Outras Loiças

terça-feira, 24 de abril de 2012

Garcia dos Santos sem papas na lingua


Comemorando o 25 de Abril

aí estão os militares a dizerem o que tem de ser dito


No dia 24 de Abril de 1974, andou a montar as transmissões no Quartel da Pontinha. Esperou pelo fim da tarde, levava consigo os rádios que tinha roubado no depósito do material de transmissões. Garcia dos Santos tinha, na altura, 38 anos – era mais velho que o comum dos capitães do MFA. Depois, foi secretário de Estado, chefe da Casa Militar do Presidente da República (Ramalho Eanes) e o seu último cargo público foi o de presidente da Junta Autónoma das Estradas, no tempo do governo Guterres, onde denunciou uma teia de corrupção. Hoje, acha que não há uma classe política capaz, que vivemos ainda com a pesada herança do passado, quando o “paizinho” (Salazar) “tratava de tudo”. Nenhuma geração ainda “aprendeu” a viver em democracia. “O meu pai não aprendeu, eu não aprendi, eu não sei nada, não vou ensinar nada aos meus filhos”. E “são três gerações” 
(In, Jornal i)

 General Garcia dos Santos: fotos jornal i e jornal de Negócios.

«E como vê a democracia hoje?

Ainda convivemos com a pesada herança do passado. Nós tínhamos antigamente o paizinho que tratava de tudo...

Quem era o paizinho?

Era o Salazar! O antigo regime era o Salazar que tratava de tudo, que concentrava tudo na sua pessoa e na sua elite. E ninguém fazia nada. Isso dá como consequência o quê? Primeiro, não há preparação nenhuma, não há uma classe política capaz. Antigamente, havia os velhinhos da oposição ao regime que de facto eram pessoas intelectualmente e culturalmente capazes. Essa geração desapareceu. E o que é que nós temos hoje? Zero! A minha geração não aprendeu, a geração dos meus pais não aprendeu, eu não sei nada, não vou ensinar aos meus filhos. Isso são três gerações...

Não aprendeu o quê? Não aprendeu a democracia?

Nada! Não aprendi a democracia, não aprendi a gerir nada, não aprendi a consciência política que é das coisas essenciais para um cidadão. Nada disso existe.

Não havia consciência política no anterior regime e continua a não haver?

A pouco e pouco vai-se criando essa consciência política. Por necessidade, alguns vão trazendo lá de fora alguns conhecimentos... Mas até que se tape esse buraco vai demorar um certo tempo. São três gerações, pelo menos. Por isso, os nossos políticos, a nossa classe política são uns garotos, nunca fizeram nada na vida...

Está a falar de Pedro Passos Coelho, António José Seguro?

Todos eles, todos eles! Responda-me só a isto: quem é que vê, no nosso horizonte politico, capaz de deitar a mão a isto e pôr isto a funcionar como deve ser Não há! Eu não vejo Ninguém. Tenho perguntado isto a dezenas de pessoas e ninguém me diz "o salvador da pátria é...". Salvador com as devidas cautelas, não estou a falar em ditaduras, não é essa de forma nenhuma a minha ideia. Agora, uma democracia exige disciplina, rigor, planeamento e nós não temos nada disso!

Mas o actual presidente da republica...

Não me fale desse gajo! Não me fale desse gajo!

Mas houve uma altura em que houve pessoas que acreditaram que ele podia ser esse salvador...

As falhas! As falhas! Ele acabou com as pescas, acabou com o mar, acabou com a agricultura! E agora é o defensor dessas coisas todas. Veja a contradição da pessoa! É licenciado em economia, foi ministro, foi primeiro-ministro. E o que é que ele fez? Destruiu tudo isto! Toda a situação em que estamos hoje nasce com ele. E ele nesta altura em que devia ter uma atitude firme, dar dois murros na mesa, dizer "o país está primeiro que tudo o resto, acabaram as querelas partidárias, vamos pôr o país a funcionar". Que é que ele fez? Zero! Julgo que ninguém tem argumentos para contrapor a isto que eu estou a dizer. O Presidente da Republica é o primeiro responsável por isto tudo e não faz nada para que isto se corrija.

