Tinha 13 anos quando isto aconteceu mas só tenho memória de muita chuva e ventos fortes que duraram dois ou três dias e num deles a minha mãe mandou-me fazer um recado ali para o Lumiar, presumo que à farmácia e de que me vi aflito para chegar a casa porque tinha de me dobrar para a frente para conseguir avançar.
Menino em zona de inundação perto de Lisboa 1967. Terence Spencer.
Parentes de luto, choram vítima de enchente em aldeia perto de Lisboa. 1967. Terence Spencer.
Camponeses carregando um corpo morto após as cheias
numa aldeia perto de Quintas. 1967. Terence Spencer.
numa aldeia perto de Quintas. 1967. Terence Spencer.
«Noite de 25 para 26 de Novembro de 1967. Em pouco mais de 12 horas a região de Lisboa era atingida por fortes chuvas, que viriam a originar uma das maiores calamidades que se abateram sobre esta área. A subida das águas foi de tal maneira forte e rápida, perante a praia-mar, que ribeiras e esgotos ficaram sem qualquer capacidade para as escoar. Casas, pontes e pessoas foram arrastados à passagem daquela onda destruidora. Às portas da Primavera Marcelista, os dados oficiais controlados pela censura apontaram para 250 vítimas mortais. Todavia, o balanço final terá ascendido a mais de 700 mortos e ficou bem vivo na memória das populações fustigadas.»
In, http://www.meteopt.com/forum/eventos-meteorologicos/cheias-de-25-de-novembro-de-1967-a-1260.html CLIQUE.
In, http://www.meteopt.com/forum/eventos-meteorologicos/cheias-de-25-de-novembro-de-1967-a-1260.html CLIQUE.
Moradores salvam pertences após as cheias. 1967. Terence Spencer.
Um Documento Importante
RELATÓRIO DOS SERVIÇOS PRESTADOS POR ESTA
CORPORAÇÃO NAS INUNDAÇÕES DE 25/26 DE NOV. 1967
CORPORAÇÃO NAS INUNDAÇÕES DE 25/26 DE NOV. 1967
A primeira chamada de pedido de socorro foi recebida pelas 21,10 horas para o lugar do Silvado, onde havia várias barracas inundadas e animais em perigo. Saiu a viatura A.P.S.T. nº 2, que embora não pudesse chegar ao local, a sua guarnição conseguiu retirar de uma das barracas 4 vitelas e 2 porcos, tendo ajudado várias pessoas a abandonar o local, visto não ser possível esgotar as aguas, pois que continuava a chover torrencialmente. Esta viatura foi depois para o Bairro Olaio para as caves que se encontravam inundadas, onde nada puderam fazer senão aconselhar os inquilinos a irem para os andares superiores.
Às 22,30 horas começaram as chamadas de socorro para gente que se encontrava em perigo nos seguintes locais: Bairro Espírito Santo, Silvado, Pombais, Póvoa de Santo Adrião, Olival de Basto, Senhor Roubado, Urmeira, Bairro de Santa Maria, Pontinha, Serra da Luz, Famões, Bairro da Barrosa, Odivelas etc.
Cheia no concelho de Odivelas.
Foto em www.cm-odivelas.pt
Às 23,40 estava consumada a grande catástrofe com todas as estradas cortadas para Odivelas, e centenas de pessoas a gritar pedindo para as salvar. Foi difícil e árduo o trabalho de todo o pessoal, e para abreviar os serviços que foram prestados, passo a descrever os salvamentos feitos e que foram possível identificar.
O primeiro salvado foi feito nas cocheiras da Câmara Municipal de Loures na Calçada do Tojal, donde retiramos uma mulher entrevada e que estava prestes a morrer afogada.
Na Arroja, Rua A nº 20 C foram salvas de morrerem afogadas duas crianças, cuja identidade é a seguinte: Margarida Felicidade de Jesus Basílio de 3 anos e Dina Teresa de Jesus de 2 anos, filhas de Manuel Batista Basílio e de Maria Rosa de Jesus, residentes na mesma morada. Estes salvamentos foram feitos pelo Bombeiro de 3ª Classe nº 14, o qual a nado e ás escuras conseguiu retirar as crianças, pelo que sofreu vários ferimentos, tendo de ser assistido no local pelo Sr. António Ferramenta, com estabelecimento na mesma Rua no nº 10.
