"Comércio com o Inimigo"
Coisas boas em Jornais
José Rodrigues Miguéis em 1958.
"A vida não é um privilégio pessoal: é alguma coisa que nos ultrapassa como indivíduos; que pertence à natureza, à história e à sociedade. É dos homens como "todo", no tempo e no espaço, que se faz a verdadeira eternidade. E é só entre eles, na sociedade, na consciência e na acção, que somos e nos sentimos reais ...
José Rodrigues Miguéis
Conto inédito (na altura) de José Rodrigues Miguéis, publicado
no Diário de Lisboa em 24-06-1971. Clique para ler.
no Diário de Lisboa em 24-06-1971. Clique para ler.
“Com grande espanto, vejo logo à cabeça da lista esta coisa inesperada:
Sopa de nabos com feijão branco à portuguesa.
Nabos! Em Boitsfort! E feijão branco à portuguesa! Dei um pulo que fez sorrir a criadinha roliça, loira e flamenga a olho nu, que desenvoltamente se viera postar a meu lado.Como a todos os portugueses, sempre me alvoroçou encontrar lá fora, fosse onde fosse, um reflexo da nossa influência civilizadora. Não há português digno do nome que, passando por Paris, não vá abrir a boca de admiração a uma esquina da Rue de Lisbonne ou do Boulevard Pereyre; que não sinta espicaçá-lo uma ponta de orgulho ao ver, em Bucareste ou Nova Iorque, a tabuleta dum mercador chamado Portugal ou Portugalov, ou achar a cada passo, por esses restaurantes, as clássicas ‘ostras portuguesas’ ou a sopa de tomate a que chamam portugaise, talvez em homenagem à nossa nunca desmentida tesura. Uma cidade chamada Lisbon, no Ohio ou no Maine (ainda há outras), ou mesmo Angola (Indiana ou Nova Iorque), enche-nos o peito de ufania. Uma simples refeição ao madère num romance de Dumas, ou ao porto numa novela russa; a menção duma personagem cosmopolita de apelido Faria ou Paiva, bastam para nos compensar de infindos amargos de boca patrióticos. Vaidades perdoáveis em quem, como Pedro Sem, já teve e agora não tem. (…) Quando a pequena me serviu a sopa, a fumegar numa funda e portuguesíssima tigela de barro vidrado de Estremoz, o meu assombro cresceu: era a legítima, a insofismável sopinha familiar de feijão branco! Ataquei-a com todo o fervor da minha gastronostalgia, e esqueci por completo o ensaio de bordoada que me preparava para aplicar à nossa culinária.”
(José Rodrigues Miguéis, Uma Aventura Inquietante, 9.ª ed.: 12-14).
(In, www.ilcml.com)
(José Rodrigues Miguéis, Uma Aventura Inquietante, 9.ª ed.: 12-14).
(In, www.ilcml.com)
Desenho de José Rodrigues Miguéis, o dos óculos, efetuado
em 1936, ano em que ocorreu a história aqui representada:
- Migués encontrava-se em Nova Iorque há seis meses. Foi procurado pelo funcionário dos Serviços de Imigração, o obeso, que, não obstante conhecê-lo, perguntou-lhe:
– Por acaso sabe se é aqui que trabalha o Miguéis?
- Miguéis não está! – respondeu-lhe o próprio.
- Eu volto daqui a pouco – disse o funcionário saindo do escritório.
Miguéis aproveitou e saiu pela janela. Permaneceu na América até morrer.
(Texto e desenho em lusografias.wordpress.com)
José Rodrigues Miguéis
(Texto: vários a partir da net)
José Rodrigues Miguéis em 1975.
(Fotos do espólio de José Rodrigues Miguéis na Brown University Library, EUA)
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