por
Julio Cortázar
"Às oito da manhã, o padre Duncan, o padre Heriberto e o padre Luis começam a insuflar o templo, isto é, estão na orla de um rio ou numa clareira na selva ou numa aldeia qualquer quanto mais tropical melhor e, com a ajuda da bomba instalada no camião, começam a insuflar o templo enquanto os índios das redondezas os contemplam de longe e um pouco estupefactos porque o templo que a princípio era como uma bexiga esmagada começa a endireitar-se, arredondar-se, esponja-se, no alto aparecem as três janelinhas de plástico colorido que vêm a ser os vitrais do templo, e por fim salta uma cruz no ponto mais alto e já está, plop, hossana, soa a buzina do camião à falta de sino, os índios aproximam-se assombrados e respeitosos e o padre Duncan incita-os a entrar enquanto o padre Luis e o padre Heriberto os empurram para que não mudem de ideias, de maneira que a missa começa assim que o padre Heriberto instala a mesinha do altar e dois ou três adornos com muitas cores que portanto têm de ser extremamente santos, e o padre Duncan canta um cântico que os índios acham extremamente parecido com os balidos das suas cabras quando um puma anda perto, e tudo isto acontece numa atmosfera extremamente mística e uma nuvem de mosquitos atraídos pela novidade do templo, e dura até um indiozinho que se aborrece começar a brincar com a parede do templo, isto é crava-lhe um ferro apenas para ver como é aquilo que se insufla e obtém exactamente o contrário, o templo desinsufla precipitadamente e na confusão todo o mundo se atropela à procura da saída e o templo envolve-os, esmaga-os, abriga-os sem lhes fazer mal algum claro mas criando uma confusão nada propícia à doutrina, principalmente quando os índios têm ampla ocasião de ouvir a chuva de coños e caralhos que os padres Heriberto e Luis distribuem enquanto se debatem debaixo do templo à procura da saída".
In, Julio Cortázar, Papéis Inesperados, Edição Cavalo de Ferro, 2010
In, Julio Cortázar, Papéis Inesperados, Edição Cavalo de Ferro, 2010
Julio Cortázar, Paris 1969. Pierre Boulat.
«Julio Cortázar (1914-1984), escritor e intelectual argentino, é considerado um dos autores mais inovadores e originais do seu tempo. Mestre no conto e na narrativa curta, deixou igualmente romances como "Rayuela", que inauguraram uma nova forma de fazer literatura na América Latina, rompendo com o modelo clássico mediante uma narrativa que escapa à linearidade temporal.»
(Fotos Life Archive)
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