Na Estrada da Arroja foi salvo de morrer afogado o menor de nome António Manuel Santos Leitão, de 15 anos, filho de António da Silva Leitão e de Maria Manuela dos Santos Leitão, residentes na Quintinha da Arroja Letras P.V. r/c. Este salvamento foi feito a nado pelos voluntários Bombeiro de 1ª Classe Nº 2 e pelo 3ª Classe nº 23.
Consequências das cheias na Pontinha.
Foto em www.jf-pontinha.pt
No lugar do Silvado e Pombais, onde se encontravam um numero elevado dos nossos voluntários, foram salvas 25 pessoas entre adultos e crianças com o auxilio de escadas de molas e de cima do telhado dum prédio de lº andar e cerca de 25 pessoas de cima de barracas e arvores. Estes salvados foram feitos sobre a orientação do Subchefe Interino Guilherme, 1ª Classe nº 4 e Aspirantes nºs. 53-56-61-63-64 e MP 58, Auxiliares nºs 6 e 7 e Aspirantes 43, 58 e Auxiliar nº 13, os quais com risco da própria vida conseguiram estes salvamentos. Não foi possível fazer identificações, visto serem tantas pessoas a pedirem socorro.
Dezenas de crianças perderam a vida nas cheias de Novembro de 1967.
Foto em http://www.meteopt.com/forum
ás 23,40 horas com todo o pessoal e material em serviço e tendo verificado ser necessário mais material, especialmente barcos de borracha e pessoal, pedi auxilio ao B.S.B. o qual não pode comparecerem em virtude de também em Lisboa se verificar grandes inundações e ter também todo o pessoal e material em serviço.
Como a situação continuasse a agravar-se e como o meu Quartel só tem uma linha telefónica que aliás estava sempre impedida com pedidos de socorros, resolvi ligar para o Governo Civil de Lisboa pelas 0,10 horas, pedindo ao Sr. Oficial de serviço Capitão Galhardas a quem comuniquei a situação, para solicitar á Força Aérea um Helicóptero para acudir a tanta gente que ainda se encontrava em perigo e mais solicitei para pedir aos Fuzileiros Navais para me virem ajudar. Este Oficial que me prestou um auxilio relevante, manteve-se a partir daquele momento sempre em contacto comigo.
Cheias, foto do Paris-Match dez 67.
Foto encontrada na net
Às 0,40 horas começou a chegar ao meu Quartel os salvados, quase todos em trajos menores, os quais em principio começaram a ser vestidos com roupas dos nossos voluntários e a quem foram prestados os primeiros socorros, dando-lhes café quente etc. etc.
Às 4,00 horas da madrugada do dia 26, começaram a chegar cadáveres de homens, mulheres e crianças, que ficaram depositados no nosso Quartel.
Às 5,30 horas da manhã compareceram os Fuzileiros Navais, comandados pelo Snr. Aspirante Santos Silva e 45 praças que carregaram desde a Calçada de Carriche até ao nosso Quartel 4 Barcos de Borracha.
Em colaboração com o pessoal deste corpo de bombeiros, começaram a fazer pesquisas, tendo recolhido 52 cadáveres.
Às 16,00 horas estavam depositados no nosso Quartel 61 cadáveres. A identidade das pessoas salvas e assistidas no nosso Quartel é a seguinte:
Carlos Chivita, Madalena Silva, José da Fonseca, Aurora de Jesus, Maria Júlia e Filhos, António Rosário, António Manuel, Carlos Alberto Andrade, António Silva, Rosaria Mola Capitão, Manuel da Fonseca, Aurora Ferreira e filhos, Fernando Garcia, esposa e filhos, Maria Rosa, José Ferreira, Deolinda Fonseca, João Jesus Lopes e filhos, José Porto, António Nunes, João Vareta, Joaquim Mendonça, Carlos Manuel, António Fernandes, José Firmino, João Brito, Elisa Cunha e filhos e Manuel Antunes.
