska, Zanuck chegou ao cinema através dos seus dotes
literários. Começou por publicar «short-stories» em revistas populares, mas não
tardou a escrever para cinema. Trabalhou, então, com Mark Sennett, Harold Lloyd
e, sobretudo, com os irmãos Warner que não lhe regatearam voto de confiança. No
primeiro grande estúdio da sua vida, foi director de produção com poderes
ilimitados. A ele se associam, pois, sucessos ciclópicos: a série Rin Tin Tin,
a revolução do sonoro com «O Cantor de Jazz» «produced by Darryl F. Zanuck» e
os primeiros musicais da casa WB. Em 1933, divergências com os patrões, levaram-no
a trocar a Warner pela aventura. Não parou.
Fundou, em 1934, a «20th Century Fox», onde,
uma vez mais, se tornou no todo poderoso director de produção. Nesse cargo, deu
muito dinheiro a ganhar à Fox. Criou as vedetas de uma casa que as não tinha. Descobriu
os filões Shirley Temple. Alice Faye, e Carmen Miranda versão «hollywoodesca».
Trabalhou com John Ford, Henry King, Fritz Lang, Henry Hathaway, Otto
Preminger, Joseph L. Mankiewicz, Elia Kazan e Howard Hawks. Na década de 50,
uma campanha pouco clara dirigida por Spyros Spoukos levou-o a abandonar o
estúdio que moldara à imagem da sua vontade. Com todos os verdadeiros
«tycoons», voltou ao local do crime para ser o último a rir. Em 1963, quando o
cinema deixara de ser um negócio da China, tornou-se presidente da Fox e riu-se
mesmo. Dois anos depois, aí estava «Música no Coração» a superar recordes de
bilheteira. Morreu em 1979. Para trás, ficou o homem. Para sempre, restou uma
lenda de riqueza, sonho e poder. Bigger than life.
Da direita para a esquerda: Darryl Zanuck, Elia Kazan, Gregory Peck e Moss Hart. Foto sem data encontrada em acertaincinema.com. |
David O.
Selznick (1902-1965)
“O sucesso de uma produção
depende da atenção dada aos detalhes.”
David O. Selznick
As primeiras
palavras de «O Último Magnate» podiam aplicar-se-lhe perfeitamente. O pai David
O. Selznick, sem ter o carismático O. no nome, dedicava-se ao negócio do cinema,
como quem negoceia na indústria do algodão ou do aço. Saiu-se mal. Mas o filho
não aprendeu a lição, antes, se decidiu a vingar a falência paterna. Em 1929,
encontramo-lo na Paramount, onde produz meia dúzia de filmes de sucesso. Em
1931, troca de «major» — como vice-presidente da R K O supervisiona quinze
produções de primeira, com destaque para «What Price, Hollywood?» de George
Cukor e «Bird of Paradise» de King Vidor.
Mas Selznick quer a Lua. Casa com Irene
Mayer e torna-se o menino do sogro (Louis B. Mayer), quando a morte de Irving
Thalberg surpreende a Metro com um vazio no topo. Nos três anos em que ruge com
o leão, David O. Selznick justifica o «O.» (acrescentado) do seu nome. Afirma
dotes de produtor, gestor, argumentista e de esteta contestado, mas, antes de
mais, afirma apetência pelo poder.
Após ter produzido para a Metro filmes como
«Drama em Manhattan», «Anna Kerenina» e «David Copperfield», Selznick
apreendera já o suficiente para fundar a Selznick International. A esta casa se
devem alguns objectos de «glamour» da história do cinema, poucos, mas todos
comparáveis a Rolls-Royces. Entre eles, «O Pequeno Lord Fountleroy», «Nasceu
uma Estrela», «O Prisioneiro de Zenda», «Retrato de Jennie» e «Duelo ao Sol».
Acima deles, o mítico «E Tudo o Vento Levou», por cuja produção se bateu até à
necessidade de calmantes. Fez o impensável. Recorreu ao impossível. Mais do que
um filme começado por Cukor e concluído por Fleming, «E Tudo o Vento Levou»
transformou-se, para o bem e para o mal, na obra-prima do homem que a produziu.
