Outras Loiças

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Dinheiro do céu


Texto de
Maria João MARTINS


Coisas boas em jornais


Louis B. Mayer, o big boss da MGM; talvez o homem mais poderoso de Hollywood no seu apogeu. Nesta foto, está rodeado por 65 estrelas de cinema da MGM e estátuas do Oscar (organizadas de acordo com o lucro de bilheteria), para comemorar o 20º aniversário da MGM. Hollywood, 1943, Walter Sanders.

Alguns dos grandes produtores pioneiros do cinema americano, (não referidos no texto) celebrando a criação da Famous Players-Lasky em 1916. Da esquerda para a direita: Jesse L. Lasky, Adolph Zukor, Samuel Goldfish (mais tarde Goldwyn), Cecil B. DeMille e Albert Kaufman.


ALGUNS DOS GRANDES PRODUTORES DO CINEMA AMERICANO

"O sonho americano existe e concretiza-se. Aos mais descrentes, aponte-se um pequeno grupo de «Tycoons» — Darryl F. Zanuck, David O. Selznick, Howard Hughes, Irving Thalberg e Louis B. Mayer. Todos eles encarnaram os protótipos do «American way of success»: origens pouco brilhantes, percalços financeiros na juventude, muito esforço e, porque Deus ajuda quem cedo madruga, a vitória final com auréola mítica e reino à altura."


   Os estúdios que dirigiam eram, eles próprios, sinais exteriores do triunfo americano. Nota-o bem o escritor Joseph Kessel ao contar: «A Metro Goldwyn Mayer construiu as suas instalações sobre um campo de petróleo. O que há de mais eloquente e brutal que este desdém por um líquido que leva as nações ao confronto, que esta preferência dada à fábrica de imagens em detrimento da oleosa riqueza?»
   O que se dizia da Metro aplica-se com a mesma felicidade à Warner Brothers, Paramount, Columbia, 20th Century Fox, às próprias David O. Selznick Productions e aos homens que as ergueram à custa de sangue, suor e incondicional determinação; equivalentes cinematográficos do que Henry Ford fez, nos automóveis. Como ele, destacavam-se pela crueza e desdém. Mas, ao aço e aos hamburgers, preferiam vender sonhos e tornar gratos os compradores. O seu dinheiro era, por isso, diferente. Não só por ser muito, mas por ter vindo do céu.


Daryl Zanuck assistindo a um filme, Hollywood, USA. 1937, foto de Peter Stackpole.


Darryl F. Zanuck (1902-1979)

"Pelo amor de Deus não diga sim, até eu terminar de falar."
Daryl F. Zanuck

   «Encontramo-lo» em todo o esplendor do poder em «Guilty By Suspicion» de Irvin Winkler. Como escreve João Bénard da Costa em «O Musical» (III volume) «parecia inventado para fazer de tycoon, e nenhum caricaturista teria inventado melhor». Os grandes charutos que fumava, as beldades que jamais o largavam, o anti-sentimentalismo eram características suas que vêm assegurar a credibilidade ao sonho americano.
   Nascido, como não podia deixar de ser, numa família pobre do Nebraska, Zanuck chegou ao cinema através dos seus dotes literários. Começou por publicar «short-stories» em revistas populares, mas não tardou a escrever para cinema. Trabalhou, então, com Mark Sennett, Harold Lloyd e, sobretudo, com os irmãos Warner que não lhe regatearam voto de confiança. No primeiro grande estúdio da sua vida, foi director de produção com poderes ilimitados. A ele se associam, pois, sucessos ciclópicos: a série Rin Tin Tin, a revolução do sonoro com «O Cantor de Jazz» «produced by Darryl F. Zanuck» e os primeiros musicais da casa WB. Em 1933, divergências com os patrões, levaram-no a trocar a Warner pela aventura. Não parou.
   Fundou, em 1934, a «20th Century Fox», onde, uma vez mais, se tornou no todo poderoso director de produção. Nesse cargo, deu muito dinheiro a ganhar à Fox. Criou as vedetas de uma casa que as não tinha. Descobriu os filões Shirley Temple. Alice Faye, e Carmen Miranda versão «hollywoodesca». Trabalhou com John Ford, Henry King, Fritz Lang, Henry Hathaway, Otto Preminger, Joseph L. Mankiewicz, Elia Kazan e Howard Hawks. Na década de 50, uma campanha pouco clara dirigida por Spyros Spoukos levou-o a abandonar o estúdio que moldara à imagem da sua vontade. Com todos os verdadeiros «tycoons», voltou ao local do crime para ser o último a rir. Em 1963, quando o cinema deixara de ser um negócio da China, tornou-se presidente da Fox e riu-se mesmo. Dois anos depois, aí estava «Música no Coração» a superar recordes de bilheteira. Morreu em 1979. Para trás, ficou o homem. Para sempre, restou uma lenda de riqueza, sonho e poder. Bigger than life.

Da direita para a esquerda: Darryl Zanuck, Elia Kazan, Gregory Peck e Moss Hart.
Foto sem data encontrada em acertaincinema.com.