Por não terem para onde ir, estas pessoas ficaram alojadas na nossa camarata e em macas no parque de viaturas, onde se fez uma divisão entre os vivos e os mortos.
O nosso corpo auxiliar feminino (que estava em organização) , montou uma cozinha e serviu durante 4 dias alimentação a todas estas pessoas, e graças ao auxilio que nos foi prestado pelo povo, foi possível vestir toda esta gente e alimenta-la até serem transferidos para a Paróquia de Odivelas, onde o Pároco Sussano montou uma camarata improvisada também.
Pombalinho, zona de Santarem.
Foto encontrada na net
Dos cadáveres depositados no Quartel, só dois foram entregues ás famílias, tendo todos os outros sido transportados para o Instituto de Medicina Legal.
Nestas inundações ficamos com todas as viaturas danificadas e perdemos o nosso Auto-Pronto Socorro Tanque nº 2, que por motivo de ter ido na enxurrada em Olival de Basto, ficou praticamente sem possibilidades de recuperação.
O nosso trabalho continuou nos dias seguintes, já com a ajuda de várias corporações, na remoção de terras, viaturas, animais mortos e pesquisas de sinistrados. Tendo nestas pesquisas encontrado mais 3 cadáveres.
Os serviços de Saúde estiveram a cargo do Exmo. Senhor Dr. Rogério Proença, Dr. Vamona Sinari e as Enfermeiras D. Ivone Patrocínio e D. Maria Eugénia e os Enfermeiros Senhores 2º Sargento da C.V.P. Manuel Caldeira, Manuel Monteiro Fernandes Palha e José da Conceição Emídio, que desde a madrugada do dia 26, prestaram assistência aos sinistrados dentro do nosso Quartel.
Quartel em Odivelas aos 27 de Novembro de 1967
O Comandante do Corpo
Fernando de Oliveira Aleixo
In, http://www.meteopt.com/forum/eventos-meteorologicos/cheias-de-25-de-novembro-de-1967-a-1260.html
(Fotos LIFE Archive e as outras foram encontradas na net)
tINHA 7ANOS DE IDADE ,PASSEI POR ESTA CATRASFORE ,FÕMOS SALVOS POR UM BARCO DOS FUZILEIROS NAVAIS ,QUE NOS ACOLHERAM AO FIM DE MUITAS HORAS COM PEDIDO DE SOCORRO, ATRAVÉS DE CIMA DO TELHADO ONDE VIVIAMOS ,EU MAIS UM IRMÃO A MINHA AVÓ E MEUS PAIS ,MEU PAI QUE POR SORTE NO MEIO DESTA DESGRAÇA ,NAÕ TINHA IDO TRABALHAR POR SÊR PADEIRO , E ISTO DEU-SE NA NOITE DE SÁBADO PARA DOMINGO DIA DE DESCANSO...
ResponderEliminarEu estive 1 semana com àgua e lama até ao peito a desenterrar mortos e a acudir à populaçao de Alhandra transportando os corpos para o cemitério de Vila Franca. Toda a guarniçao da Escola de Alunos Marinheiros e da Escola de Mecanicos esteve envolvida nas operaçoes de ajuda e salvamento e nao fizemos mais que o nosso dever. Claro que a imprensa distorceu muita coisa e se a imprensa distorceu muita coisa, também os "historiadores" que foram beber à fonte deles anos mais tarde, as distorceram. Curiosamente ainda nao li nada sobre o Paiol de Linda a Velha que explodiu nessa mesma noite devido às infiltraçoes de àgua que provocaram uma curto circuito.
ResponderEliminarO paiol de Linda-a-Velha explodiu de madrugada, tanto quanto a minha memória consegue registar e devolver-me.
ResponderEliminarTinha quinze anos acabados de fazer e morava na zona. Lembro-me de ter acordado toda rodeada pelos estilhaços da vidraça da janela que ficava frente à minha cama. Nem um único vidro me atingiu, mas grande parte do meu colchão ficou perfurado pelas arestas dos vidros...
Levei. Obrigado.
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