Para o bem porque lhe ergueu o nome acima do esquecimento. Para o mal, que de admirável
fez, após 1939, perdeu com a comparação.
Ainda assim, Selznick não foi tão-só o
inventor de um mito. Foi ainda um hábil estratego e um considerado descobridor de
talentos. Ao seu olhar bem treinado não escaparam figuras desconhecidas do meio
como Vivien Leigth, Alida Valli, Ingrid Bergman e a sua muito amada Jennifer
Jones.
Thank God!
Howard Hughes, durante as filmagens do seu filme, The Outlaw (A Terra dos Homens Perdidos, 1943), Hollywood, USA. 1943, foto de Bob Landry. |
Howard Hughes
(1905-1976)
“Todo o homem tem o seu preço, ou uma pessoa como eu não
poderia existir.”
Howard Hughes
Era o «tycoon»
por excelência. Sobrinho do cineasta e escritor Rupert Hughes, tornou -se um
dos homens mais ricos da América quando, aos dezoito anos, herdou a Hughes Tool
Company, empresa exploradora da maior parte do petróleo texano. Mas Hughes não
se entretinha com o som do dinheiro a crescer. Preferia ouvi-lo nos aviões que
amava superiormente e também nos filmes.
O cinema deve-lhe, entre outros favores, a
promoção de duas rainhas. Com poder extensivo a todos os meios publicitários, tornou
Jean Harlow na «loura platinada» e Jane Russel no «busto». Produziu «The Front
Page», de Lewis Milestone, «Scarface» e «The Big Sky», ambos de Hawks, «Jet
Pilot» e «Macao», de Sternberg. Na realização, esteve no filme que consagrou
Harlow («Hell's Angels») e no filme que a censura não queria: «The Outlaw», com
o corpo de Jane Russell muito mais à solta do que se usava na época.
Hughes acabou os seus dias à maneira das
lendas: livre, responsável apenas pelas suas extravagâncias, fugindo das doenças
e dos homens das Finanças.
Rodagem de La Boheme de King Vidor (A Boémia, 1926), da esquerda para a direita: Hendrik Sartov, King Vidor, Irving Thalberg, e Lillian Gish, 1925. Foto encontrada em www.altfg.com. \ Os irmãos Marx com Irving Thalberg. Foto sem data encontrada em mythicalmonkey.blogspot.
Irving Thalberg (1899-1936)
“A história nunca parece tão boa
como quando outro a compra.”
Irving Thalberg
Um dos maiores
romancistas da América (Scott Fitzgerald) consagrou-lhe as suas últimas páginas
e forças. Se mais não houvesse, o simples facto do escritor dos belos e
malditos se ter fascinado por ele, bastaria para alimentar a lenda. Mas há. E,
como tal, Irving Thalberg foi uma daquelas personagens que vivem fugazmente
para, ao desaparecerem, nos brindarem com um manto de luz.
Para um homem com poder comparável (ou mesmo
ligeiramente superior) ao de um Darryl F. Zanuck, ou ao de um Louis B. Mayer,
Thalberg assumia um comportamento inesperado. Em público, era tímido e delicado.
Em privado, apreciava romances de vanguarda. A propósito do «paradoxo», Jim
Tully escreveu: «O mais surpreendente
nele era o seu ar delicado e sonhador; a sua quase pacata personalidade. Para
um rapaz franzino, ele tinha uma espantosa energia — uma enorme vitalidade.»
Irving Thalberg chegou à Universal com
dezanove anos, onde imediatamente deu um ar da sua graça. A fundação da Metro
levá-lo-á, no entanto, a mudar de casa e a assumir o papel que será, afinal, o
da sua vida.
A frente do mais carismático estúdio de
Hollywood, ele tomará decisões definitivas na História do Cinema. Entre elas, a
grande oportunidade americana oferecida a uma sueca bonita, chamada Greta.
Em vida,
rodeava-o a auréola de sussurros própria dos eleitos. Joseph Kessel, no seu
livro «Hollywood, Ville Mirage» conta como era uma sessão a que assistisse o
«tycoon»: «Gostei de um velhote doente
que tinha a minúscula cantina fornecida, sobretudo, por maços de cigarros e
pastilhas elásticas e que sorria todo o dia ao som do rádio. Quando falava de
Charles Boyer, ele dizia o Charles, de Sylvia Sydney, Sylvia, do patrão,
Walter.