David O. Selznick (1902-1965)

“O sucesso de uma produção depende da atenção dada aos detalhes.”
David O. Selznick

As primeiras palavras de «O Último Magnate» podiam aplicar-se-lhe perfeitamente. O pai David O. Selznick, sem ter o carismático O. no nome, dedicava-se ao negócio do cinema, como quem negoceia na indústria do algodão ou do aço. Saiu-se mal. Mas o filho não aprendeu a lição, antes, se decidiu a vingar a falência paterna. Em 1929, encontramo-lo na Paramount, onde produz meia dúzia de filmes de sucesso. Em 1931, troca de «major» — como vice-presidente da R K O supervisiona quinze produções de primeira, com destaque para «What Price, Hollywood?» de George Cukor e «Bird of Paradise» de King Vidor.
   Mas Selznick quer a Lua. Casa com Irene Mayer e torna-se o menino do sogro (Louis B. Mayer), quando a morte de Irving Thalberg surpreende a Metro com um vazio no topo. Nos três anos em que ruge com o leão, David O. Selznick justifica o «O.» (acrescentado) do seu nome. Afirma dotes de produtor, gestor, argumentista e de esteta contestado, mas, antes de mais, afirma apetência pelo poder.
   Após ter produzido para a Metro filmes como «Drama em Manhattan», «Anna Kerenina» e «David Copperfield», Selznick apreendera já o suficiente para fundar a Selznick International. A esta casa se devem alguns objectos de «glamour» da história do cinema, poucos, mas todos comparáveis a Rolls-Royces. Entre eles, «O Pequeno Lord Fountleroy», «Nasceu uma Estrela», «O Prisioneiro de Zenda», «Retrato de Jennie» e «Duelo ao Sol». Acima deles, o mítico «E Tudo o Vento Levou», por cuja produção se bateu até à necessidade de calmantes. Fez o impensável. Recorreu ao impossível. Mais do que um filme começado por Cukor e concluído por Fleming, «E Tudo o Vento Levou» transformou-se, para o bem e para o mal, na obra-prima do homem que a produziu. Para o bem porque lhe ergueu o nome acima do esquecimento. Para o mal, que de admirável fez, após 1939, perdeu com a comparação.
   Ainda assim, Selznick não foi tão-só o inventor de um mito. Foi ainda um hábil estratego e um considerado descobridor de talentos. Ao seu olhar bem treinado não escaparam figuras desconhecidas do meio como Vivien Leigth, Alida Valli, Ingrid Bergman e a sua muito amada Jennifer Jones.
Thank God!

Howard Hughes, durante as filmagens do seu filme, The Outlaw (A Terra 
dos Homens Perdidos, 1943), Hollywood, USA. 1943, foto de Bob Landry.


Howard Hughes (1905-1976)

“Todo o homem tem  o seu preço, ou uma pessoa como eu não poderia existir.”
Howard Hughes

Era o «tycoon» por excelência. Sobrinho do cineasta e escritor Rupert Hughes, tornou -se um dos homens mais ricos da América quando, aos dezoito anos, herdou a Hughes Tool Company, empresa exploradora da maior parte do petróleo texano. Mas Hughes não se entretinha com o som do dinheiro a crescer. Preferia ouvi-lo nos aviões que amava superiormente e também nos filmes.
   O cinema deve-lhe, entre outros favores, a promoção de duas rainhas. Com poder extensivo a todos os meios publicitários, tornou Jean Harlow na «loura platinada» e Jane Russel no «busto». Produziu «The Front Page», de Lewis Milestone, «Scarface» e «The Big Sky», ambos de Hawks, «Jet Pilot» e «Macao», de Sternberg. Na realização, esteve no filme que consagrou Harlow («Hell's Angels») e no filme que a censura não queria: «The Outlaw», com o corpo de Jane Russell muito mais à solta do que se usava na época.
   Hughes acabou os seus dias à maneira das lendas: livre, responsável apenas pelas suas extravagâncias, fugindo das doenças e dos homens das Finanças.


 Rodagem de  La Boheme de King Vidor (A Boémia, 1926), da esquerda para a direita: Hendrik Sartov, King Vidor, Irving Thalberg, e Lillian Gish, 1925. Foto encontrada em www.altfg.com. \ Os irmãos Marx com Irving Thalberg. Foto sem data encontrada em mythicalmonkey.blogspot.