Mas o presidente não tem muitos poderes...

Tem todo os poderes! Tem a bomba atómica, que é a dissolução da Assembleia da Republica, mas não é preciso ir aí. Fui cinco anos chefe da Casa Militar do Presidente da Republica, sei muito bem como era o ambiente naquela casa e como se viviam estas coisas todas. Se fosse preciso dar dois murros em cima da mesa o Eanes dava, E punha o dedo no nariz daquela gente! Este gajo não põe, de certeza absoluta! E ainda por cima é um pateta que tem medo de tudo.

Mas estamos melhor do que há 38 anos...

Claro que sim! Mas vamos pagá-lo muito caro. Nós estamos a viver do dinheiro que vamos buscar lá fora. E depois como é que é? Como é que a gente o vai pagar? O que é a gente está a fazer para preparar o futuro? É que a gente não pode viver só do dinheiro que vai buscar lá fora. Temos que pensar o que vamos fazer, como é que está a nossa economia. Há alguma coisa que esteja a ser preparada no sentido de pôr a nossa economia a funcionar? Zero! Quer outro exemplo? As auto-estradas, as Scuts. Eu tive uma conversa com o engenheiro Cravinho em que ele me disse que ia pôr a funcionar as Scuts. Eu disse: "Ó senhor ministro isso é um tremendíssimo disparate!". A Scut é uma invenção inglesa, ao fim de pouco tempo os ingleses puseram aquilo completamente de parte, por causa do buraco que era previsível. Mas disse-me que o assunto estava exaustivamente estudado sob todos os aspectos, técnico, financeiro. Está à vista o buraco que são as Scuts.

E as PPP?

É a mesma coisa.

Quando saiu da JAE denunciou uma situação generalizada de corrupção. Acha que as PPP também se integram nessa situação? O Tribunal de Contas diz que houve contratos que lesaram o interesse público...

Tem que se admitir a possibilidade de haver ali corrupção, e da forte. Como é que se atribui a uma determinada entidade certos privilégios que não seriam naturais? É porque se calhar há alguém que se locuptou com alguma coisa. Infelizmente, outra coisa que funciona mal no nosso país é a justiça. Nunca chega até ao fim.

Foi colega do eng. João Cravinho no Técnico...

Foi por isso que ele me chamou para ir para a Junta. Sabe o meu feitio e quis que eu limpasse a casa.

Mas o que é que aconteceu? O eng. João Cravinho chama-o para limpar a casa, o senhor limpa, e depois zangam se. O que se passou?

Fomos colegas no Instituto Superior Técnico. Houve um jantar de curso e nesse jantar o Cravinho a certa altura chama-me de parte e diz: "Tens algum tempo livre?". E eu disse: "Tenho, mas porquê?"; "Eu precisava de ti para uma empresa"; "Que empresa?"; "Agora não interessa, a gente daqui a uns tempos fala". Passado uns tempos chamou-me e disse-me: "Eu quero que vás para a Junta Autónoma das Estradas, mas não digas a ninguém que o gajo que lá está [Maranha das Neves] nem sonha". O Cravinho deu-me os 10 mandamentos do que eu precisava de fazer na Junta, limpar a casa, obras que era preciso fazer, etc. Entretanto, comecei a conhecer a casa, dei a volta ao país todo e um dia disse-lhe: "Há aqui uma série de coisas que é preciso fazer e há 11 fulanos que é preciso pôr na rua". Ele retorceu-se, chamou-me daí a dois dias, disse que era muito complicado. O problema é que era através de uma das pessoas que eu queria pôr na rua que passava o dinheiro para o PS

(extracto da entrevista a Garcia dos Santos Por Ana Sá Lopes e Luís Rosa, no Jornal i em 24-04-2012, os sublinhados são meus)




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