Ora, uma
noite ao deter-me no seu estabelecimento, acercou-se de mim e confiou-me
comovido:
— Sabe,
estão prestes a exibir «Mayerling»...
— E então,
não é um acontecimento?
— Sim, mas
desta vez, — disse o velhote que, até então, não me parecera capaz de
distinções sociais — o senhor Thalberg vai ver o filme.
E, mesmo na
sala da projecção, ouvi murmúrios: «O Senhor Thalberg está cá... O Senhor
Thalberg gostou muito... O Senhor Thalberg... O Senhor Thalberg...»
Chamavam-lhe muito a sério, o Napoleão do
cinema, mesmo que o seu nome jamais tivesse aparecido num único genérico.
Credita-se-lhe geralmente uma intuição quase visionária do que o público iria
gostar e, para completar, o mito, um grande amor pela estrela Norma Shearer.
Casados em 1927, ela transformou-se — por insistência dele — na primeira figura
do «silver screen», até ao dia em que ficou viúva. Na praça despe quem o alheio
veste e Hollywood fez Norma despir o que, nela, eram méritos do cônjuge.
Um erro monumental na história deste
«tycoon» de expressão triste: quando Louis B. Mayer considerou a adaptação de «E
Tudo o Vento Levou», Thalberg saiu-se com o famoso: «Forget it, Louis. No one
Civil War picture ever made a nickel». Mentira!
Louis B. Mayer, com as suas "máquinas" de fazer dinheiro; Judy Garland e Mickey Rooney. Foto sem data encontrada em www.jgdb.com. |
Louis B. Mayer
(1885-1957)
"Você sabe porque eu sou
esperto? É porque me rodeio de pessoas que sabem mais do que eu."
Louis B. Mayer
Comeu pó para
chegar ao topo. Nasceu em Minsk (URSS) e chamava-se realmente Eliezer Mayer.
Muito jovem ainda, fugiu com a família toda para os Estados Unidos e tratou de concretizar
o seu sonho americano. Em 1907 — data histórica — adquiriu o primeiro cinema.
Cresceu e multiplicou-se. Em breve, a cadeia de sala de cinema de Mayer
estendia-se até ao Canadá, com receitas garantidas pelos filmes de Griffith.
Em 1915 passou-se da exibição para a
produção, numa tal de Alco's Company. Nove anos depois, chega ao posto definitivo:
presidente da MGM, onde, apesar da crise, a sua mesa se mantém como brasão em casa
de nobres.
Sobravam-lhe inimigos. Sem a subtileza nem a
educação esmerada do parceiro, Thalberg, impôs um regime de paternalismo tirânico
nos estúdios. Esse firmamento, em que as estrelas respondiam pelos nomes de
Clark Gable, Spencer Tracy, Jean Harlow, Katherine Hepburn, James Stewart, Judy
Garland ou Greer Garson, era muito dele. Os actores e actrizes sob contrato
eram os seus filhos dilectos ou, quando muito independentes, as suas ovelhas
ranhosas.
O golpe da vida dele foi, evidentemente, a
associação com o genro na distribuição de «E Tudo o Vento Levou». O erro não
chegou a sê-lo porque, na Metro, viviam mais do que «burrinhas de presépio». Quando,
em 1938, Mayer desesperava à falta de vedeta para «O Feiticeiro do Oz», os autores
de musicais, Freed e Harburg, apontaram-lhe a alternativa: Judy Garland. «A minha corcundinha?» — perguntou, surpreso,
o todo poderoso «tycoon». A história do cinema encarregar-se-ia de lhe
responder.
Maria João Martins
Jornal Se7e
25-07-1991
Jornal Se7e
25-07-1991
Mais dois produtores que ficaram de fora do texto: Adolph Zukor e Samuel
Goldwyn no funeral de Cecil B. DeMille. Hollywood, 1959, Allan Grant.
Goldwyn no funeral de Cecil B. DeMille. Hollywood, 1959, Allan Grant.
(Fotos da LIFE Archive, excepto as assinaladas)
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