Irving Thalberg (1899-1936)

“A história nunca parece tão boa como quando outro a compra.”
Irving Thalberg

Um dos maiores romancistas da América (Scott Fitzgerald) consagrou-lhe as suas últimas páginas e forças. Se mais não houvesse, o simples facto do escritor dos belos e malditos se ter fascinado por ele, bastaria para alimentar a lenda. Mas há. E, como tal, Irving Thalberg foi uma daquelas personagens que vivem fugazmente para, ao desaparecerem, nos brindarem com um manto de luz.
   Para um homem com poder comparável (ou mesmo ligeiramente superior) ao de um Darryl F. Zanuck, ou ao de um Louis B. Mayer, Thalberg assumia um comportamento inesperado. Em público, era tímido e delicado. Em privado, apreciava romances de vanguarda. A propósito do «paradoxo», Jim Tully escreveu: «O mais surpreendente nele era o seu ar delicado e sonhador; a sua quase pacata personalidade. Para um rapaz franzino, ele tinha uma espantosa energia — uma enorme vitalidade.»
   Irving Thalberg chegou à Universal com dezanove anos, onde imediatamente deu um ar da sua graça. A fundação da Metro levá-lo-á, no entanto, a mudar de casa e a assumir o papel que será, afinal, o da sua vida.
   A frente do mais carismático estúdio de Hollywood, ele tomará decisões definitivas na História do Cinema. Entre elas, a grande oportunidade americana oferecida a uma sueca bonita, chamada Greta.
Em vida, rodeava-o a auréola de sussurros própria dos eleitos. Joseph Kessel, no seu livro «Hollywood, Ville Mirage» conta como era uma sessão a que assistisse o «tycoon»: «Gostei de um velhote doente que tinha a minúscula cantina fornecida, sobretudo, por maços de cigarros e pastilhas elásticas e que sorria todo o dia ao som do rádio. Quando falava de Charles Boyer, ele dizia o Charles, de Sylvia Sydney, Sylvia, do patrão, Walter.
   Ora, uma noite ao deter-me no seu estabelecimento, acercou-se de mim e confiou-me comovido:
   — Sabe, estão prestes a exibir «Mayerling»...
   — E então, não é um acontecimento?
   — Sim, mas desta vez, — disse o velhote que, até então, não me parecera capaz de distinções sociais — o senhor Thalberg vai ver o filme.
   E, mesmo na sala da projecção, ouvi murmúrios: «O Senhor Thalberg está cá... O Senhor Thalberg gostou muito... O Senhor Thalberg... O Senhor Thalberg...»
   Chamavam-lhe muito a sério, o Napoleão do cinema, mesmo que o seu nome jamais tivesse aparecido num único genérico. Credita-se-lhe geralmente uma intuição quase visionária do que o público iria gostar e, para completar, o mito, um grande amor pela estrela Norma Shearer. Casados em 1927, ela transformou-se — por insistência dele — na primeira figura do «silver screen», até ao dia em que ficou viúva. Na praça despe quem o alheio veste e Hollywood fez Norma despir o que, nela, eram méritos do cônjuge.
   Um erro monumental na história deste «tycoon» de expressão triste: quando Louis B. Mayer considerou a adaptação de «E Tudo o Vento Levou», Thalberg saiu-se com o famoso: «Forget it, Louis. No one Civil War picture ever made a nickel». Mentira!

Louis B. Mayer, com as suas "máquinas" de fazer dinheiro; Judy Garland e Mickey Rooney.
Foto sem data encontrada em www.jgdb.com.


Louis B. Mayer (1885-1957)

"Você sabe porque eu sou esperto? É porque me rodeio de pessoas que sabem mais do que eu."
Louis B. Mayer

Comeu pó para chegar ao topo. Nasceu em Minsk (URSS) e chamava-se realmente Eliezer Mayer. Muito jovem ainda, fugiu com a família toda para os Estados Unidos e tratou de concretizar o seu sonho americano. Em 1907 — data histórica — adquiriu o primeiro cinema. Cresceu e multiplicou-se. Em breve, a cadeia de sala de cinema de Mayer estendia-se até ao Canadá, com receitas garantidas pelos filmes de Griffith.
   Em 1915 passou-se da exibição para a produção, numa tal de Alco's Company. Nove anos depois, chega ao posto definitivo: presidente da MGM, onde, apesar da crise, a sua mesa se mantém como brasão em casa de nobres.
   Sobravam-lhe inimigos. Sem a subtileza nem a educação esmerada do parceiro, Thalberg, impôs um regime de paternalismo tirânico nos estúdios. Esse firmamento, em que as estrelas respondiam pelos nomes de Clark Gable, Spencer Tracy, Jean Harlow, Katherine Hepburn, James Stewart, Judy Garland ou Greer Garson, era muito dele. Os actores e actrizes sob contrato eram os seus filhos dilectos ou, quando muito independentes, as suas ovelhas ranhosas.
   O golpe da vida dele foi, evidentemente, a associação com o genro na distribuição de «E Tudo o Vento Levou». O erro não chegou a sê-lo porque, na Metro, viviam mais do que «burrinhas de presépio». Quando, em 1938, Mayer desesperava à falta de vedeta para «O Feiticeiro do Oz», os autores de musicais, Freed e Harburg, apontaram-lhe a alternativa: Judy Garland. «A minha corcundinha?» — perguntou, surpreso, o todo poderoso «tycoon». A história do cinema encarregar-se-ia de lhe responder.

Maria João Martins
Jornal Se7e 
25-07-1991


 Mais dois produtores que ficaram de fora do texto: Adolph Zukor e Samuel 
Goldwyn no funeral de Cecil B. DeMille. Hollywood, 1959, Allan Grant. 



(Fotos da LIFE Archive, excepto as assinaladas)




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